"Quando você tinha seis, eu te vi pela primeira vez neste mesmo lugar, consegue se lembrar?"
A única coisa que Akisa conseguiu com esforço recordar foi o cansaço extremo e o fato de que ela tinha ido se deitar muito antes do que ela tinha costume naquela noite. Olhando ao redor e cuidadosamente observando a pessoa à sua frente, ela pensou que estava sonhando mas aquele seria o seu primeiro sonho consciente.
A voz da pessoa à sua frente, no entanto, a fez lembrar de coisas que ela achava que nunca haviam acontecido.
Akisa franziu a sobrancelha enquanto memórias distantes repetiram em sua mente. Ela tinha de fato seis anos de idade quando a divindade à sua frente apareceu em um sonho dizendo tudo o que ia acontecer com ela até esse novo encontro. E absolutamente tudo havia de fato acontecido como a deusa havia dito.
"...Sim, Eu... me lembro. Você me mostrou tudo o que aconteceria e, se eu deixasse acontecer... você voltaria... pra tirar minha vida?"
"Sim." Não havia qualquer resquício de emoção na voz da divindade, como se aquilo fosse o mais óbvio a ser dito.
'Então. Esse é o fim.' Akisa olhou novamente para o lugar que elas estavam. Era um local adequado para o dia de sua morte. Ela sorriu amargamente.
Akisa era a pessoa mais azarada que ela conhecia ou ouvira falar. O pior dia da vida de alguém era a rotina diária dela.
Akisa riu novamente. Na noite anterior ela estava tão doente que até fazer comida era uma tarefa impossível e antes de dormir ela pensou que nada podia ser pior do que ficar doente no seu próprio aniversário.
'Lei de Murphy nunca falha.'
Ela se sentou no espelho dágua que as cercavam enquanto suspirava, mas não porque estava cansada, seu corpo estava tão saudável quanto poderia.
Akisa olhou novamente para a pessoa imóvel e imutável em sua frente.
Se alguém pudesse definir o gênero de uma pessoa por roupas e voz, Akisa diria que a pessoa a sua frente era uma mulher. Uma que provavelmente havia saido de um anime ou algo do tipo devido às roupas extravagantes e ao cabelo arco-íris. Mas mesmo assim, Akisa pensou que seria um homem sem problemas ou uma pessoa sem gênero. Era uma pessoa de extrema beleza.
Admirações à parte, ela olhou pra baixo e notou que o espelho dágua aos seus pés na verdade era um enorme lago, mas isso não a incomodou.
"Tudo o que você disse que aconteceria, aconteceu. Tudo... Como isso é possível?"
"É o que vocês chamam de 'destino'? Mas como eu disse na primeira vez, aqueles que seguem o fluxo e não vivem suas próprias vidas não são dignos de estarem aqui. O tempo está acabando e pessoas como você continuam impedindo a evolução humana."
"Faz sentido." Não fazia.
O tempo acabando e evolução humana? Não havia muito contexto, Akisa pensou.
Qualquer pensamento que fluía para o quão absurdo aquele sonho era, acabava sendo quebrado pela sensação de que aquilo tudo era real demais para ser só mais um sonho maluco. Por mais que Akisa tentasse, ela não tinha em si motivação suficiente para encarar aquilo como apenas um sonho.
E apesar de tudo, não havia nada que ela pudesse fazer pra mudar o fato de que a divindade à sua frente estava alí pra buscá-la.
"Mas só agora eu fui capaz de me lembrar daquele sonho, uma pena. Eu gostaria de tentar novamente. Por que eu deixei as coisas acontecerem... Ah." A verdade é que ela não havia deixado as coisas acontecerem. Como um peixe se debatendo no chão para encontrar uma fonte de água, ela havia feito o melhor que ela podia pra sobreviver a cada dia. Akisa não deixou as coisas acontecerem, elas somente inevitavelmente aconteram.
"Tentar novamente?" A extravagante divindade riu de Akisa com deboche, mas estranhamente parecia estar contente com o pedido.
"Dessa vez você terá muito menos tempo."
Akisa olhou para cima com os olhos arregalados.
"Sim, por favor?" Tudo sobre aquele sonho era um completo absurdo, mas Akisa não ia brincar com a própria sorte. Ela não tinha muito pra começo de conversa.
"Um ano. Em um ano eu voltarei e verei se você está vivendo ou se está apenas seguindo o fluxo."
'Eu falhei em tudo que tentei, e agora estou fadada a falhar na vida. Meu azar não tem limites. Pelo menos tenho mais um ano.'
"Você não vai mostrar o meu futuro desta vez?" Ainda sentada no chão molhado, Akisa suspirou por sua interminável falta de sorte. Ela estava à beira da morte, o que poderia ser pior?
"Não. Se você está seguindo seu destino ou se está realmente vivendo, você nunca saberá com certeza. Portanto, pergunte a si mesma o tempo todo se isso é o que você realmente deseja com cada decisão que toma. Eu vou vê-la novamente em um ano, boa sorte."
'Boa sorte?' ela riu amargamente.
Durante toda a sua vida, Akisa sofreu tantos acidentes que a primeira coisa de que se lembrava foi ser retirada de um carro por bombeiros, ela tinha 3 anos de idade.
'Isso já é...' Falando em carros, ela não conseguiu tirar a carteira de motorista por causa de outro acidente no dia do exame. E outro quando ela tentou novamente. Nenhum deles causado por descuido ou desatenção por parte dela.
A casa em que ela morava estava em nome de uma amiga porque ela achava que seria melhor assim. Uma casa comprada por seus pais.
Toda a sua vida girava em torno de fracassos e acidentes e ela estava de saco cheio de absolutamente tudo.
'...muita palhaçada.'
"Ei!"
"...?"
"Como posso mudar as coisas quando nada do que faço funciona? Eu tentei por decadas, mas as coisas só pioraram."
A divindade na frente de Akisa sorriu de leve.
"Achei que você nunca fosse falar sobre isso?"
Akisa franziu a sobrancelha.
"Eu deveria?"
"Se você for algum tipo de masoquista então não? Mas esse não parece ser o caso?"
"Masoquis... Olha, eu achei que fosse algo que não precisasse ser mencionado já que é algum tipo de azar que eu tenho desde nova, eu pensei que era carma ou algo assim?"
"Carma?" A divindade riu novamente, mais alto desta vez, como se Akisa tivesse contado a ela uma piada alucinante. "Por que seria carma?"
"Eu não sei? Pra pagar por algo que eu fiz na minha vida passada?"
"Hoh?" a risada estava ficando cada vez mais histérica. "Pagar? Existe algum aprendizado em pagar por algo que você não sabe que deve?"
"...Então, Por que eu sou tão azarada?"
"Isso é algo que eu não posso te responder."
"..."
"Mas, finalmente cansada de apanhar? Sacos de pancada perdem a graça muito rápido."
"...Okay?"
"Nesse caso, eu irei te ouvir, mas apenas pra uma coisa. Pense cuidadosamente pois eu não posso interferir com a sua condição. O que você quer?"
"O que eu quero? Eu não quero ser tão azarada?"
"Como eu disse, eu nao posso interferir com isso. Mas posso conceder algo que pode contrabalancear um pouco o jogo."
"Contrabalancear? ...Então. Um dos meus projetos, faça com que ele funcione e que isso me deixe confortável pro resto da minha vida."
A divindade riu novamente, dessa vez contudo ela parecia apreciar a resposta. "Considere feito. Mas lembre-se, eu não posso fazer as coisas por você e sua má sorte que se estende a todos ao seu redor permanecerá."
"Eu me lembrarei."
"Excelente."
No momento em que Akisa ouviu a última palavra da divindade, ela abriu os olhos com o telefone tocando. Era a manhã do dia seguinte e ela ainda estava doente, mas pelo menos estava viva.
Cercada de azar em absolutamente tudo, Akisa havia chegado à conclusão de que nada podia ficar pior do que estar doente na noite do seu aniversário mas ela não esperava que uma deusa a visitasse em seus sonhos dizendo que aquela era sua última noite viva.
Acostumada a ter todos os seus planos fracassados desde sempre, Akisa desejou que pelo menos naquele momento ela pudesse continuar vivendo porque, apesar de tudo, ainda havia muito que ela queria fazer.
Trevos de quatro folhas eram capazes de trazer sorte? Ela estava disposta a testar.
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