Karen notou como Hein reagiu, de forma desanimada, e então se aproximou dela e as duas começaram a falar mais baixo, me deixando de lado. Como sou bastante curiosa me aproximei mais da mesa para ler as informações que estavam na prancheta, porém, logo que me aproximei tudo o que estava ali tinha sumido em questão de segundos bem na frente de meus olhos.
―Muito bem, que seja. ―Karen voltou a sentar na cama e cruzou suas pernas compridas. ―Garota, a única coisa que importa é que esta aqui é minha verdadeira forma, de resto não precisa se preocupar com nada.
―Claro, e devo dizer que você é muito bonita, por que fica naquela forma de criança?
―Sim, sim. Ela é uma mulher muito linda, mas já é casada, então nem tente nada. ―Hein cruzou os braços e bufou. ―Agora, vamos continuar nossos testes?
―Apesar de ser uma esposa muito ciumenta. ―Karen riu em um tom mais baixo e jogou o corpo para o lado, ficando deitada novamente na cama. Como minha pergunta anterior tinha sido ignorada resolvi não insistir no assunto.
Vendo a forma como as duas eram uma com a outra pude bem determinar quem era a tal esposa da Karen. Voltei minha atenção para Hein que estava bem em minha frente vasculhando vários frasquinhos de vidro que estavam ali em cima e entre eles foi escolhido um que tinha um estranho líquido azul dentro, ela o balançou para os lados, fazendo com que aquilo ficasse brilhante.
―Elae, isso aqui é um remédio que eu criei. Com ele você vai retornar a sua forma real, ou seja, vai perder o corpo humano. Este aqui foi o mesmo que o Ian tomou.
―Minha forma real?
―Sim, você originalmente é uma criatura deste mundo. Não sabemos sua espécie, seu clã e nem sua família. ―Meu olhar entregou a pergunta “Como assim?”. ―Ninguém te explicou nada?
―Nadinha, Ian me disse que iria me contar tudo depois.
―Hm... Não sei o que ele pretende te contar então não vou entrar em detalhes. ―Hein caminhou para o meu lado, colocando o frasco sobre a mesa novamente. ―Ele tem uma suspeita de quem você realmente é, mas também não me contou. Parece que você vem de uma boa família, se é que me entende... De toda forma, só vamos ter certeza após revelar sua verdadeira identidade.
―Você não pode jogar meu nome ali também? ―Indiquei com a cabeça a prancheta.
―Até posso, mas não vai dar em nada. Você foi levada antes de receber seu registro.
―Pelo jeito preciso esperar até que o Ian resolva me contar as coisas...
―Exatamente. Agora toma esse remédio. ―Ela apontou para o frasco.
Por mais que eu quisesse não me neguei a pegar o remédio da mesa e levar ele para perto do rosto, Hein esticou sua mão para tirar a tampa de vidro dele, nesse instante meu nariz foi tomado por um aroma de menta o que me deixou mais tranquila com o conteúdo, mesmo que ele fosse brilhante.
Olhei para o lado vendo a mulher que,agora, estava de braços cruzados e criei coragem para virar todo o líquido dentro de minha boca. No mesmo instante senti toda minha cavidade bucal ficar cada vez mais gelada, parecia que um cubo de gelo tinha sido colocado em minha língua. Olhei desesperada para a loira, sua expressão era de curiosidade e confusão.
―O que está acontecendo? ―Karen correu para o meu lado no momento que meus olhos se encheram de lágrimas. Notei que ela tinha voltado a sua forma infantil. Aquele líquido começou a arder e eu não conseguia engolir era como se minha garganta estivesse fechada e até mesmo respirar estava difícil. ―Elae, toma isso logo! ― Karen parecia nervosa pelo seu tom de voz.
Eu não conseguia responder, apenas movi minhas mãos desesperada e foi quando me lembrei do frasco que ainda segurava. Aproximei-o da boca e cuspi o líquido ali dentro novamente, tossindo várias vezes com aquela sensação horrível dentro de minha boca.
―O que raios é isso? É pra ser assim mesmo? ―Levei minha mão até a garganta sentindo a região mais gelada.
―Não! Você deveria tomar e se transformar... ―Hein pegou o frasco de minha mão e despejou em uma pequena bandeja de vidro que estava no canto da mesa. ―Vou precisar analisar o que aconteceu, mas... Você vivia com alguém, certo?
―Sim, meus pais... Ian me disse que eles eram “guardiões”.
―Entendi então para te proteger eles lançaram um feitiço que impede a transformação. Se for pensar bem, seria o mais correto a se fazer caso algum inimigo a capturasse.
―E tem algum meio de reverter isso? ―Karen perguntou, fazendo minha atenção voltar para ela. ―De cancelar o que eles fizeram...
―Até tem como, mas só eles podem fazer. ―Hein mordeu o lábio, ela parecia nervosa.
―Isso é impossível. ―Elas me olharam, surpresas. ―Eles foram capturados por duas criaturas que estavam me perseguindo.
―Bem, eu ao menos posso te garantir que estão vivos. ― Ela sorriu e deixou a bandeja com o líquido no canto da mesa novamente. ―Caso não estivessem o feitiço teria sido quebrado no mesmo instante, ou seja, você seria capaz de voltar a tua verdadeira forma.
―Elae, eles estavam mais fracos? É que não consigo imaginar dois guardiões sendo capturados tão facilmente. ―Karen que ainda estava do meu lado, olhava com uma expressão de nojo para o líquido brilhante.
―Eu não sei dizer, eles viveram comigo desde que eu me lembro. E como não conheço nada sobre essa coisa de guardião não sei o que faria eles mais fracos ou não...
―Por acaso esses guardiões tiveram algum filho? ―A loira foi até um dos armários que estava aberto, o mesmo onde ela estava antes, de onde retirou um livro desgasto.
Hein ficou parada em frente ao armário foleando o livro rapidamente. Como não sabia o que ela estava procurando dei minha resposta.
―Eu tenho uma irmã, ela é mais nova do que eu... Não de sangue, ela é filha dos “guardiões” então só a considero irmã por termos crescido juntas.
Karen correu para o lado da doutora tentando enxergar o que estava no livro, eu ia fazer o mesmo, mas pensei que ela não fosse gostar muito.
Depois de virar mais algumas páginas Hein começou a ler o conteúdo de uma página já quase no final do livro e então mordeu o lábio inferior, balançando a cabeça de forma bem suave.
―Entendi. Segundo o livro antigo, quando guardiões têm filhos o poder deles passa para a criança, claro que de forma reduzida e se essa criança não viver em Sacra seu dom não amadurece e assim não desenvolve suas habilidades, ao menos que os próprios treinem a criança. ―Ela me olhou e revirou os olhos com minha expressão confusa. ―Quer dizer que seus pais têm poderes, quando a filha nasceu passou os poderes para ela, mas sem o treinamento ela não pode usar e fica apenas como uma humana comum. Entendeu?
Eu pensei em dizer algo, mas não sabia o que então minha boca abriu e fechou várias vezes. Karen começou a andar em círculos, parecia bem inquieta. A maior suspirou e guardou o livro novamente no armário – na verdade ela só o jogou lá dentro e fechou a porta.
―Hein, essa irmã... Ela não pode ajudar? Quer dizer, ela herdou o dom dos pais então pode remover o feitiço, correto?
―Não discordo da sua forma de pensar, querida, só que não sabemos onde essa menina pode estar. ―Hein me olhou. ―Elae, qual o nome de sua irmã?
Respirei fundo, mesmo tudo aquilo sendo complicado depois de pensar bem era fácil entender o que elas queriam dizer.
―Ahn... Minha irmã? Ela se chama Mine Sá. ―Assim que informei o nome à doutora fechou os olhos, sua boca se moveu como se dissesse alguma coisa, mas não pude ouvir nenhum som vindo dela e nem mesmo consegui ler os lábios.
Naquele momento uma forte brisa de vento passou por mim e então notei a roupa dela, e mesmo os cabelos, se movendo como se uma ventania muito forte estivesse ali, mas só atingisse a ela. Rapidamente olhei para Karen e ela sorria, animada, além de estar com os olhos fixados em Hein como se fosse algum espetáculo que não pudesse perder.
Depois de uns dois minutos naquele jeito a mulher voltou a normal e todo aquele “vento” inexistente tinha parado, ela suspirou e me olhou.
―Ei, você tem certeza? Não encontrei nenhuma informação sobre ela.
―E antes de você perguntar, isso foi um feitiço especial que apenas os aqueles autorizados pelo Impérador podem usar, ele dá acesso a qualquer informação registrada em nossas centrais. É parecido com o que ela usa na prancheta, mas ali é algo mais simples como uma ficha de dados, enquanto neste ela pode acessar qualquer tipo de informação, e pode até mesmo conseguir localizar pessoas, desde que esteja em Sacra.
―Obrigada, Karen, já ia mesmo perguntar o que era aquilo. ―Mesmo sabendo, não deixava de ser estranho demais. ―E sobre minha irmã, sim eu tenho certeza do nome dela.
―Então os guardiões não chegaram a registrar a filha deles. Isto é, no mínimo, curioso. ―Logo após finalizar sua sentença Hein começou a murmurar varias coisas que não pude entender, e como Karen não parecia dar atenção deduzi que ela estivesse falando sozinha e que era algo comum ali.
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