Meus olhos ficaram fixos na adaga e no fogo que estava cada vez maior, pude perceber Ian me olhando, deveria estar preocupado ou só me achava louca o suficiente para ficar encarando aquilo. Senti também o parceiro da criatura se aproximar cada vez mais, estava ficando desesperada com a nossa situação.
A sensação de medo começou a crescer, queria sair correndo dali o mais rápido possível. Meu estomago parecia estar se revirando e isso o fazia doer. E quando pensei que as coisas não poderiam ser mais tensas o outro que vinha por trás sacou sua adaga a deixando igual à outra. A rua estava iluminada pelo fogo deixando tudo em nossa volta com um tom alaranjado, talvez, se não estivéssemos a ponto de ser torrados poderia achar tudo muito bonito. De forma inconsciente dei um passo ao lado ficando mais próxima do Ian e me encolhendo da forma que pude.
Ian ainda me observava curioso, ele parecia esperar que eu fizesse algo. Sei que para ele sou alguém de uma família diferente e de um mundo diferente o que era um tanto assustador, mas para mim... Sou apenas Elae. E essa Elae estava morrendo de medo de ser queimada viva sem poder fazer nada para impedir.
O que me assustava não era o fato de ser queimada, mas sim que eu acabei sendo inútil. Não consegui fazer nada para ajudar meus pais, e nem mesmo Ian que estava fazendo o possível para me manter viva.
A dor em meu estomago ficou mais intensa, deixei minha mão sobre a barriga apertando os dedos naquele local como se aquilo fosse amenizar um pouco aquela sensação incomoda. Olhei para baixo e respirei fundo, antes de voltar a encarar aquela criatura. Ian suspirou ao meu lado e então segurou meu braço, sussurrando. Apenas olhei para o lado, sem virar a cabeça, ele também fazia o mesmo.
―Precisamos correr... O portal vai se abrir logo. ―Sua voz estava tão baixa que tive dificuldades para que pudesse compreender. ―Vou criar uma distração e então você corre, para dentro daquela casa amarela.
Por sorte só tinha uma casa amarela naquela região, preferi não responder com palavras e simplesmente assenti. Não faço ideia de que portal é esse e nem que tipo de distração ele pretende fazer, mas se isto for nos dar alguma chance eu topo.
Mas infelizmente as coisas nunca saem como o planejado. A mulher em nossa frente gritou e, assim como antes, a voz dela ecoou dentro da minha cabeça o que resultou em uma dor horrível, mas eu não era a única afetada, o garoto do meu lado também estava sentindo a mesma coisa, sua mão na cabeça o entregava mesmo que estive com uma expressão séria no rosto para fingir estar bem. E como se não fosse o suficiente depois de gritar e nos deixar atordoados, ela lançou a adaga, presa na corrente, em nossa direção.
Não tínhamos tempo de reação. E por mais incrível que pareça, o medo que estava sentindo alguns segundos atrás se transformou em raiva. Mordi meu lábio inferior com tanta força que acabei cortando ele com meus dentes, pelo menos eu deveria fazer alguma cosia de útil, iria, no mínimo, salvar a vida de Ian.
Porém, Ian foi mais rápido, seu corpo se moveu com tanta agilidade que mesmo nessa a situação fiquei admirada. Era como se tudo estivesse se movendo mais lentamente, talvez fosse a adrenalina em nossos corpos dando este feito em nossa mente. Ele se colocou em minha frente ao mesmo tempo em que me empurrou com força para o lado, tentei me segurar nele e o puxar junto, mas apenas consegui ver seu rosto, a expressão nele era de satisfação e missão cumprida. Nesse mesmo instante apenas o ouvir dizer "Corre".
Eu consegui me manter em pé mesmo com a força usada por ele, me recusei a correr. Meus olhos não queriam também se desviar dessa cena, aquelas chamas cobriram o corpo de Ian por completo e nem mesmo conseguia enxergar sua sombra ou um sinal de que restava algo dele ali. A única pessoa que poderia me ajudar agora estava sendo queimada viva em minha frente e isso me desesperou, ao mesmo tempo que me deixou raivosa.
―Ian... não, não, não! ―Levei minhas duas mãos até a cabeça, meu estomago tinha finalmente parado de doer, mas minha cabeça estava girando. Um imenso ódio por aquela criatura cresceu em mim. Tinha até mesmo me esquecido do homem, mas tinha certeza que ele correu para o lado da outra assim que a adaga foi lançada.
Não sei explicar o que aconteceu, o ódio me deixou diferente. Senti meu corpo ficar pesado e cai de joelhos, minha visão estava turva, parecia que eu iria desmaiar. Olhei para os dois monstros parados um do lado do outro - o que comprovava que realmente tinham se juntado -, parecia estar preparando outro ataque, já que o homem rodava a corrente em chamas enquanto me olhava. Minha garganta estava seca, e eu estava quase sem forças, e fraquejando eu estiquei a mão na direção dos dois, movendo meus lábios para tentar dizer algo. O que era bem difícil na situação que eu estava, minha voz estava bem baixa e rouca.
―Para... Por favor... ―Voltei a morder o lábio antes de usar a força que tinha para gritar. ― Eu disse para PARAR! ―Senti minha garganta arranhando ao mesmo tempo em que perdi todas as forças, mal conseguia manter meu corpo erguido.
Nesse instante as chamas da corrente se apagaram, os dois pareciam não entender o que tinha acontecido e deram um passo para frente, pareciam receosos já que olhavam em volta a cada segundo.
―Não adianta fazer truques, Elae. ―A voz do homem ecoou em minha mente. Eles sabiam meu nome.
―N-não se aproximem! SAIAM DAQUI! ―Era estranho, já que minha visão estava escura demais, não pude entender o que aconteceu. Sabia que era algo impossível para mim naquele momento, mas queria ao menos que aqueles dois ficassem imoveis para que eu fugisse. As chamas que tinham atacado Ian ainda estavam acesas, e eu jurava que agora eu podia ver a silhueta do corpo dele.
Aquelas chamas se agitaram e foram em direção aos dois, que estavam a apenas sete passos de distancia. Eles foram pegos de surpresa e logo se afastaram, mas o fogo não desistiu e foi atrás, os cercando em uma espécie de gaiola flamejante. Pelo menos eles não poderiam passar tão fácil. Mas eu já estava sem forças de me levantar, Ian tinha dito para que eu corresse para a casa amarela, e ela estava bem atrás de mim, meus olhos ficaram pesados e toda aquela raiva estava diminuindo. Meu corpo pesado caiu para frente e como não tinha forças para colocar a mão para me proteger iria me machucar, mas diferente do que esperava dei de cara com algo gelado, mas não era o chão, era um corpo.
Braços gelados contornaram meu corpo e me apertaram, a sensação fria fez com que eu despertasse, mesmo que pouco. Levantei meu rosto com dificuldade, mas como estava escuro não conseguia ver muita coisa além de uma silhueta escura, pensei estar tendo alguma alucinação.
―Nada de desmaiar, estamos quase lá. ―A voz dele soou baixa, acabei rindo sozinha. Eu deveria estar ficando louca.
Fechei meus olhos, precisava descansar. O abraço gelado foi desfeito para que pudesse me levantar no colo, uma mão em minhas pernas e outra no tronco. Meu antigo namorado sempre quis me carregar no colo dessa forma, mas nunca fui fã, porém nesta situação não tinha muitas escolhas e apenas me deixei ser levada por aquela pessoa gelada.
Não consegui dormir por conta do frio que estava sentindo, era humanamente possível ter um corpo tão gelado daquela forma, ao menos não uma pessoa viva.
Minha cabeça permaneceu imóvel e meus olhos ficaram abertos observando o caminho feito, já que aos poucos minha visão estava retornando ao normal, estávamos indo na direção da casa amarela. Era uma casa bem simples e pequena, com apenas um andar e um muro alto e velho, a tinta amarela estava desbotada, os portões eram fechados o que não me permitia olhar dentro dela. Seguíamos em passos rápidos, quase em uma corrida, já que aqueles dois ainda estavam ali gritando coisas em minha cabeça que não conseguia compreender. Pensei que iriamos entrar na casa, mas ao invés disto fomos pelo lado seguindo até o muro velho até chegar ao lado da residência onde existia um terro cercado por um pequeno muro, neste terreno tinha muito mato alto por ser abandonado e provavelmente pelo cheiro dali era um local muito usado por cachorros da vizinhança e mesmo por adolescentes querendo fingir que são adultos já que pude ouvir algumas garrafas de vidro sendo chutadas.
Chegando ao final do terreno um grande clarão, semelhante aos que vi quando meus pais foram atacados, iluminou o local me deixando sem visão por alguns segundos. Quando finalmente podia enxergar de novo tinha algo de diferente, o muro amarelo da pequena casa estava distorcido, a cor estava mais viva e brilhante. Parecia o reflexo do muro em um lago, com a água se movendo bem lentamente.
―Elae, feche os olhos. ―Do jeito que me encontrava preferi não protestar. Fechei os olhos.
Senti algo gelado em todo meu corpo, parecia que tinha entrado em uma piscina, a única diferença é que não molhava, mesmo sentindo como se estivesse dentro da água. Acho que fiquei com essa sensação por dois minutos inteiros, durante esses minutos o meu cansaço desapareceu por completo estava me sentindo bem mais animada que antes, até mesmo o resto da dor no corpo foi embora. Era uma sensação incrível. A única coisa que permanecia era o gosto de sangue de quando cortei minha boca com o dente. O sentimento de estar dentro de uma piscina parou, e me foi pedido para abrir os olhos.
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