Lentamente voltei a abri meus olhos que estavam fechados, e uma forte luz veio bem em minha vista e precisei fecha-los novamente para tentar me acostumar com aquela claridade repentina. Meu rosto esquentou com a luz, que tinha um calor confortante, que pude deduzir ser do sol, já que muitas vezes me deitava em meu quintal para tomar sol. De inicio não tinha me importado, mas aos poucos e, conforme abria meus olhos, notei muitas árvores muitas ao ponto de se assemelhar muito com uma floresta ou bosque. Quando finalmente consegui enxergar bem me dei conta de que realmente era uma floresta, e o mais estranho é que estava claro, era dia.
―Está se sentindo melhor? ―A voz era baixa que quase não pude ouvir direito, mas reconheci aquela frieza.
Virei meu rosto para cima podendo finalmente visualizar aquele garoto que me carregava nos braços gelados. Era Ian, sua pele estava bem mais pálida que o normal e ele parecia cansado, o completo oposto de mim.
―Ian, você... Está vivo?! Mas como? Onde estamos?
― Estamos em Sacra. E sim estou vivo, mas não bem. Por pouco não fui destruído ali, pensei que se congelasse meu corpo iria conseguir resistir, por sorte as chamas pararam de me queimar. E falando nisso, o que aconteceu lá?
Como sempre ele falava muito, e isso me deixava um pouco atordoada, era difícil acompanhar tantas palavras ainda mais quando elas pareciam ser pedras de gelo que acertavam meu rosto em cheio. Porém se eu não o respondesse seria pior, ele iria vir com mais perguntas ainda. Mordi meu lábio inferior tentando pensar no que poderia dizer se nem mesmo eu sabia.
―Eu não sei... Pensei que você tinha morrido, fiquei desesperada. ―Abaixei a cabeça para desviar do olhar que ele me lançava, não tinha como retribuir um olhar intimidante como aquele, parecia até que ele podia ler minha mente. ―Quando percebi as chamas estavam perseguindo aqueles dois e então eles ficaram presos.
Arrisquei olhar para o rosto de Ian, para que pudesse tentar entender o que ele pensava, mas seu rosto, como sempre, estava sem expressão alguma nem mesmo seus olhos vacilaram por um segundo que fosse. Parecia que quanto mais eu tentasse descobrir sobre ele, mais indecifrável ele ficava. Chegava a ser irônico.
―Isso é, no mínimo, estranho... Mas pode ter ligação com o seu sangue, ou você é realmente filha dos Lordes ou que apenas foi confundida com uma criança de Sacra que foi mandada na mesma época para o mundo humano. Vamos precisar testa-la para saber a verdade. ―Ian olhou para os lados e logo depois suspirou. E não vou mentir, essa história de “testar” não me agradava nem um pouco, além de me causar arrepios. ―Elae, você pretende ficar por quanto mais tempo no meu colo?
Estava tão concentrada em tentar entender o garoto que me esqueci completamente que ainda estava nos braços gelados dele. Assim que ouvi aquelas palavras fiquei envergonhada, ele poderia pensar que estava má intencionada, ou que estava me aproveitando da gentileza dele. Porém eu não tive nem tempo de me explicar, Ian percebeu que eu já estava completamente bem e me derrubou no chão, colocando os braços dele para baixo e me fazendo rolar para o lado, o que me fez gritar assustada com a queda em conjunto com uma grande dor em toda a parte traseira do meu corpo.
―Ai! Não precisava fazer isso! ―Apoiei meu braço esquerdo no chão para que pudesse fazer força para levantar, já que minhas pernas estavam fracas com o tombo, ignorando por completo o formigamento em toda região de trás do meu corpo.
Como sempre Ian apenas me ignorou, seus olhos estavam atentos na floresta, como se procurasse por algo, ou alguém, escondido. E parece que seus olhos eram bons no esconde-esconde, assim que me levantei resolvi fazer ele de apoio até a fraqueza nas pernas desaparecer por completo, nesse instante Ian riu baixo e começou a falar, aparentemente, sozinho.
―Não entenda errado, estou apenas cumprindo com minha missão, diferente de você que está perdendo seu tempo me bisbilhotando. ―Ian balançou a cabeça, desaprovando alguma coisa. ―Sim, Sasha, você está perdendo o seu tempo aqui. Por favor, a sua missão é supervisionar a sua espécie e relatar ao teu líder, ainda mais com todas as coisas recentes... ―A forma que terminou a frase dava a entender que tinha sido interrompido e depois de um bom tempo em silencio, demostrou uma reação de surpresa, e claro que eu também fiquei surpresa por ver alguma expressão em seu rosto. ―Como?! Preciso de um relatório sobre isso, estou retornando para o centro de comando E3, o mais perto daqui, quando possível vá também... Se não percebeu estou na forma humana, não consigo te enxergar tão bem, preciso voltar a minha forma original.
Era a primeira vez que via Ian demonstrar alguma reação e falar tanto, mesmo que fosse sozinho. Mas pelas últimas palavras ditas imagino que seja alguma criatura que não posso enxergar, já que sou humana e de um mundo diferente.
Cruzei os braços enquanto olhava para os lados, prestando atenção pela primeira vez naquela floresta. Ela era parecida com as florestas da Terra, mas tinha um brilho diferente, sim, um brilho. Talvez fosse coisa da minha cabeça, mas era como se vários pontos pequenos luz estivessem se movendo, alguns eram rápidos outros extremamente lentos, e alguns nem se moviam, mas de toda forma eu precisava me esforçar para conseguir vê-los. As folhas das arvores variavam muito nas cores desde o clássico verde até um delicado lilás, era tão bonito de se olhar que eu poderia ficar observando o dia inteiro sem nem me importar.
Quando voltei a olhar para o garoto alto do meu lado notei que uma bola de luz estava na frente da cabeça dele, imóvel e ele observava essa luz.
Ian se lembrou de que eu estava ali, ou talvez aquela luz tenha perguntado, já que aparentemente ele estava conversando com aquilo. Mas ele deu de ombros, e com completo desdém disse.
―Ah ela é a Elae, minha missão no mundo humano tinha ligação com ela... Não acho que ela consiga te ver. Hm, me desculpe Sasha, não posso te dar mais informações sobre isso. ― Eu não podia evitar me sentir incomodada com o descaso de Ian quando falava sobre mim.
Preferi ignorar a conversa que ele estava tendo com aquela luz estranha e comecei a caminhar por aquele lugar tão bonito. Eu não tinha pedido para ir naquele lugar, mas já que não tinha alternativas iria ao menos aproveitar o que podia. Andava com muito cuidado para não tropeçar em algum tronco, raiz ou galho no chão, eu conseguia ser desajeitada nos piores momentos possíveis. Estava tão encantada com o lugar que nem mesmo percebi para onde estava indo, até enfiar o pé na água. E como eu dizia, sou desastrada e mesmo tendo cuidado com o chão não percebi onde pisava totalmente.
―Ah droga! ―Resmunguei. Era o que ganhava por ficar olhando para o alto, observando o reflexo do sol através das folhas.
Saltitei para trás mantendo uma distancia seca do riacho que tinha ali e não sei como não tinha notado ele antes e assim como o resto das coisas por ali, era muito bonito. A luz do sol refletia na água em movimento deixando mais bonito ainda. Quando pulei para trás acabei trombando em algo, ou melhor, em alguém e iria cair para frente pela falta de equilíbrio, mas fui impedida.
―Você não consegue fazer nada direito? ―Pela voz pude reconhecer que era o Ian, novamente. Ele usou sua mão fria para segurar meu braço. Eu já estava incomodada com a forma na qual ele falou comigo, como se eu só fizesse besteira e isso me fez explodir.
―Me desculpe, mas fui arrastada hoje para muitos lugares, sem receber uma explicação plausível, quase fui queimada viva por duas criaturas estranhas, passei por algum tipo de portal estranho, não estou entendo mais nada e você ainda fica conversando com uma bola de luz. E por que tua mão é tão fria? ―Meu tom de voz aumentou, estava estressada com tantas coisas acontecendo e aquela poderia ser a única oportunidade de entender algo.
Sei que Ian já tinha me contado um pouco da história, mas continuava sendo confuso, tinha muita coisa que ele não tinha explicado, estava mais do que obvio. Minha cabeça estava tão confusa com tanta coisa, não sabia por onde começar a perguntar e nem como ia fazer para entender tudo aquilo.
E pela segunda vez em pouco tempo pude observar uma nova expressão em Ian, talvez seja pela minha cara de poucos amigos, mas seus olhos ficaram maiores, e sua boca abriu, ele estava surpreso comigo. Talvez Ian nunca tivesse pensado que eu iria reagir daquela forma, logo ele soltou meu braço e recuou três passos. Pude notar que as bolas de luz que se moviam tinham parado, e eu podia jurar que estavam me observando.
―Primeiro. Aqui não é o melhor lugar para te explicar tudo. Vamos comigo até a central, prometo responder todas as suas perguntas lá. E quanto a minha mão, talvez seja por conta disso... ―Ian esticou seus dois braços, ambos estavam cobertos por uma camada de gelo, e por baixo desse gelo era possível ver várias marcas de queimadura, algumas bem mais grave que a outra.
Abri minha boca várias vezes para dizer algo, mas não sabia o que falar. Minha mão se moveu por conta própria como se fosse tocar o braço dele, mas Ian os puxou para trás.
―Ian... Isso... Foi quando me salvou? ―Foi o único momento que tivemos contato com fogo, quando ele entrou na minha frente.
―Não imaginei que aquele feitiço fosse tão forte, não fui rápido o suficiente e se aquelas chamas não tivessem parado eu não teria aguentado.
Naquele momento todo o estresse que estava sentindo foi embora, e mesmo minha expressão brava tinha desaparecido. Ian tinha se machucado para me salvar, acho que isso prova que ele está ao menos querendo me manter viva, seja por um bom motivo ou não e, no momento, isso era o que me importava.
Levantei as duas mãos indicando rendição e abaixei a cabeça, Ian voltou a ficar sério como sempre e virou de costas para mim.
―Vamos indo. E eu não estava falando com uma bola de luz, aquilo era uma fada.
―Uma fada? E por que elas se parecem com bolas de luz? ―Ian tinha me dito antes que em Sacra existiam criaturas que vi em livros de fantasia, mas não imaginava encontrar uma tão cedo.
―Ah sim, você não pode enxergar a verdadeira natureza de nada aqui neste mundo.
―Por quê? ― Acelerei meus passos para ficar ao lado dele, podendo assim observar seu rosto sério.
―Por que você é humana, ao menos o seu corpo. ― Ele arqueou a sobrancelha ao dizer.
― E isso me impede de ver as fadas?
― Não só as fadas. ―Ian suspirou e lançou um rápido olhar em minha direção. ― Você não é capaz de usar o seu dom de nascença e por esse motivo não consegue ver a verdadeira forma das criaturas aqui em Sacra. Nem mesmo eu consigo enxergar tão bem por conta desse corpo que selou meu dom temporariamente.
― Acho que vou precisar de uma explicação melhor. ―Apenas o observei e entendi que o silencio dele significava um “conversamos depois”.
Queria perguntar o que era esse dom de nascença, mas ele provavelmente não iria me responder, então apenas o segui por entre aquelas várias arvores. O caminho parecia ser enorme, sem fim. Não conseguia dizer se estávamos indo para o norte, ou para sul. Até mesmo o cenário era sempre o mesmo, repleto de esferas de luzes coloridas que Ian chamou de “fadas”.
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