Odilon corria sorrateiramente pelos estreitos corredores da em polvorosa prisão. Muitos prisioneiros urravam, enquanto corria para liberdade, porém ao contrário destes o jovem príncipe adentrava cada vez mais nos subsolos do presídio.
Os guardas, na tentativa de conter os fugitivos, ateavam fogo nas saídas e em retaliação os prisioneiros tomaram todo tipo objeto, na tentativa de confrontar os soldados. No pátio externo arqueiros disparavam flechas das altas muralhas, a fim de executarem os homens que conseguiam atravessar as saídas cobertas com fogo.
Odilon estava completamente suado e ofegante. Esfregava a mão no rosto para retirar o suor que pingava. Estava cansado e perdido e para completar sua falta de sorte a fumaça começava a penetrar os corredores. Respirou fundo e continuou correndo.
– Hei! Amigo! – Gritou um dos prisioneiros. – Está indo na direção errada.
– Acredito que não. – Respondeu. – Procuro uma prisioneira. Uma feiticeira.
– Feiticeira? É provável que ela esteja no cofre. – O cofre era a ala especial do presídio, onde eram confinados os mais perigosos da sociedade, como feiticeiros e outros usuários de magia. – Mas a essa altura ela ja deve ter fugido... como a maioria do pessoal aqui. – O fugitivo começou a correr novamente.
– Espera! – Gritou Odilon. – Onde encontro o cofre?
– Ah! Não está muito longe, basta... – Uma espada atravessou a barriga do homem, antes mesmo de terminar a frase.
Odilon voltou a correr, mas tomou uma rasteira e caiu no chão.
– Volte para sua cela. – Disse o guarda.
– Não sou prisioneiro.
– É, e eu não sou guarda, sou um conde. – Debochou o guarda. – Vamos, volte para cela.
Odilon se levantou, bateu na roupa para retirar a poeira e empurrou o guarda.
– Ficou louco? – Disse o vigia, retirando sua espada da bainha.
O soldado partiu para cima de Odilon, que rapidamente girou e deu um ponta pé nas costas do guarda, que caiu de cara no chão. Odilon tomou sua espada e o prendeu em uma das celas.
– Agora, senhor conde. – Ironizou. – Diga-me como faço para chegar no cofre?
– Nunca!
– Então espero que goste de queimar. – Odilon pegou uma tocha, que clareava o lugar e ameaçou atear fogo no cubículo do guarda.
– Espera! Espera! Eu falo. – Gritou desesperadamente. – Desça a próxima escadaria e vire a esquerda, no final do corredor tem um portão dourado, mas ele é trancado.
– E como se abre ele?
– Os guardas só abrem para as autoridades ou guardas autorizados.
– Você tem autorização?
– Não.
– Então vou ter que dar outro jeito. – Disse o príncipe, caminhando em direção a escadaria.
– E quanto a mim? Não me deixe aqui, eu... eu tenho família.
Odilon sabia o certo a se fazer, mas a mágoa que estava seu coração não o permitia. Por um instante ficou parado, pensando, todavia resistiu ao correto e partiu, deixando o carcereiro na cela.
– Você deve estar desesperado para vir me resgatar. – Disse a feiticeira, ao ver Odilon entrando na cela.
Odilon ficou calado.
– Como você fez? Foi você mesmo que causou essa rebelião?
– Como você está? – Odilon retirou as correntes que prendiam Polipedes na parede, todavia não retirou as algemas de suas mãos e pés.
– Estou bem! Só não consigo usar minha magia. – A feiticeira gesticulava as mãos, tentando descobrir se conseguia lançar algum feitiço.
– Ótimo. – Respondeu o príncipe secamente.
– Ótimo? Desde quando é bom uma feiticeira ficar sem magia? – Respondeu, fazendo uma careta. – Esqueceu de soltar as algemas.
– Não estou libertando você. Isso está mais para um sequestro.
– Ficou louco, Odilon. Tire já essas... huumm ... hhhhhuuuuummm
– Cale a boca! – Falou Odilon, colocando um pano trapo velho na boca da feiticeira.
– Huummm ... huummmm – Resmungava, Polipedes.
– Anda! – Odilon empurrou Polipedes pelas costas. A feiticeira começou a andar desajeitadamente com seu salto plataforma, de cor esverdeada.
Odilon ateou fogo no cofre, para encobrir a fuga da feiticeira.
...
– Você ficou louco? – Gritou Polipedes, assim que o pano foi retirado de sua boca. – Como ousa me amordaçar desse jeito?
– Coma! – Odilon Jogou um prato sobre a mesa, contendo algumas uvas e pedaços de pão.
– Não estou com fome! – Respondeu, secamente.
Odilon puxou o prato com força; Polipedes o segurou, dando uma olhada afrontosa para o príncipe.
– O que aconteceu? Por que está com esse bico enorme? Alguma coisa tem de errado.
Odilon não respondeu. Foi para perto da janela.
– Não vai falar nada? Me tirou da ilha dos condenados apenas para olhar a minha cara?
– Estou... – Gritou! Respirou fundo e abaixou a voz. – Estou analisando o tempo.
– E para que? – A feiticeira beliscou um pedaço de pão. – Agora você trabalha na previsão do tempo? – Polipedes contorceu os lábios, após morder a língua.
– Precisamos atravessar a ponte e seguir em direção a Torac, mas não acredito que conseguiremos, não por enquanto. – Concluiu, voltando para a mesa. – Com a chuva de hoje a tarde é certo que o rio transbordou e cobriu a ponte. Deve demorar um, dois dias no máximo para a água abaixar.
– Torac? Isso fica a...
– Eu sei onde fica. – Disse Odilon, interrompendo-a. Sentou-se de frente para ela, suspirou profundamente e fitou seu olhar no dela.
– O que está acontecendo? Por que ainda estou algemada? – A feiticeira estava impaciente. Sabia que o pó de esmeralda, que misturado a outros metais contido nas almejas impediam-na de utilizar magia e por isso sentia um certo medo. – Eu sei que está acontecendo alguma coisa. Conheço você. Sei que não age dessa forma; deixe-me ajudar.
Odilon ficou em silencio por um longo tempo. Seus olhos estavam distantes. Sua mente parecia estar vazia. O olhar dela mostra que ela realmente quer me ajudar, mas o que ela poderia fazer? Se eu não entregar ela para aqueles homens nunca mais verei minha filha.”, pensou.
– O que sabe sobre os gigantes de gelo? – Perguntou calmamente Odilon.
– Gigantes de gelo? Essas criaturas estão em confinamento há séculos.
– Não, não estão. – Odilon deu um soco no tampo da pequena mesa de madeira na qual estavam sentados. – Eles atearam fogo no palácio, destruiram quase tudo... eles... levaram Sotrel. – O jovem ficou em silêncio. Estava com um olhar tristonho. – Levaram a minha filha.
– Impossível. – Polipedes estava incrível.
– Eles queriam você. – Disse secamente. – O que eles poderiam querer de você?
– Respostas. – Polipedes estava pensativa.
– Que tipo de respostas?
– As que eu não tenho. – A feiticeira deu uma tragada bem longa no caneco de água. – Então? Você vai me entregar para eles?
– Não.
– E vai fazer o que?
– Eu tenho um plano.
– Já que não vai me entregar… poderia retirar essas algemas?
– Ainda não. Não até você ouvir e concordar com meu plano.
– Não perca tempo, conte.
O silencio foi interrompido por pausadas batidas na porta. Os dois se olharam, sem entender o que estava se passando.
– Abra a porta. – Disse uma voz vinda do lado de fora do quarto.
– Estava esperando alguém? – Sussurrou Polipedes.
– Não. – Meneou a cabeça.
– Abram a porta, por favor! – Disse o homem, ainda batendo na porta.
– Quem é? – Odilon se aproximou da porta lentamente.
– Somos vigias do estabelecimento. Pessoas alegaram ter uma discussão aqui.
– Deve ter ocorrido algum engano. – O jovem abriu a porta bem devagar.
– Está tudo bem? – Perguntou o homem forte de pele escura. Era alto e tinha uma cicatriz perto do olho esquerdo, olho cuja cor era branca, devido a cegueira que tinha por conta do ferimento com a espada. – Alguns clientes disseram ter visto você entrar com uma mulher algemada. Depois, camareiras alegaram ouvir uma discussão e sons de soco vindo daqui. – O homem deu uma profunda olhada por todo o quarto, sem mesmo sair do lugar.
– Como pode ver esta tudo certo. – Odilon foi fechando a porta.
– E aquela mulher acorrentada ali? O que significa. – Perguntou o vigia, segurando firmemente a porta.
– Aquela? … aquela é uma mulher que eu trouxe para me distrair um pouco. Estava fazendo isso muito bem, até o senhor interromper.
– E por que não retira as algemas dela?
– Nós gostamos de coisas diferentes. – Odilon deu um meio sorriso.
O vigia deu mais uma olhada, ainda desconfiado da situação.
– Qualquer coisa me chama. – Disse o segurança.
Odilon fechou a porta e suspirou aliviado. Polipedes achou tudo muito estranho e ficou desconfiada. Levantou-se e foi em direção a janela.
– Temos que ir embora. – Disse a feiticeira, vendo o que se passava na calçada da estalagem.
– Agora? Ainda é noite.
– Agora. Aquele homem não é vigia, é um espião. Veja. Lá na calçada. Está conversando com um guarda, um caçador de bruxas.
Odilon observou e percebeu que o homem passava informações para um guarda vestido com as cores da bandeira de Azhard, azul e branco. Também reparava no emblema do reino estampado em sua roupa, o sol se pondo por trás das montanhas. O homem falava com o guarda e apontava para os aposentos onde estavam.
– Temos que ir agora. – Repetiu Polipedes. – Sei de um lugar para qual podemos ir. Retire essas algemas.
Odilon obedeceu. A feiticeira sentiu a magia retornando para suas veias. Cerrou os punhos e fez uma careta, como se estivesse sentindo algo.
–Vamos descer as escadas devagar e sair pelos fundos. – Disse em voz baixa enquanto saia do quarto.
Desceram a escada até o salão. O lugar estava cheio. O espião que também estava la viu os dois tentando sair pelos fundos e imediatamente avisou um dos guardas que logo caminho na direção deles.
– Vamos! Depressa! – Polipedes dizia, enquanto empurrava Odilon para fora.
Ao sair correram pela viela, mas na esquina seguinte havia um guarda. O rapaz era novo e parecia ter engrenado no serviço a pouco tempo. Estava com medo e se assustou quando viu a feiticeira. Polipedes parou e o encarou. Sem saber o que fazer o rapaz ficou paralisado por um tempo.
– Hei! Vocês! Parem! – Disse, puxando sua espada desajeitadamente.
Polipedes lançou um olhar sobre o jovem, um olhar que Odilon conhecia muito bem.
– Não faça nada idiota. Ele é só um garoto assustado. – Disse o príncipe, sinalizando com a mão.
O soldado deu um passo para frente. Polipedes levantou a mão, dela cintilava uma luz azul. Outros dois guardas chegaram, encurralando a dupla no estreito corredor.
– E agora? Posso fazer alguma coisa?
– Abaixa essa mão, feiticeira. – Disse o guarda que estava na outra ponta do corredor. Polipedes não deu atenção. – Eu falei abaixa essa mão! – Gritou.
Polipedes respirou fundo e atacou. Estendeu o braço, derrubando os dois guardas com o impulso do vento. Agarrou no braço de Odilon e o puxou, correndo na direção do guarda mais novo, que assustado com a cena não reagiu. Ao sair para rua principal avistaram mais dois guardas, estavam um pouco distantes, mas logo começaram a correr. Foram em direção a ponte que ligava a cidade, por cima de uma enorme fenda. Os sinos de emergência começaram a tocar e todos os guardas começaram a ir atras dos fugitivos, que a essa altura estavam perto de um templo, nos limites da cidade.
Nos altos muros surgiram arqueiros, com seus arcos e bestas prontas para atacar. Ao redor de Odilon e Polipedes ja se encontravam vários guardas, com lanças e escudos. Não havia mais saída. Polipedes ergueu as mão. Os guarda se colocaram na posição de ataque. A feiticeira abaixou as mãos bruscamente. O lugar se encheu de fumaça. Os guardas alvoroçaram-se, na tentativa de achar os fugitivos, porém não havia mais vestígios.
Odilon começou a tossir muito, devido ao excesso de fumaça que respirou durante a fuga.
– Onde estamos?
– Em Tanhur ainda. Minha magia não esta tão forte a ponte de nos teletransporta para longe. Precisamos ir depressa para… – A feiticeira foi interrompida.
– Auto! – Disse o arqueiro.
Odilon e Polipedes estavam cercados novamente. Não dava pra alcançar a viela, pôs esta estava na traseira do soldado. Polipedes pensava em uma maneira de escapar. Odilon levantou as mãos, desistindo de fugir. Polipedes tentou lançar magia contra o inimigo. O arqueiro disparou na direção do rosto da feiticeira. Polipedes fechou os olhos, temendo ser o fim, todavia um machado passou rapidamente na frente da flecha. A flecha bateu na face do machado, impedindo de atingir a feiticeira. O guarda disparou outra flecha. Esta acertou sua barriga.
Polipedes caiu no chão agonizando. Odilon foi acudi-la, mas nada podia fazer. O guarda se aproximou, mas foi golpeado na nuca pelo cabo do machado por um homem desconhecido. O homem, vestido com um blusão verde coberta por uma camada de corrente se aproximou.
– Não se assusto, sou um velho amigo. Me ajude a leva-la para casa, la poderei cuidar melhor desse ferimento.
– Os guardas estão nos perseguindo.
– Fique tranquilo. – Falou suavemente. – Eles não vão mais incomodar.
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