— Mãe! Mãe! Mãe! – Um garotinho entrou gritando cozinha, seus chinelos ecoaram, assustando a mulher que misturava fubá e outros ingredientes em um tacho sobre a mesa. – Eu tenho um novo amigo!
A mulher levou a mão ao peito para acalmar as palpitações, largando a colher de pau, ela não sabia de onde seu filho tirava tanta energia mesmo depois da aula.
— Que bom meu anjo. – A mulher disse com voz suave, fazendo um gesto para que o pequeno se aproximasse. – Guarde sua mochila e venha ajudar a mãe a fazer um bolo de cabo-de-madeira.
O menino acenou e correu para deixar a mochila em seu quarto, a mãe ouviu ele tropeçar, pelo gemido ele deve ter batido em algo, mas voltou logo para se agarrar a barra da saia de sua mãe, os olhos brilhando de anseio posto que apenas uma vez no ano sua mãe fazia aquela receita para o Festivel de Santa Bárbara.
A cozinha era simples, de tijolos expostos, acinzentados pela fumaça do fogão à lenha, mas o cheiro de barro e lenha era para o pequeno o sinônimo de lar.
— Me conta do seu novo amigo. – A mãe disse retornando ao serviço, dando ainda alguma atenção ao menino, ele sorriu seu mais largo sorriso e contou o ocorrido à sua mãe.
Era hora do recreio. A melhor parte de ir para a escola era o intervalo. Não que estudar fosse ruim, só não era tão intrigante quanto tudo o que existia para ser visto e sentido do lado de fora, da sala, das paredes da casa que servia de escola, das cercas, dos limites da cidade, e além.
Foi assim que, ao correr porta afora da sua sala quando o sinal tocou, Davi com seus cabelos desgrenhados atrapalhando a sua visão, se chocou contra um menino menor.
Davi já estava acostumado com a situação. De verdade. Era rotina trombar com seus coleguinhas pelo único corredor da escola primária. E como de rotina, os coleguinhas caiam no chão e choravam. O garoto esperou que o outro começasse o rompante, mas em vez disso, o menino de cabelos escuros devidamente alinhados apenas verificou suas roupas, franziu o cenho e continuou o seu caminho.
— Ei, ei, ei. – O menino maior correu atrás do outro. – Eu sou o Davi.
— Pedro.
Davi olhou para Pedro, sua roupa social, com gravata e tudo, coisa que nenhuma criança, nenhuma mesmo, jamais havia usado para ir àquela escola. Davi nunca havia visto o menino. Ele tinha uma pele bronzeada e olhos eram de um verde escuro, marcado por traços verde água, diferente dos olhos âmbar e dourados de todos os outros.
— Você é novo. – Constatou Davi.
— Não sou! Eu já tenho sete anos. – Apontou o menino encabulado.
Com isso Davi desatou a rir, enquanto Pedro envergonhado saiu a passos rápidos de perto do menino que estava se dobrando segurando a barriga de tanto rir.
― Davi! Isso não é coisa que se faça! – A mãe de Davi, dona Lourdez, interrompeu o tagarelar do menino. – Você tem que pedir desculpas para o menino Pedro quando você o encontrar.
— Mas mãe! – Davi cruzou os braços com um muxoxo. – Eu ainda não terminei de contar a história.
— Me desculpe meu filho, continue, mas antes vá pôr fogo no forno, sim?
Antes que terminasse de falar, o menino já estava correndo quintal afora para aquecer o forno de barro.
Então, com as bochechas doendo de rir, e os olhos ardendo de chorar, Davi correu para o pátio da escola procurando por Pedro. No pátio improvisado, as crianças das quatro turmas da escola brincavam. Davi avistou Pedro com certa facilidade, sem contar a aparência, o menino era o único que não estava compartilhando dos brinquedos.
— Te achei! – Davi gritou, correndo na direção do menino que estava recostado contra o cercado da escola.
— Pra quê?
— Bem... é que eu, não sei.
Pedro parecia ter achado muito algo interessante no chão por não olhar para Davi.
— Me desculpa. – Davi disse, e isso por fim fez que o menino mais novo desviasse o olhar para encarar Davi, sem, no entanto, dizer nada em resposta.
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