Mais tarde, no final daquela aula enquanto os outros saíam para o intervalo, fui chamado pela professora. Andreia, todos a chamavam pelo sobrenome, Dutra. Na faixa dos setenta anos era uma das professoras mais velhas da escola e por isso sempre vestia vestidos modestos que passavam de seus joelhos. De repente, ajeitando seus óculos vermelhos disse -Olha preciso conversar contigo. Arregalei meus olhos, concordando com a cabeça. Estava apreensivo de ser uma bronca ou outra advertência pelo comportamento que tive hoje. -Pode-me fazer um favor? - Favor? Pensei. Meu semblante relaxou. -Claro! Respondi, ela sempre me pedia ajuda. Já estava acostumado, levar papéis para biblioteca, recarregar canetas de quadro, pegar os materiais dela na sala dos professores. Por isso estava bem tranquilo acerca do pedido. -Pode ajudar o Mattew com as anotações? Percebi que ele parece ter dificuldade com a escrita.-Calma, o que? -Como você sabe ele passou muito tempo com os pais na Inglaterra então é normal que isso aconteça. (Eu não sabia disso.) Você não tem muitos amigos na classe e é o melhor em inglês, acho que vocês dois vão ser uma boa influência um para o outro.(Como assim um pro outro? Não sou eu que vou ajudar ele?) -Estou contando com você! Falou ela enquanto fazia um joinha com a mão e esboçava um sorriso falso na intenção de ser cordial. Em resposta, só retribuí o joinha, não consegui sorrir. Estava irritado pois não tinha como recusar, já tinha aceitado. E também ela provavelmente insistiria, suspirei. A professora de português se levantou e saiu. Fiquei esperando por um tempo, até ela voltar trazendo meu novo pupilo consigo. -Então é esse aluno que irá te ajudar, o nome dele é Érico. Os olhos dele se arregalaram numa espécie de empolgação, parecia uma criança curiosa.
-Ele é o melhor aluno de inglês, então fique tranquilo se esquecer palavras ou não entender alguma coisa. Essa parte deixou ele mais empolgado ainda. Ele se aproxima e me cumprimenta. O aperto de mão dele é firme e um pouco rápido, parecia estar de fato animado. -Obrigado! Diz ele. -Prometo aprender direitinho. -Bom, vou deixar vocês sozinhos conversando, Mattew explica suas dúvidas pro Érico. Boa sorte guris. Interrompe ela saindo da sala. -Ah…Erico porque está usando o casaco assim? São as últimas palavras que ouço antes de ouvir a porta fechar. Envergonhado, olho para o jeito estranho em que coloquei o casaco, tiro rapidamente e boto sobre a mesa. Noto Mattew rindo silenciosamente. -Tá rindo porque? Digo tentando não demonstrar. -Nada não. Responde com um sorriso de canto sutil, um tanto malicioso. Isso foi o suficiente para me desconcertar. Olho para sua boca e sinto uma leve irritação, ele tem o tipo de lábios carnudos e vermelhos que as garotas lutariam entre si só para poder tocá-los. Sem pensar, estendo minha mão mas hesito. -Tá esquece. Te vejo mais tarde, tenho mais o que fazer. Saio às pressas parecendo um tomate, minhas bochechas queimavam. Antes que perceba estou correndo em direção ao pátio. Que droga! Como ele pode ser tão perfeito, devo estar vermelho de raiva. -Penso. De repente esbarro em alguém, levanto a cabeça e vejo um rosto familiar. É Ricardo, olho para ele que transborda de raiva. Abruptamente sou empurrado e bato com as costas na parede, eu acho, estou tão assustado que não assimilo o que está acontecendo. Depois disso sou agarrado pela camisa, olho com tristeza para ele pedindo desculpas quase sussurrando. Sei o que está por vir mas decidi não revidar, não é como se pudesse também. As pessoas olham mas ninguém tem coragem de me ajudar, acho que todas estão preocupadas demais com seus problemas para intervirem numa briga de irmãos. Continuo sendo arrastado, tentando escapar enquanto meus cotovelos e costas são rasgados pelas pedras do chão. Ricardo me solta num canto da quadra. Na sequência,dois caras do terceiro ano me agarram por trás, não faço ideia de quem são. Atordoado vejo Bianca assistindo tudo de longe assustada, está prestes a chorar. Outra garota de olhos azuis do terceiro tira um celular do bolso e começa a filmar, provavelmente é a namorada de algum deles. Assim que a menina começa a gravar, Ricardo dá um chute nas minhas pernas me fazendo cair de joelhos. -Seu merdinha, já não bastou quase acabar com a minha vida aquele dia hein?! Ele cospe -Tu acha que não descobri teu segredo né?! Vou contar pra todo mundo que tu não passa de um viadinho. (Como ele descobriu?) -Achei as baboseiras que tu escreve, só de ler me dá nojo! Tenho nojo de gente que nem tu. Diz ele puxando meu caderno de desenhos enquanto o enfia na minha cara mostrando as páginas. Não sei nem como reagir, só sinto um enjoo no estômago e vontade de correr. Não posso fazer nada, tento escapar mas meus braços são apertados com mais força pelos guris que me seguram. Os dois riem, eles sentem prazer em atormentar os outros, especialmente as pessoas como eu. -Agora que eu tenho meu troco desgraçado! Ele atira o caderno no chão, vai até seu bolso pegando um cigarro e o acende. Agora soprando a fumaça no meu rosto, acende o isqueiro novamente e ameaça me queimar com ele. Fecho os olhos com medo e então começo a ouvir barulho de algo pegando fogo. Abro meus olhos e me deparo com meu caderno em chamas. Começo a chorar desesperado, lá estão todas as minhas ideias, histórias, são tudo que eu tenho. E agora nesse instante, tudo que eu tenho está sendo tirado de mim. Meus segredos, sonhos e desejos estão sendo esmagados bem na minha frente. -Quem mandou me dedurar daquela vez hein?! Tu fez da minha vida um inferno! Agora tu vai pro inferno comigo! Diz Ricardo completamente fora de si, ele estende a mão para golpear meu rosto. Não consigo enxergar nada, meus olhos estão cegados pelas lágrimas. É nesse momento que ouço um gemido de dor, não é meu. Vejo um menino alto dando um socão no meu irmão, ouço uma breve discussão que é encerrada por um chute. Meu irmão é atingido com muita força e cai inconsciente no chão. Seus amigos me largam e vão correndo até ele. Antes que possa me preocupar, alguém puxa meu braço, é Mattew que gesticula algo que não entendo. -O que t. Sou interrompido -VAMO! Ele me carrega correndo nas costas, esgueirando por uma pequena fresta no portão da escola.
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