Até mais tarde garotões!- Disse meu pai finalmente quebrando o silêncio e abrindo as portas do carro. Ricardo nem se despediu direito, correu para abraçar a namorada, Bianca. A loira esperava por ele todos os dias na frente da escola, sempre comendo algum doce. O de hoje era uma barra de chocolate com amendoim, daria de tudo por um pedacinho. Como não comi meu café da manhã estava morrendo de fome,sabia que com certeza não ganharia um e meu irmão certamente não me traria um pouco- dei de ombros. Peguei minhas coisas e saí. Do lado de fora do carro me despedi com um aceno, tentando não mostrar meu desânimo pelo dia a frente. Já Bernardo desceu por último porque ficou preso pelo cinto do carro que travou, ia ajudar mas no momento que me dirigi a ele o cinto magicamente abriu. Acho que era um sinal, não precisavam de mim. Meus irmãos sempre conseguiram se virar sem a minha ajuda ou do filho do meio- Ri tentando esconder a minha decepção.
Andava pelos corredores do colégio tentando não esbarrar em ninguém, pareciam sempre lotados. Andar era difícil com tantos adolescentes conversando e brincando entre si, estava bastante irritado porque no fundo desejava fazer isso também.
Quando finalmente cheguei a sala notei que todas as carteiras estavam vazias, ninguém estava lá- suspirei. -Como posso ser tão burro? Esqueci que agora era educação física. Olhei para janela e vi toda turma reunida fazendo um pequeno revezamento pelo pátio, não queria participar, estava com fome e um pouco abalado pela situação no carro mais cedo.Então decidi matar o período, me sentei na carteira, queria continuar desenhando o britânico perfeito, a única coisa que me empolgava. Com essa vontade peguei meu lápis 6B e borracha pronto para começar! Quando fui atrás do meu caderno não o encontrei, percebi que tinha deixado em casa. Putamerda! Acabei soltando em voz alta, rapidamente cobri minha boca e olhei para os lados. Que droga devo ter deixado em casa aberto…Aberto?! Percebi que tinha feito mais uma vez, então continuei com a mão sobre a boca. Se alguém pegar ele eu tô ferrado! - Pensei, junto com possíveis cenários do que aconteceria comigo se minha mãe visse aqueles desenhos nada heterossexuais da minha parte. Levantei da carteira em pânico e comecei a andar em círculos pela pequena sala vazia, era a menor do andar. Parei por um minuto, roendo as unhas e quase arrancando pedacinhos dos meus dedos. Nesse instante, sinto minha respiração ficando cada vez mais árdua, um tanto ofegante. Ansiedade? Não, pânico! Lágrimas saem dos meus olhos descontroladas, minha visão começa a escurecer. Ouço uma voz distorcida em um sotaque estranho, talvez seja minha confusão mental. -Você está bem? Perco o controle sobre meu corpo, caindo mas não bato com a cabeça no chão. Pois sinto alguém segurando minhas costas, essa pessoa deve ser forte. Sou carregado, apago totalmente.
Acordo totalmente confuso deitado no sofá da diretoria, percebo três pessoas perto de mim. Ele acordou! Disse meu irmão aliviado. -Meu menino! Sabe o quanto sua mãe se preocupou?! Fala Antonella me abraçando, o calor e perfume de baunilha são intoxicantes, amo seu cheiro. -Você precisa tomar seu café da manhã! Imagina se você tivesse morrido…meu deus meu garotinho. Ela começa a chorar um pouquinho. Levemente envergonhado respondo ainda meio tonto. -Eu sei mãe, desculpa. Observava todos tentando recobrar a consciência, o diretor Augusto tomava uma xícara de café sentado em sua mesa enquanto conversava sobre o ocorrido com a minha mãe. Já Bernardo apenas comia as bolachas da direção e tentava me oferecer algumas também, estava tão perdido que acabei deixando duas caírem no chão antes de conseguir comer alguma. Tinha um gosto bom, eram amanteigadas genéricas, deliciosas. Ouvi meu irmão sussurrar para mim agradecendo por ter ajudado ele a sair da aula mais cedo, revirei os olhos.
No carro senti uma energia estranha do tipo: estou feliz porque você está bem mas isso não significa que você não está de castigo. Pelo menos o caderno não foi trazido na conversa, ninguém tinha o visto. Estava aliviado, o desmaio pelo incrível que parecia me salvou. Obrigada pressão baixa! -Pensei. Ricardo saiu mais cedo também e sua namorada estava no carro conosco. Que bom que ele tá bem sogrinha- disse a garota num tom irritante mas genuinamente preocupada. - Sua sorte foi ter sido salvo pelo seu colega. Minha mãe olhando para mim pelo retrovisor. -Aquele garoto era muito forte. Acrescentou Bernardo. Não fazia ideia de quem estavam falando -Quem? Tentando descobrir mais. -Você não lembra? -Não, só apaguei. Ricardo então respondeu em um tom grosseiro, como de costume. -O menino novo da sua classe. Faltei a aula três dias naquela semana por causa de um resfriado então não sabia quem era. -Ele tava doente. Ele não deve saber idiota! O mais novo, xingando. O ar entre os dois ficou meio tenso, antes de outra briga se iniciar Bianca interrompeu. -Um tal de Mattew, meio gringo. Ele chegou na turma 2C hoje, tinham anunciado nos dias que você faltou. Ele te carregou até a diretoria, o coitado tava um tanto desesperado. Rindo acrescentou - Ele até esqueceu como dizer desmaiou em português, começou a repetir “fainted” apavorado. Nesses momentos agradecia por Bianca ser tão fofoqueira e ser minha colega de turma. Estava tão surpreso e um pouco envergonhado por causar tantos problemas que só soltei -Ah, entendi! Tentando parecer relaxado e esclarecido, mas estava só mais confuso com a situação. Notei que a chuva tinha começado a cair. Botei meus fones e ironicamente começou a tocar Died in Your Arms do Cutting Crew -Ri, que dia estranho…Bom pelo menos não fiquei sozinho hoje.
Érico um garoto gay e introspectivo vive vários dramas em sua vida. Se sente distante de seus irmãos e deslocado na escola, seu único refugio são as histórias que cria e reflexões pessimistas. Em uma noite escreve um personagem com tudo aquilo que mais despreza e inveja, mas e se ele não fosse só um personagem e sim alguém real. Será que Érico ainda o odiaria?