— Tchau, vô! — Despedindo-se apressadamente do avô, Gael correu para fora da casa, fechando a porta rapidamente. Com um pedaço de pão entre os dentes, o jovem garoto murmurou entre mordidas — Vejo o senhor mais tarde.
Um senhor de cabelos brancos, óculos e boina aproximou-se da porta da sala, de onde o garoto havia saído, e soltou um grito potente como pode:
— Não se atrase para o jantar!
— Está bem, vô. Amo o senhor — Respondeu o menino, enquanto cruzava o último portão que o separava da rua — Agora tenho que ir, já estou atrasado.
O garoto ruivo fechou o portão e partiu em disparada em direção à escola. Seu despertar tardio comprometeria, inevitavelmente, seu desempenho nas atividades escolares. Apesar de sua inteligência, Gael Silva odiava acordar cedo.
Gael era um adolescente comum de 16 anos, destacando-se pelos cabelos ruivos. Seus olhos verdes brilhavam intensamente através das lentes dos óculos que adornavam seu rosto. A razão de seu atraso para a escola era tão simples quanto intrigante: animes.
Naquele dia, o garoto vestia um moletom azul, cuja manga direita ostentava duas listras amarelas quase no nível do ombro. Seus cabelos ruivos e olhos esverdeados resplandeciam ainda mais em contraste com aquela peça de vestuário.
A região onde Gael residia encontrava-se no fim do outono e no início do inverno. A queda das folhas das árvores pintava o ambiente com um espetáculo de cores. Mesmo que muitas das árvores do bairro não fossem típicas das estações, essa diferença criava um fascinante contraste que hipnotizava os olhos de quem as observava entre o verde e o vinho.
O motivo dos atrasos do garoto tinha uma explicação fascinante. Recentemente, ele havia sucumbido ao encanto cativante de One Piece, imergindo-se no mundo da série e chegando cada vez mais perto da saga de Marineford. Noites se estendiam até altas horas, prendendo-o em uma teia de emoções e aventuras. Como consequência, a aurora surgia, e Gael emergia sonolento e atrasado para a escola. Seu avô, frustrado, havia abandonado a batalha perdida de tentar persuadi-lo a dormir mais cedo e comparecer pontualmente às aulas. As notas excelentes de Gael serviam como um escudo que protegia sua liberdade.
Falando sobre o Sr. Silva, além de ser o avô afetuoso de Gael, ele desempenhava o papel de um pai em todos os sentidos, uma figura guardiã, uma âncora de amor. Os detalhes envolvendo o sumiço dos pais de Gael permaneciam envoltos em mistério. Cada vez que o velho tentava sondar o assunto delicado, suas palavras encontravam uma barreira intransponível. O garoto resolutamente bloqueava qualquer tentativa de exploração do passado, declarando que o presente era tudo o que importava, e que seu avô era seu verdadeiro pai, enquanto sua avó, Dona Lourdes, era a mãe de seu coração.
A casa que Gael chamava de lar era agora habitada apenas por ele e seu adorável avô. A ausência de Dona Lourdes, conhecida e querida pelos vizinhos como um farol de amor e afeto, era profundamente sentida. Contudo, a vida continuava em seu fluxo permanente, seguindo o desejo da falecida senhora.
Resumidamente, Gael irradiava uma bondade inata, embora enfrentasse as vicissitudes comuns da adolescência. Seu coração abrigava um amor não correspondido, suas obrigações escolares, desafios arduamente superados nos videogames, sua devoção aos animes e mangás. Uma paixão recente ardia em seu peito: One Piece, um anime que seu amigo Luis Felipe havia recomendado com fervor.
Correndo pelas ruas do bairro de Morumbi, Gael se via imerso em uma paisagem encantadora. Atravessando os últimos cinco minutos que o separavam da escola, ele se esforçava para não se atrasar novamente naquela semana, desejando ardentemente alcançar a instituição a tempo.
Normalmente, Gael costumava seguir para a escola acompanhado por seus amigos, Daniella e Luis Felipe, que sempre passavam por sua casa antes de seguirem juntos seus respectivos caminhos. No entanto, naquela manhã, eles o informaram que não poderiam acompanhá-lo, devido a obrigações que os retinham, afinal haviam cansado de chamar o garoto em outros dias sem nenhum sucesso. Sem outra opção, Silva se lançou em uma corrida desenfreada pelas ruas do bairro, determinado a não se atrasar.
Gael residia na zona sul de São José dos Campos, no interior de São Paulo. Apesar dos desafios da cidade, o bairro era um refúgio ideal onde ele cresceu e fez amizades inestimáveis. As ruas, adornadas por majestosas árvores, criavam um cenário acolhedor que ele adorava. Mesmo nos dias chuvosos, quando os galhos caíam e cortavam a energia, privando-o de animes e videogames, ele apreciava a atmosfera única proporcionada pelas árvores.
Enquanto percorria seu caminho solitário, Gael sentia falta da companhia de seus amigos, mas a expectativa de encontrar Daniella e Luis Felipe na escola ainda o animava. Como o mais alto do trio, ele tinha a função de liderar o caminho, permitindo que conversassem sobre os conteúdos que estavam acompanhando. Embora Daniella não tivesse tanto interesse por One Piece, após ouvir as discussões entusiasmadas entre os dois amigos sobre a grandiosidade da obra, ela finalmente cedeu e decidiu começar a assistir ao anime recentemente.
Naquele dia, a jornada de Gael para a escola tinha uma urgência especial. Ele sabia que precisava seguir a rota mais curta para evitar chegar atrasado. Restavam apenas três minutos até o fechamento do portão às 07:01; se atrasasse, seria impedido de assistir à primeira aula e receberia uma advertência, só podendo entrar na segunda. A pressão era grande, pois o atraso de hoje poderia ser o seu terceiro nesta semana.
Ao atravessar a penúltima rua que o separava da escola, o destino lhe reservou um acontecimento inesperado. Um estrondo ecoou pela via, despertando sua curiosidade. Olhando na direção do som, Gael deparou-se com uma explosão que ocorria em um transformador alocado em um poste. Contudo, o que capturou sua atenção com maior intensidade estava aos pés daquela estrutura.
Numa encruzilhada de decisões, Gael ponderou se realmente conseguiria seguir seu caminho sem perder a oportunidade de investigar o que despertara sua curiosidade. Caso optasse por desvendar aquele mistério, abriria mão da primeira aula. Contudo, o enigma diante de seus olhos era irresistível.
Enquanto a falta de energia e a explosão do transformador mobilizavam as pessoas, que começavam a sair de suas casas e observar a cena, ninguém parecia notar o que Gael percebera. Um homem, trajando roupas casuais, encontrava-se prostrado aos pés do poste.
Gael sentiu a necessidade de compartilhar suas suspeitas com alguém, e assim dirigiu-se a uma senhora que acabara de sair de sua residência. Com educação e um toque de timidez, ele se aproximou e indagou:
— Com licença, bom dia. Desculpe-me por fazer uma pergunta tão peculiar a esta hora, mas a senhora está presenciando o mesmo que eu? — Disse o garoto, apontando para o poste, a fim de chamar a atenção da mulher.
A senhora, de aparência serena, com seus cabelos castanhos elegantemente desgrenhados e um olhar que refletia ainda uma certa sonolência, fitou Gael com uma mistura de surpresa e perplexidade antes de responder:
— Hmm, jovem, não percebeu a explosão do transformador no poste? — Indagou ela, levando em consideração a peculiaridade da pergunta feita pelo garoto.
Gael, compreendendo que não obteria a resposta desejada, abandonou a conversa no meio e seguiu em direção ao homem prostrado no chão. Com cautela, aproximou-se do indivíduo inconsciente e percebeu uma mancha de sangue que se formava sob ele. Ciente de que não podia movê-lo, decidiu que a primeira providência seria ligar para os serviços de emergência, uma vez que ninguém parecia ter tomado tal iniciativa.
Os olhos de Gael deslizaram sobre o homem caído, buscando detalhes que pudessem revelar sua identidade. Calculou que ele devia ter aproximadamente trinta anos. Seus cabelos longos caíam até os ombros, escondendo parcialmente um rosto oculto por uma barba espessa. O homem estava deitado de bruços, com a bochecha direita encostada no solo, não emitindo sinais de respiração.
Com agilidade, Gael discou o número de emergência 190 em seu celular, ao mesmo tempo em que virou-se para o lado, ansiando encontrar alguma explicação para o fato de ser o único capaz de enxergar o homem estirado aos pés do poste. A ligação ecoou duas vezes até que, finalmente, alguém atendeu ao chamado:
— Alô, bom dia. Eu gostaria de relatar um assassinato! — Afirmou Gael ao telefone — Sim, exatamente, é na antiga rua 18, próximo à casa 135, Jardim Morumbi em São José dos Campos.
Após concluir a ligação, Gael direcionou novamente seu olhar para o corpo inerte, pronto para lidar com a situação que se desenrolava.
Porém, o que testemunhou o surpreendeu de maneira avassaladora. O homem que outrora jazia aos pés do poste agora estava em pé, emanando uma aura de profunda perturbação. Seus olhos encontravam-se agora totalmente embranquecidos, como se tivessem sido consumidos por alguma coisa. E, como se não bastasse, uma espada misteriosa e sinistra materializou-se em sua mão direita, conferindo à cena um aspecto sobrenatural e assombroso.
Apesar de sua aparência inerte, o corpo do homem começou a mover-se por conta própria, desafiando todas as leis da natureza. Era uma dança macabra e inexplicável, uma marionete sem cordas sendo manipulada por forças desconhecidas. Gael sentiu uma repulsa visceral percorrer sua espinha, enquanto observava aquele espetáculo grotesco e perturbador.
Movido por um ímpeto desesperado de escapar daquela visão aterradora, Gael se viu preso em um pesadelo que transcendia a sua compreensão. O homem avançou em sua direção com uma velocidade sobrenatural, a espada encontrando seu alvo com precisão brutal. Num instante, a lâmina perfurou o abdômen do garoto, trazendo uma dor insuportável que se espalhou por todo o seu corpo.
No entanto, a força que animava o corpo inerte se mostrou temporária. O ser que controlava aquela marionete humana desapareceu repentinamente, como se nunca tivesse existido. O homem caiu pesadamente no chão, agora sem vida, como uma marionete com as cordas cortadas.
Silva ficou paralisado, o impacto da investida reverberava por todo o seu corpo, enquanto sua energia vital se esvaía. Tentou pedir ajuda, mas ao abrir a boca, uma torrente de sangue jorrou por entre seus lábios, tingindo seu rosto de agonia.
De joelhos no chão, sentindo a fraqueza dominar seu corpo, Gael sentiu sua consciência se esvair. Seus joelhos cederam, e ele desabou no solo frio e implacável. Ao tentar ajudar um desconhecido, viu seu destino ser selado pela mão inexorável da morte, mergulhado em um turbilhão de mistério e desolação.
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