Segunda vez só essa semana -pensei. Lá estava eu de novo, escrevendo histórias de madrugada ao invés de dormir. Aquilo acabava comigo mas não podia evitar. As histórias que crio são muito mais empolgantes que meus sonhos.
A desse mês é sobre um garoto perfeito. Odeio esse tipo de gente, todos os admiram e não precisam se esforçar para serem reconhecidos. Garotos bonitos, altos, corpo atlético, ricos e com a voz surpreendente suave. Eles tem tudo! É realmente injusto, odeio isso -acabei falando em voz alta, me dando conta, rapidamente dirigi o olhar à porta verificando se alguém tinha me ouvido. Morria de medo de acordar algum de meus irmãos, ninguém podia saber que escrevia de madrugada. Muito menos o quanto gostava de escrever, era vergonhoso e além do mais seria zoado por eles ou repreendido pelos meus pais. Suspirei aliviado, parecia que todos dormiam. Então, voltei ao meu raciocínio, queria criar um personagem perfeito. Ao contrário de mim que tem aparência relativamente sem graça,cabelos escuros longos e que nunca pareciam estar penteados, olhos castanhos comuns com olheiras roxas profundas, um corpo bem magro nada atlético e para piorar minha situação tenho poucos 159 centímetros de altura. Muito baixo para um garoto de dezesseis anos, pelo menos comparado aos outros que convivo. E não é genética, é puro azar. Meus irmãos são mais altos que eu, Ricardo o mais velho e Bernardo o mais novo ambos tem 175 centímetros de altura. E eu Erico já não tive a mesma sorte. Devo ser adotado- corto o pensamento, tirando a altura nós somos idênticos. Bufo frustrado. Porque só eu sou diferente?
Tomado por esse sentimento tenho uma ideia. Se eu amaldiçoasse o cara perfeito da minha história? No momento desse insight pego minha caneta e escrevo no papel. Ele é perfeito, tem absolutamente tudo. Entretanto está fadado a um destino cruel, nunca poderá ficar junto da pessoa que ama. Trágico, excelente! Além de adorar escrever, também apreciava as coisas melancólicas, a morbidade me fascinava. Me levantei, fui até a escrivaninha bagunçada e peguei meu caderno de desenhos. Foi algo incrivelmente difícil já que estava escuro, meu quarto era iluminado apenas pelos postes da rua e as poucas estrelas no céu. Antes de botar minhas mãos no objeto derrubei uma pilha de roupas, cadernos e algumas folhas com atividades de inglês, a única matéria que gostava de estudar. Sentei na minha cama, folheei as páginas abrindo em uma que julguei perfeita para rabiscar. Comecei a ilustrar o menino, a quem queria dar um nome britânico chique, mas me faltavam ideias. Como o lápis apontado iniciei o desenho, cabelos castanhos claros num corte digno de boyband asiática, olhos verdes amendoados, um sorriso perfeito e um corpo musculoso. Me peguei admirando seu peitoral por acidente. Do lado de meu novo amigo anotei as suas características. 183 centímetros de altura, modelo, voz suave, carismático, inteligente, pika quilométrica. Perfeito, apaguei o último item da lista, parecia pessoal demais, havia passado do ponto - ri. Depois de ter terminado comecei a escrever sua “backstory” escrevi até o ponto que ele se matava após ser tragicamente rejeitado por sua grande paixão, estava com sono demais para criar a sua amante. Antes que pudesse imaginá-la caí no sono. Dormindo com o caderno atirado no colchão provavelmente aberto em outra página, até tentei o fechar mas apaguei.
Érico um garoto gay e introspectivo vive vários dramas em sua vida. Se sente distante de seus irmãos e deslocado na escola, seu único refugio são as histórias que cria e reflexões pessimistas. Em uma noite escreve um personagem com tudo aquilo que mais despreza e inveja, mas e se ele não fosse só um personagem e sim alguém real. Será que Érico ainda o odiaria?
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