A senhora sentada ao meu lado se remexeu com o meu pulo e sem abrir os olhos se virou de costas para mim com um suspiro irritado, tentando provavelmente achar uma posição melhor do que a em que estava.
Não que isso existisse de verdade... Mas havia esse instinto em todos nós, viajantes de ônibus, que nos fazia continuar tentando encontrar conforto mesmo nos mais duros e apertados assentos.
Bom, quem era eu para julgar? Também tinha feito o mesmo à noite toda.
Uma total e completa perda de tempo desde o início. O destino me amaldiçoara com a poltrona do corredor, o que - como todos sabem - automaticamente excluí qualquer possibilidade de se conseguir dormir minimamente bem.
Eu podia ter ficado acordada a noite toda e estaria tão descansada quanto agora... mas podia ter sido pior... eu poderia ter ficado do lado do banheiro no fundo do ônibus... isso minhas amigas era por definição pagar karma adiantado.
A pouca luz que conseguia atravessar as janelas, através das frestas das cortinas mal fechadas, me fez contrair os olhos.
Mal tinha amanhecido, era cedo demais para ter ideia de como seria o dia... Mas havia algo na luz lá fora que me dava a sensação de que logo um sol forte iria aparecer e duraria o dia todo, mesmo ainda estando no meio do inverno.
Perfeito! Meu primeiro dia na minha nova cidade seria lindo e agora tudo o que eu precisava fazer era me livrar do meu mau humor matutino com uma gigantesca xícara de café. E talvez um donut....
Me endireitei no banco e estiquei minhas costas, braços e pescoço doloridos o máximo que pude naquele espaço limitado. Tudo doía, e algo me dizia que eu tinha dado um mal jeito no meu pescoço com aquele pulo por causa do sonho doido do tigre.
Hmmm... acho que eu ia precisar de dois donuts.
Grandes...
E com recheio!
Olhando ao redor, percebi que muitas outras pessoas estavam começando a se movimentar, guardando coisas, recolocando casacos, abrindo as cortinas... O que significava que a viagem estava chegando ao fim.
Devíamos estar quase chegando em Florianópolis.
Pois é... Florianópolis.
Quem diria que um dia eu ia morar em uma ilha paradisíaca, no sul do Brasil? Com praias onde a areia é tão fina e macia como talco, paisagens de tirar o fôlego, pessoas insanamente lindas e montes de restaurantes vegetarianos (yes!) por todos os lados?
Mas, se eu fosse mais honesta comigo mesma, quem seria capaz de adivinhar qualquer coisa sobre mim nessas últimas seis semanas?
A maioria das pessoas que eu conhecia não fazia ideia do que eu estava fazendo. E as poucas que realmente sabiam, pareciam chocadas demais para serem capazes de dizer qualquer coisa.
O que para mim foi mais do que perfeito, foi providencial.
Olhando em retrospectiva... talvez minha nova postura de simplesmente contar todas as decisões que eu já havia tomado, ao invés de perguntar o que os outros achavam sobre isso para então decidir, tenha me ajudado muito mais do que eu imaginei.
Porque o que eles viram não foi uma Cassie delicada e insegura, como sempre, dizendo:
" Sabe... Essa vontade surgiu há muito tempo... Sabe?! De meio que mudar toda a minha vida... Não sei... Talvez... Me mudar para outro estado e aceitar esse emprego totalmente fora da minha área... Hehe... Bom... É.... O que vc acha?"
Não, aquela Cassie não estava lá em nenhuma das conversas que tive. Eu nunca havia estado tão decidida sobre qualquer coisa na minha vida.
Se eu estava completamente aterrorizada com todas as mudanças?
Inferno, sim!
Mas eu também sabia que não havia nada capaz de me fazer desistir.
O que acabou fazendo com que as conversas fossem para um lado completamente novo, como:
" Então, aceitei um emprego para trabalhar com cura energética em um Spa & Health Center cinco estrelas em Florianópolis. Vou fazer Reiki, Massagem com cristais e Fitoenergética profissionalmente daqui pra frente! Exatamente como eu sempre quis, não é o máximo?! O lugar é maravilhoso, você precisa dar uma olhada no site deles! Ah, e eu queria saber se quer minha mesa de vidro, aquela que você adora, sabe?! Pois é, já vendi todo o resto dos meus móveis e estou me mudando semana que vem, mas guardei a mesa para você, se quiser... "
Depois disso, o que uma pessoa poderia me dizer além de:
"o quê!?"
ou
"você!? Quando?! Hein?!"
ou
uma combinação aleatória dessas palavras?
Aparentemente não muito, porque essas foram as reações que se repetiram de novo e de novo.
Eu podia entender.
Uma parte minha se sentia exatamente como eles. Surpresa, insegura, assustada... E muitas vezes ao longo do dia a frase "o que diabos eu estou fazendo?!" passava pela minha cabeça.
Mas as minhas outras partes queriam uma vida maior, mais intensa, mais verdadeira, mais excitante!
Era engraçado e um tanto confuso observar tudo o que estava acontecendo dentro de mim nas últimas semanas... Era como se eu tivesse me partido em várias versões de mim mesma:
a "Cassie corajosa",
a "Cassie insegura",
a "Cassie que queria aventura",
a "Cassie que queria ficar em casa",
e a "Cassie responsável" que estava preocupada com o que a "Cassie com sede de aventura" poderia aprontar...
Também tinha:
a "Cassie que repetia tudo o que minha mãe já tinha me dito como um belo gravadorzinho"
e a "Cassie que queria quebrar o belo gravadorzinho"....
Eu disse...
Engraçado e confuso pra caramba!
Mas começar a perceber essas "mini-Cassies" se movimentando dentro de mim também me deixou mais forte.
Porque agora, antes de tomar uma decisão, eu podia escolher qual "Cassie" eu queria ser. Ou se eu quisesse fazer algo novo e fora da minha zona de conforto, podia buscar a força de uma Cassie mais corajosa que me ajudaria a fazer o que eu queria.
Eu sempre quis ser forte, ousada, destemida...
Queria fazer algo que eu amasse... De verdade!
Então fiz o que a "Cassie corajosa" faria e enviei um e-mail me candidatando à vaga do meu emprego dos sonhos.
Apenas dois dias depois recebi uma proposta oficial!
Tinha funcionado!
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