Em casa fui correndo direto para meu quarto, era realmente sortudo em ter meu próprio quarto, não tinha mais que dividir com ninguém. Diferente de meus irmãos que dormiam no mesmo quarto e sempre discutiam por isso, era melhor assim…estar longe deles. Aquele dia- Antes de se perder eu meus próprios pensamentos, lembrei do motivo de ter corrido para meu quarto em primeiro lugar, o caderno. Vasculhei por todos os cantos, dentre os lençois, no meio das folhas espalhadas no chão, na pilha de roupas e até no guarda roupa cheio de moletons azuis e calças jeans pretas. Não o encontrei em lugar nenhum, revirei meus aposentos por completo e não estava lá. Decepcionado e um pouco apreensivo desci as escadas e fui até a sala de estar esperando o achar ou pelo menos ver se alguém tinha o visto. Minha mãe parecia ocupada na cozinha fazendo torradas para nós, a minha feita especialmente com queijo extra e ovo. Ricardo estava no pátio, se pegando com a namorada. Me vi com inveja, nunca namorei ninguém. Olhei para o sofá onde Bernardo jogava Dark Souls no seu ps4, me surpreendi pelo fato de não ser um jogo de corrida, afinal ele amava carros. Entediado sentei ao lado dele, minha mãe me alcançou minha torrada, comi muito rápido. Estava faminto e a comida especialmente gostosa. Antonella olhava orgulhosa para mim, parecia feliz porque tinha apreciado. Sempre apreciei as coisas que ela fazia por mim. Depois levantou e levou as torradas para seu filho mais velho e a nora, dando uma bronca em ambos por estarem sem casaco no frio. Ela voltou para dentro rindo, gostava de provocar seus filhos. Acho que é a linguagem de amor dela. Suspirei, sentindo barriga cheia, estava aproveitando para observar minha família, era relaxante fazer isso.
Mais tarde, quando meu pai chegou do trabalho, voltei a ser o assunto principal mais uma vez. Estavam todos reunidos à mesa jantando e falando do meu desmaio. -Então eu cheguei desesperada na escola e vi nosso garotinho todo deitado no sofá apagadinho. Contava minha mãe em um tom dramático com certa preocupação. -É, e tive que ficar cuidando dele antes da mãe chegar. Nem sabia o que tinha acontecido direito! Acrescentou Bernardo. -Sogrinho você tinha que ter visto o alvoroço, o Erico sendo carregado pela escola por um gringo gigante da nossa turma. O guri parece ser do terceiro! Dizia Bianca como se fosse a coisa mais impressionante que já havia visto na escola, e provavelmente foi, naquela escola não acontecia nada. Afinal era a única escola municipal de Rios Vermelhos, cidade no interior do Rio Grande Do Sul. Constrangido tentando esquecer a situação, olhava para meu prato de lasanha quase acabado. Respondia todas as perguntas com “não lembro” ou “estou bem agora”. Mas essa tranquilidade durou até minha mãe sugerir -Você precisa agradecer o colega que te salvou hoje. -Mas não conheço ele, nem lembro do rosto dele. -A Bianca sabe quem é, ela te mostra. -Mas… -Sem mas. É o mínimo que você pode fazer, o coitadinho tava desesperado. E só ele tava desesperado né? Eu que tinha desmaiado não tava. -Pensei revirando meus olhos. -Tá. Vou agradecer a ele. Dei as últimas garfadas na minha comida, desejei uma boa noite à todos e fui para o meu quarto. Não gostava da ideia de ter que dizer obrigado para alguém que não tinha intimidade. Já não era bom conversando normalmente, morria de medo de falar bobagem. E ser odiado sem ao menos conhecê-lo…Que droga! - Sussurrei, rolei na cama e bati com o travesseiro contra minha face. Amanhã não seria um dia fácil para mim, teria que me esforçar para não me constranger novamente e ainda ser alvo do assunto da semana, como aquela vez. Fui dormir imaginando a quantidade absurda de perguntas que teria que responder, não ia pegar no sono se não estivesse tão exausto.
Érico um garoto gay e introspectivo vive vários dramas em sua vida. Se sente distante de seus irmãos e deslocado na escola, seu único refugio são as histórias que cria e reflexões pessimistas. Em uma noite escreve um personagem com tudo aquilo que mais despreza e inveja, mas e se ele não fosse só um personagem e sim alguém real. Será que Érico ainda o odiaria?