Caros jogadores,
Gostaríamos de agradecer seu apoio durante os 7 anos de nosso premiado MMORPG, Red Ocean Online. Devido a problemas econômicos e administrativos urgentes (que definitivamente não envolvem o recente caso de nosso ex-CEO sumindo com o dinheiro da empresa), estaremos encerrando os servidores cerca de seis horas após o envio desta mensagem. Recomendamos que aqueles que ainda jogam esse jogo falido o desinstalem e busquem novos horizontes (e quem sabe um emprego).
Estamos muito honrados de ter tido vocês nessa jornada conosco e esperamos encerrá-la com alegria, boas memórias e nenhum processo judicial.
Atenciosamente,
Black Cat Games.
— P*TA QUE PARIU?!
Lauren quase se engasgou com os comprimidos que tomava enquanto olhava para a tela de seu computador, com seu rosto se contorcendo em uma mistura de surpresa, horror e indignação. Havia acabado de chegar em casa depois de um dia cansativo no emprego que odiava, se preparando para finalmente sentar e relaxar jogando seu jogo favorito, quando abriu seu e-mail e deu de cara com aquilo. Não era possível que o jogo que tinha sido sua segunda vida por mais de sete anos ia acabar assim, com um e-mail genérico que mais parecia uma carta de demissão de alguma empresa qualquer. Em sua mente passavam cenas de todo seu legado destruído por um mísero clique. Um puxão de tomada e xxXDarkChaos_18Xxx seria reduzido a uma lembrança.
Ela levantou em silêncio e começou a andar em círculos pelo quarto, tentando colocar os pensamentos no lugar. A história de seu personagem... eles nem teriam a dignidade de encerrar a complexa lore do jogo, onde o protagonista com amnésia precisava recuperar suas memórias enquanto explorava o continente de Argrene e suas três grandes províncias, Oenith, Ninell e Ingrena, em um mundo que misturava magia e maquinário em uma temática steampunk fantástica. Lauren finalmente estava conseguindo juntar os pontos-chave da história depois de muitas quests e side quests, buscas incessantes por livros e documentos nos quatro cantos do mundo aberto do jogo...
Algo clicou em sua mente.
— Amara!
Ela ia perder Amara.
Na história, o protagonista e personagem do jogador era gradualmente odiado pelos personagens conforme ia descobrindo que seu passado apagado não era tão inocente assim, já que ele era filho da grande bruxa que destruiu parte de Argrene antes e agora estava fadado a terminar o que sua mãe começou. Mas havia um NPC que, não importava o que houvesse, o quão mal fosse a reputação do protagonista, sempre o recebia com um sorriso e uma simples quest: ajudar a recolher ferramentas. Amara era o primeiro NPC que o protagonista encontrava após sair da área inicial dos tutoriais e diferente de todos os outros NPCs da aventura, que com o avançar da história hostilizavam seu personagem, ele era o único que não o tratava mal. Lauren chegou a pensar que provavelmente era um erro de programação, mas acabou criando um apego por aquele mecânico de olhos dourados que acolhia seu avatar mesmo que o mundo o odiasse. Com o tempo, ela costumava voltar na cidade inicial só para vê-lo e sentar seu personagem ao lado dele para contar sobre sua vida dentro e fora do jogo. Tinha algo naquele NPC que trazia um conforto que Lauren não tinha em nenhum outro lugar.
Aquilo definitivamente não deveria acabar daquele jeito. Se ia perdê-lo para sempre, precisava estar lá com ele até o último minuto.
— Ok, ok. Foco, Lauren! O e-mail foi enviado às 18h e agora são... 23h40! — A garota corria o mouse pela mesa, clicando o mais rápido possível no ícone do jogo. — Ainda dá tempo, o jogo inicia em três minutos e acho que desloguei meu personagem a oeste da capital... talvez eu leve uns dez minutos até lá... Ah não, uma cutscene??
A tela começou a piscar com a cena do que parecia ser uma luta intensa, com chamas e gritos por todo o lado. Lauren estranhou a cutscene, já que não estava lá no dia anterior quando jogou da última vez e mais estranho ainda era ser algo novo aparecendo com o servidor fechando em alguns minutos.
Ela apertava fervorosamente as teclas para tentar pular a cena, mas as luzes e faíscas do fogo brilhavam cada vez mais. Clicar na tela parecia não estar surtindo efeito também, enquanto a cena continuava mais e mais barulhenta e os clarões do fogo aumentavam.
Até que uma explosão foi tão realista que a garota sentiu seu corpo sendo jogado para longe.
— Mas que p...
E a tela apagou, junto a mente de Lauren.
✰★✰★✰
Um cheiro de queimado subiu pelas narinas dela, deixando sua garganta seca.
"Meu PC queimou. Não acredito nisso." Sua consciência lentamente começava a voltar, com pensamentos preguiçosos tentando processar o que havia acontecido. "Pior ainda, ele explodiu. E eu devo ter morrido na explosão. Merda, devo ter quebrado uma costela."
A cabeça de Lauren finalmente pareceu ter se conectado com o resto do corpo, agora associando as dores e os incômodos. Sentiu estar deitada em alguma superfície acidentada, com pedras cutucando suas costas e um calor abafando o ar ao seu redor. Uma dor aguda no ombro esquerdo fez ela abrir os olhos com um engasgo.
— Argh! Mas que droga é essa?? — Ela se levantou e sentou com dificuldade, ofegando e tentando ver de onde vinha a dor. De seu ombro escorria um fio de sangue de um corte não muito profundo, suas roupas estavam diferentes e sujas, mechas de cabelo branco pendiam em seu rosto e sua pele estava um pouco mais bronzeada do que o normal. Com uma rápida olhada à sua volta, também notou estar no meio do que parecia ser uma praça rodeada de escombros pegando fogo, caída em cima de uma pilha de pedras que um dia foram uma fonte. A água ainda escorria de um cano de cobre quebrado ao seu lado.
"Eu acho que exagerei na dose do Zolpidem e tô alucinando com o Red Ocean..."
— Ainda está vivo, seu demônio?!
Uma figura apareceu do outro lado da praça, brandindo uma espada na direção de Lauren. Ainda um pouco confusa, ela reconheceu vagamente a mulher à sua frente.
— Mas o q... Katarina?! Katarina Aurea??
— Não ouse dizer meu sagrado nome, escória! Encontrarás o teu fim aqui e agora!
— Pera, pera, eu não...
Um clarão surgiu da espada de Katarina em direção a Lauren, que desviou bem a tempo de não ter sua cabeça explodida pelo raio de energia.
"Mas que diabos?? Aquela é a Katarina mesmo? Onde eu tô?"
Sua mente rodopiava tentando sem sucesso encontrar uma explicação lógica para estar naquela situação. Tudo à sua volta parecia igualmente familiar e desconhecido, desde o cenário em ruínas até a expressão raivosa da mulher que andava em sua direção.
— O legado da sua odiosa mãe terá...
— ... seu fim diante da glória de Tharia... — interrompeu Lauren. Ela conhecia aquelas falas, havia decorado após ouvir cerca de dez vezes na última semana. Era a cena da última missão de história disponibilizada no jogo, onde o protagonista finalmente recupera todas as memórias de seu passado e é confrontado pela principal heroína daquele mundo, Katarina Aurea, a cavaleira sagrada que carrega o espírito de uma deusa do além-mar e o sangue do guerreiro que selou a mãe do personagem do jogador. Lauren nunca conseguiu passar dessa luta.
A paladina teve um breve momento de surpresa ao ouvir seu inimigo terminando sua frase, o que foi uma distração o suficiente para Lauren agir. Seja lá onde estivesse, ainda era uma situação perigosa e ela quase nem pensou quando teve um pequeno momento de impulsividade e correu na direção de Katarina, que também já se preparava para revidar o ataque. Uma estranha memória muscular fez seu corpo se mover com naturalidade, como se os comandos de seu cérebro relacionados às teclas de jogo fossem convertidos em ações instantaneamente.
E seu melhor comando foi desviar daquela mulher e fugir.
Como um raio, Lauren se lançou ao chão, deslizou entre as pernas de Katarina e correu em direção às chamas, deixando a cavaleira extremamente confusa com a ação. Se aquilo era o que aparentava e ela realmente estava no corpo de seu personagem, sua capa seria o lendário Manto de Aramida que ganhou no evento da montanha de lava e que garantia alta resistência a fogo. Se não fosse... bem, é provável sair vivo de um incêndio do que de uma espada enfiada no seu peito.
Para seu alívio, o manto realmente a protegeu, e depois de algumas cambalhotas desengonçadas ela conseguiu se meter em um beco apertado. Com certa dificuldade pelo braço machucado e o pulmão ardendo por conta da fumaça, Lauren seguiu o mapa gravado na memória para sair correndo da cidade pela viela mais escondida, enquanto ouvia os gritos irritados da sua oponente no meio da praça.
— Ok, acho que eu morri... — Ela parou em um dos portões de saída, arfando e tentando se acalmar. Se escondeu em um canto escuro de um estábulo, em um ponto cego de qualquer um que passasse por ali. — Eu morri e tô tendo uma daquelas experiências de quase morte que vi no TikTok. Ou pode ser sonho! Eu cheguei cansada do trabalho, devo ter caído na cama e alucinado aquele e-mail...
Uma pontada de dor em seu ombro a fez se encolher. Ao tentar olhar melhor o ferimento, percebeu que marcas azuis em sua pele brilhavam sutilmente enquanto o corte se fechava sozinho. A sensação de estar em outro corpo era estranhamente familiar, então seu olhar buscou algo em que pudesse checar sua aparência. O brilho de uma tina com água em um canto chamou sua atenção, e ela se aproximou para ver seu reflexo. Os longos cabelos esbranquiçados e a pele negra que destacavam os olhos azuis de seu personagem confirmaram sua suspeita.
— Darka... Eu realmente sou o Darka. — xxXDarkChaos_18Xxx era o nick que a Lauren de 17 anos achou que seria perfeito para seu personagem edgy de passado misterioso. Um nome forte e impactante, que iria impor medo. Pena que a Lauren de 17 anos tinha uma cabeça... de adolescente de 17 anos. De qualquer forma, seus amigos dentro do jogo só a chamavam de Darka, por praticidade.
Seu momento de autoconhecimento foi interrompido por uma pontada em suas costas.
— Te peguei.
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