O treino de Educação Física consistia em aprender a roubar a bola do adversário no handebol. Yukino, com 8 anos de idade, estava frente a frente com a menina que a havia acusado de puxar seus cabelos.
O apito ressoou, e o professor jogou a bola ao alto para que uma das duas pegasse primeiro. A menina saltou bem alto; Yukino deu um salto curto, sem vontade.
A menina correu em disparada em direção ao gol. Yukino fez uma pequena pausa e esperou que ela se afastasse. Ninguém entendeu nada; alguns até reclamaram do fato de ela estar parada.
De repente, ela começou a correr, aumentando a velocidade e esticando a mão. Tudo o que Yukino queria era encontrar a distância e o momento certo…
Foi então que ela alcançou o rabo de cavalo da menina. Agarrou os cabelos dela e puxou com força. A velocidade fez com que ela caísse no chão e perdesse a bola.
Os colegas e os professores, que estavam assistindo, ficaram sem entender e se perguntavam o que estaria acontecendo.
— PRONTO, AGORA SIM TU TÁ CERTA. AGORA EU PUXEI MESMO! — gritou Yukino.
Os professores correram até Yukino para perguntar o que tinha acontecido. Ela explicou o incidente para eles, com todos os detalhes. Eles escutaram com atenção, olharam para a turma e perguntaram quem havia mentido.
O silêncio tomou a quadra. Nenhum aluno se pronunciou, mas parecia que os professores já imaginavam que seria assim. Yukino não foi mandada para a secretaria e a aula continuou normalmente. Esse fato assustou quem fazia bullying com ela, pois pensaram que ela era “protegida” pelos professores.
Mas algumas coisas mudaram depois daquele dia. Os desenhos de Yukino não foram mais rasgados pelos outros, e os materiais de desenho também não apareceram mais quebrados.
Uns dias depois, a menina que havia acusado Yukino de puxar os seus cabelos chegou e pediu desculpas. Ela tinha descoberto quem tinha puxado de verdade e mentido, e não achou justo o que tinha feito.
Yukino também pediu desculpas pelo que tinha feito, pois achou que também havia sido estúpida. A verdade é que as duas haviam sido enganadas pela mesma pessoa.
O ano passou e, apesar de se incomodar menos, Yukino continuou sendo uma criança solitária. Até o ano seguinte, na terceira série…
Ano seguinte, início das aulas, terceira série
Era o começo de mais um ano letivo e, como todo ano, sempre havia algum aluno novo. Neste ano, era uma menina alta para sua idade; ela entrou quieta na sala e a professora a apresentou para a turma:
— Ei, turma, essa é a aluna nova, Aino!
Os alunos cumprimentaram a aluna nova. A professora se aproximou dela e, percebendo onde havia um lugar vago, indicou:
— Você pode sentar ali, do lado da Yukino!
A professora apontou para a carteira vazia ao lado de Yukino, que, naquele momento, estava concentrada, fazendo seus desenhos antes que a aula começasse.
Aino se dirigiu até a carteira, mas, antes de se sentar, seus olhos ficaram fixos nos desenhos que saíam das mãos da desenhista da turma.
— Hum? — murmurou Yukino, percebendo que estava sendo observada.
— Bonito o teu desenho! — disse Aino a Yukino, impressionada.
A princípio, Yukino ficou na dúvida se ela tinha gostado mesmo ou se era algo só do primeiro dia de aula. Ela estava acostumada com a admiração inicial e o esquecimento posterior.
Com o passar do tempo, ela percebeu que Aino realmente tinha gostado. As duas logo se tornaram amigas. Yukino estava maravilhada, pois era a primeira vez que alguém realmente prestava atenção no que ela fazia.
Elas trocavam ideias; Aino fazia comentários sinceros e sugeria o que achava que ficaria legal de desenhar e criar.
Logo, as duas descobriram que eram parentes distantes. Passavam muito tempo juntas, principalmente nos intervalos. Acabaram fazendo amizades com as outras meninas também. Mas, quando Yukino descobriu uma das habilidades de Aino, ela demonstrou ter preferências bastante peculiares:
— Não, Yukino, não quero que ninguém saiba que eu escrevo poemas. Todo mundo que sai da média ou do normal sofre. Tu desenha, eu acho legal, mas todo mundo te xinga de esquisita por isso. Já não me basta me dizerem o tempo todo que pareço uma doente porque sou muito clara? A minha voz também é mais fina que o normal, o povo já pega no meu pé. E eu não tenho nada o que fazer disso, nasci assim. Só não quero mais sarna pra me coçar.
Apesar de todas as desculpas, Yukino insistiu para que ela participasse da seleção de poesias do colégio. Ela, então, criou coragem, escreveu e enviou o poema. Aino conseguiu ser selecionada.
Yukino participou do concurso de ilustrações para a capa do livro de poesias. Demorou mais que o normal para sair o resultado, até que o dia chegou, e a professora chegou na sala de aula com o livro modelo para apresentar à turma.
— Crianças! Olha que legal, o vencedor da capa é da nossa turma! — disse a professora.
A turma se animou. Estavam curiosos para saber quem havia sido o escolhido.
— Yukino, todos concordaram que o seu era o mais bonito. Mas, como você é a única pessoa que sabe desenhar na escola, não seria justo te dar o prêmio. Espero que não se chateie.
Yukino ficou atônita com a notícia. Não conseguia acreditar no que tinha escutado. Ela até tentou, mas era impossível encontrar uma lógica naquilo, simplesmente não existia. Ela nunca mais participou de um concurso naquela escola.
Aino tentou animar a amiga, mas ela fingiu que estava tudo bem. Normalmente, Yukino já não era capaz de expressar muito o que sentia e conseguia disfarçar. Seu rosto dizia uma coisa, que era diferente do seu coração. E, por dentro, seu sangue fervia em raiva.
No ano seguinte, Aino saiu da escola, e a experiência de Yukino na quarta série voltou a ser um inferno. Os pais das duas acabaram se encontrando por acaso e conversaram. Descobriram que Aino sofria muito bullying na escola. Yukino, apesar de ser amiga dela, não fazia ideia de que isso acontecia.
As agressões que Yukino sofria na escola eram escrachadas, enquanto as que Aino sofria eram silenciosas, e por isso, eram difíceis de serem percebidas.
Como a mãe de Aino afirmou que ela estava se dando muito melhor nesse novo colégio, quando Yukino foi para a quinta série, trocaram ela também.
Por destino ou acaso, as duas ficaram na mesma sala de aula. E realmente, em comparação ao colégio anterior, o novo era bem melhor.
As brigas existiam e eram constantes, o bullying também. Mas ninguém nunca estava sozinho, sempre aparecia alguém para comprar a briga junto.
Os professores também não se faziam de cegos. Se eles viam algum problema, tomavam providências e resolviam. Por conta disso os problemas não se arrastavam durante meses ou até anos como acontecia na outra escola.
Yukino aprendeu a fazer amizade com os professores, o que ajudou muito. Também desenvolveu melhor suas habilidades de comunicação. Continuou sendo conhecida como a ‘esquisita e medonha que gosta de desenhar’. Mas aprendeu a deixar isso de lado e, quando passava dos limites, resolvia na briga.
Aos 12 anos de idade, começou a praticar artes marciais. As pessoas achavam que seria por causa da defesa pessoal, mas o motivo era a busca por disciplina e autocontrole.
Os problemas de ‘não foi você quem desenhou’ e ‘não é justo porque só você sabe desenhar’ continuaram acontecendo. Ela decidiu apenas conviver com eles e utilizar o autocontrole que estava aprendendo.
De volta aos dias atuais…
A mente de Yukino havia ido longe, lembrando de vários momentos no passado onde havia enfrentado diversas desavenças.
“Esse flashback ficou enorme… isso que faltou um monte de coisa… Faltou a vez em que uma ‘amiga’ pediu pro namorado me bater… Bom, é fato que essas coisas ficam despertando essas memórias em mim…”, pensou Yukino, incomodada por sua falta de controle próprio com suas memórias.
Colégio, 3 de abril, Dia 6 da Gincana, Sábado
Só mesmo uma gincana para deixar os alunos animados para irem à escola num sábado de manhã. O sol brilhava fortemente naquele céu azul.
A quadra coberta seria o último encontro da batalha entre as Equipes Bombeiros, Geleiras e Oceânicos. Nessa época do ano, o lugar ficava lotado como em nenhum outro dia, e dava de sentir na pele a euforia dos participantes.
As equipes entoavam seus gritos de guerra. O estádio estava pronto para a batalha. A professora de dança, Rubi, seria a MC desta prova e estava no clima da competição.
— E AGORA, VAMOS PARA A ÚLTIMA PROVA! É HORA DE TESTAR O INTELECTO DE NOSSOS ALUNOS! VAMOS PARA AS ‘PERGUNTAS E RESPOSTAS’! — disse Rubi, ao subir no palco e pegar o microfone.
A professora então estendeu a mão para apresentar os adversários.
— OS PARTICIPANTES ESTÃO POSICIONADOS! QUEM SERÁ QUE VAI VENCER!?
Ela então começou a se referir à aluna Miyu:
— A INTELIGENTE MULHER BOTÂNICA!? QUE CHEGOU ESSE ANO NA ESCOLA E JÁ DESBANCOU OS CDF 's?
— Mulher o que!? — murmurou Miyu.
— OU A MULHER MAIS ALTA DA ESCOLA, CUJO INTELECTO TEM A MESMA ALTURA? — disse a professora se referindo a Naoko.
Naoko não teceu comentários, mas fez uma expressão de desconforto.
— OU SERÁ QUE VAI SER O NOSSO DEUS GREGO, QUE SE MOSTROU NÃO SER SÓ BOA PINTA!? — comentou a professora sobre Adonis.
— Mas que droga é boa pinta!? — perguntou Adonis, achando aquilo estranho.
— AGORA VAMOS PARA A PRIMEIRA PERGUNTA! E, PARA AQUECER, ESSA É FÁCIL! ‘QUINGENTÉSIMO’ CORRESPONDE A QUE NUMERAL? — perguntou a professora Rubi, marcando o início oficial.
Naoko rapidamente bateu no seu sino e responde:
— 500!
“Ela é rápida!”, pensaram Adonis e Miyu ao mesmo tempo, vendo que não tiveram nem chance de chegar perto de bater no sino.
— QUAL O METAL MAIS CARO DO MUNDO? — perguntou a professora Rubi, lançando a segunda.
— OURO! — respondeu Adonis rapidamente.
— ERRADO! — disse a professora.
— RÓDIO! — disse Miyu, aproveitando a chance.
— CORRETO! — disse a professora, marcando um ponto para os Bombeiros.
— QUANDO COMEÇOU E TERMINOU A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL? — perguntou a professora, lançando mais uma.
— DE 1915 ATÉ 1918. — respondeu Miyu.
— INCORRETA! — disse a professora.
— DE 1915 ATÉ 1919. — respondeu Adonis.
— INCORRETA! OCEÂNICOS, SABEM? — disse a professora, aproveitando para saber se a última equipe saberia responder.
— DE 1914 ATÉ 1918. — respondeu Naoko.
— CERTA RESPOSTA! — disse a professora, marcando um ponto para os Oceânicos.
— QUANDO FOI FUNDADA A BIBLIOTECA NACIONAL DO BRASIL? E POR QUE NESSE DIA? — perguntou a professora.
— 29 de outubro de 1810, foi quando chegou o primeiro acervo de livros, transferidos da Real Biblioteca Portuguesa. — respondeu Adonis, se adiantando.
— MUITO BEM! ESSA FOI DUAS EM UMA! — disse a professora Rubi, marcando dois pontos para as Geleiras.
A competição continuou acirrada; os competidores acertavam e erravam perguntas. A torcida estava tensa, era praticamente impossível saber de quem estava na frente naquela prova. Havia todo tipo de pergunta, relacionadas às matérias da escola e a conhecimentos gerais.
Após quase uma hora, a prova de ‘Perguntas e Respostas’ finalmente chegou ao fim. A professora toca o apito e anuncia:
— E É ISSO, MOÇADA! CHEGAMOS AO FIM DA ÚLTIMA PROVA E JÁ VAMOS ANUNCIAR OS RESULTADOS!
Agora era o momento de esperar. Miyu, Naoko e Adonis estavam tensos, esperando os resultados. Quem levaria o título de mais inteligente do colégio?
Comments (0)
See all