Michiko acha que talvez a Lua estivesse quase cheia na noite passada. Ela não era de ficar olhando para o céu - as nuvens e a poluição escondiam quase tudo o que era bonito no alto - mas o disco amarelão se levantando no horizonte chamou a atenção dela. "Bom", pensou usado as mãos, "se ela está cheia, então, se o sol está aqui, a Terra tem de estar exatamente entre os dois (acho que é isso, faz tempo que tive essa matéria), então o caminho pra casa é o oposto da lua e... - ...Ai, fudeu. Não havia Terra. Não havia estrelas, ou Sol. Ao seu lado havia um paredão enorme, não dava para estimar o tamanho de onde ela estava, mas, sem dúvidas, era o ser onde ela e os outros estavam. - Grande, né? - Virhe ainda estava dentro da bolha mágica que permitia a todos respirar normalmente. - A esfera também protege vocês da radiação e pequenos objetos em alta velocidade - notifica Coração Ígneo. - Ah, obrigada - a garota responde, ainda pasma. Da esquerda para a direita, de baixo para cima, um enorme ser tapava o sol. Acima de tudo, muito longe, ela vislumbrava o que talvez fossem chamas - Éééé...aquilo lá, é a boca dele? - Sim, não queira ver isso bravo. Vamos embora daqui? - Vamos, mas.... a gente deixa esse bicho aí? - Você acha que pode lutar contra? Michiko olha de baixo a alto e deixa sua imaginação dançar junto com as distantes flamas saindo de uma boca tão grande quanto uma cratera de vulcão. Não, definitivamente, não dá para encarar. - O leviatã permanecerá muitos dias aqui no alto, digerindo, depois vai para outro lugar procurar mais comida.
Ela dá uma última olhada para trás, depois de contornarem a monstruosidade e avançarem muito na direção até sua casa. A silhueta da criatura eclipsava quase todo o satélite da Terra, lembrava uma vírgula inchada e sinistra. Algo no seu íntimo dizia que ela escolheu a solução mais fácil e talvez a mais errada.
Michiko já tinha feito viagens de busão dentro da cidade mais demoradas que essa e, quando a Terra era um enorme paredão azul à sua frente, segurou forte o cajado e tomou coragem: - Você ia realmente... estava matando minha amiga? - Ela não iria morrer: tenho certeza você não ia permitir que eu desacordasse seu amigo peludo e me daria a chance de fugir... - Não é disso que estou falando. Você estava escondido no quarto dela, roubando a energia dela. Isso a mataria, né? - Ah.... - o coala albino com asas, chifres e trocentos olhos coça a cabeça coça a cabeça por um momento - seria mais fácil assim, não acha? - ....C-como assim? - Você tem uma das mágicas mais poderosas que já vi e estou aqui do seu lado. Então, aproveito de alguma distração tua, como, por exemplo, você desmaiada na barriga do leviatã, e roubo tua anergia. Nunca mais precisaria me alimentar, pelos séculos dos séculos. - A energia que estava absorvendo denunciou sua posição para nós - informa Coração Ígneo, quando começam a cruzar as primeiras nuvens - e era em valores elevados. - Sua amiga - Virhe olha para Michiko - estava se divertindo muito com uma história, e suas emoções e histórias para mim são alimento. Não estava roubando dela, estava recolhendo para mim o que se dissiparia no ar em pouco tempo. Ela não sabia se estava satisfeita com a resposta, mas fazia algum sentido. Logo, graças à navegação de Coração Ígneo, sobrevoaram a rua de Alice e foram para a praça da Torre de Tóquio, onde desceram.
Estava escuro e Michiko nunca imaginou que sentiria falta de sentir o chão sob seus pés. Deu até uns pisões mais fortes para acreditar que era de verdade. Meu Deus, que dia foi esse? - Bom, - Virhe bate as mãos satisfeito - aqui termina nossa trégua. A gente se afasta e a partir de então... - APRESAR!! Ela o prende nos pulsos e pernas com algemas acorrentadas ao chão. Poika ainda estava apagado, protegido por uma esfera de energia menor que a anterior. - Virhe, sem trégua - ela diz ostentando cajado e livro. Michiko era pequena, então sabia a impressão que estava dando em alguém que conseguia ser menor ainda - Trégua é coisa de guerra, e se estamos em guerra, acho melhor acabar com isso aqui e agora. Olha em torno, estavam sozinhos. Aquele lugar não era convidativo à noite. - Mas, você não me parece ser ruim, tenho nada contra você e não estou entendendo tudo o que aconteceu. Você promete machucar ninguém e depois conversarmos?
Voou com coração mais leve até sua casa, e com Coração Ígneo garantindo que ninguém a veria. Viu as luzes acesas na sala, estavam assistindo tevê como sempre. Talvez ela tenha feito a decisão errada acreditando nele, mas se sentia tranquila com isso. Entrou pela janela de seu quarto, se destransformou e caiu na própria cama, fazendo um barulhão. Previsivelmente, ouve passos escada acima e logo mãe e irmã estão na porta do quarto, a encontrando sentada na cama. - Tá melhor, Mi? - Acho que estou sim, mãe? - Você tá suada, mas tá sem febre... - Passei aqui no teu quarto e você capotou, hein?
- Enquanto isso - Poika interrompe a narrativa - eu estava enterrado em baixo de um monte de cobertores? Michiko, de pijama com estampa de gatinho e com a escova de dentes na boca, cruza os braços e responde séria: - E queria o quê? Se não fizesse isso ontem, não ia saber explicar e hoje você ia parar na carrocinha. Ela mexe a escova para alcançar os molares antes de continuar: - E, depois fiz uma caminha e te escondi debaixo da cama. Deu trabalho, tá? - É... obrigado. - De nada - responde secamente e imediatamente se levanta. - Onde você vai? - Enxaguar a boca, fica aí. "Tá no celular, Michiko?" - Poika ouve uma voz masculina vir do andar de baixo. "To sim, pai, mas já vou deitar" Passara toda a noite anterior inconsciente e quando acordou, se viu sozinho na casa. Até tentou se comunicar, mas foi rechaçado e, como o cansaço ainda lhe tomava, achou melhor doar mais algumas horas para o sono. - Você tem casa? - ela volta sem a capivara perceber. - Tenho, mas não vou voltar enquanto não capturar Virhe. - Você não quer voltar ou não pode voltar sem ele? - Teu mundo está em perigo, e você deixou ele escapar!! - Fala baixo! E ele salvou a gente, não percebeu? - Ele é o inimigo, tem de ser capturado!! - Não, é TEU inimigo, melhor, você que é inimigo dele. Eu tenho nada a ver com isso. - Hmpf! Você vai se arrepender. - Não joga praga em mim! Se ela pegar, vou te levar pro banho e tosa. - Tem monstros a solta no teu bairro, sabia? Eles vão machucar alguém! - Banho, tosa e castração. - To falando sério. - Fica aí, vou pegar a tesoura. - Michikooo! ò_ó Ela pega um urso de pelúcia e põe na frente da Poika. É quase que do tamanho dele. Sai do quarto na ponta dos pés, mas volta logo, murmurando "de dia procuro". - O quê? - A tesoura, eu disse. - Ei, tá me ameaçando? - Também sei ser perigosa >=) - Assim mesmo, você.... - Você já repetiu isso dez vezes. Ele não me parece ser mau, ele fugiu de onde? - Da cela dele, oxi - a última coisa que Michiko enxerga antes dela apagar a luz e deitar-se é a mini-capivara de braço cruzados. - E porque ele estava numa cela, Poika? - Não posso... não sei. Se ele estava preso, é culpado. Se é culpado, tem de voltar a cela dele. A luz é acesa sem aviso, e o pai da família vê a filha deitada com um celular na mão e uma insuspeita capivara de pelúcia jogada perto do pé da cama. - Filha... er... desliga esse celular. Tá tarde. - Desculpa, pai. Tava mandando um áudio pra Luana, amanhã vou encontrar ela. Boa noite! - Boa noite. O silêncio não é rompido, nem a confortável escuridão. Assim mesmo, sem o desgaste do dia anterior e com milhões de perguntas e suposições se avolumando, o sono demora para chegar na menina. Tem muito mais acontecendo do que dizem para ela. E, definitivamente, algo de errado não está certo.
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