Kami acordou muito cedo. Seus olhos, pesados, não ajudaram muito. Naquele dia, Malphas recebeu um recado inusitado. Algum imbecil do comando rival mandou uma carta escrita com letras vermelhas. O Papa defunto era o único que ainda não havia chegado à reunião. A cabeça de Malphas estava cheia de problemas para resolver, por isso não percebeu a ausência de seu aliado. Zé Risadinha e o Puro Osso escolheram permanecer em silêncio. A carta, num tom de zombaria, dizia: 

“Querido amigo, sua fazenda de perimpimpim foi tostada. Não faço ideia do que se passou e nem quero, ainda mais com aqueles metidos a salvadores andando por aí derrubando ditaduras. O que impota é que seu carregamento está sem suplementos, acho que é assim que se diz; sem a raiz, você não pode fabricar perimpimpim, além disso, você está com o rabo entre as pernas e não sai da sua casinha nem se a tua filha tivesse sentada no meu colo. É por isso que proponho uma aliança entre nossos comandos. Ofereço a raiz e você me entrega seu poder. Juntos, podemos acabar com os nossos rivais e criar uma base forte. Imagine ter poderes suficientes para ameaçar o império? Deixa de ser um fraco egocêntrico e considere minha proposta. Assinado: Seu amigo, Chefe Touro!” 

O rosto de Malphas expressou um ódio tão profundo que parecia um demônio raivoso. Desde muito jovem, ele nunca gostou de fazer alianças. Suas lembranças sobre sua infância não são as melhores. Somente pequenos pedaços, como fragmentos sem vida ou cor, uma sombra do que devia ser. A voz do seu pai ainda podia ser sentida. A sua única lamentação era não conseguir se lembrar do rosto dele. Ele era loiro ou moreno? Como se não bastasse, ele apenas se recordava de ter acordado com uma grande vontade de matar e ter um suposto irmão. Dizem que foi isso que causou aquele terremoto que matou 10 pessoas em Boobayacles. Aliança parecia algo tão fraco! Se ele aceitasse a ajuda do seu rival, todos ao redor passariam a enxergá-lo com outros olhos. É claro que ele precisava das raízes e sabia onde encontrá-las, porém, o medo da imperadora aparecer o impedia. Ainda bem que ele tinha a Kami. O coração dele ficava mais calmo toda vez que ela dizia suas ideias contrárias ao seu pensamento. 

— O Touro tem sua razão, nossa mercadoria está acabando — disse Kami —, mas uma aliança não é nada benéfica ao nosso comando.

— Está sugerindo que a gente enfia o rabo entre as pernas? — indagou Puro Osso.

— Você sugere o quê? — falou o papa defunto entrando na reunião com uma expressão séria — Comer pizza enquanto os outros bolam um plano?

— Olha como você fala comigo, sou o filho do chefe dessa pocilga! 

— Você podia ser o filho da própria Sýnpam, mas nunca mudaria o fato de ser apenas um amontoado de gordura! — gritou Papa Defunto. 

— Seu velho inútil! — retrucou Puro Osso.

— Calem a boca e deixem a Kami falar! — bradou Malphas, fazendo eles abaixarem a cabeça, menos Kami, que continuou de pé fitando os olhos de seu chefe. 

— Se atacarmos o Touro em seu território, estaríamos pedindo para ter guerra, isso não é bom. Os heróis estão voltando. Cada dia que passa, Isniffi Ikari irá inspirar mais desses idiotas. Meu conselho é capturar o atirador de elite.

— E quanto às raízes? O Pó de Pirimpimpim não se cria sem essas porcarias! — gritou Puro Osso. 

— Imagine o cenário onde a gente ataque o comando do Chefe Touro e roubamos suas plantações de raízes. Me diz, o que impedirá o atirador de elite de destruir esse novo estoque? Sugiro que deixemos o Papa Defunto fazer algo grande, que chame atenção do infeliz e o leve a uma armadilha. Proponho capturarmos ele ainda com vida, torturar e depois desmembrar o corpo dele e espalhar cada parte num bairro desta cidade com as seguintes palavras “Esse é o destino de todo aquele que se dizer herói”. 

— O que seria esse algo grande? — perguntou Malphas. 

— Hoje teremos um evento importante, o dia em que comemoramos as vitórias de Sýnpam sobre seus inimigos. As ruas estarão cheias de pessoas de todas as classes. Ninguém perceberá se um certo sujeito invadir o banco central. Colocaremos fogo nele, atraindo os olhares, incluindo de um jovem herói sedento por atenção. Ele vai querer apagar as chamas, oportunidade perfeita para capturarmos esse imbecil. 

— Só tem um problema no seu plano — disse Malphas —, com algo tão chamativo, não estaríamos só chamando a atenção do jovem herói. QianQian iria ver, não quero comprar briga com a general Mãos Turbina. 

— De qualquer modo, vamos atrair a atenção de QianQian. Pense pelo lado positivo, temos uma pequena chance da imperadora dar a mínima para um assalto de banco.

— Kami, o banco que você está pedindo é o central de Boombayacles. O dinheiro dos impostos e taxas do império seria torrado. 

— QianQian está ocupada com o Isniffi, veja nos noticiários as loucuras que a general está fazendo para tentar capturá-lo. Ela não vai querer perder tempo com um assalto. Digo e repito — Kami se aproximou da Mesa de Malphas e sorriu, provocando uma pequena expressão de quem gostou nele —, o que é um peido para quem já está cagado? De todas as maneiras, seja provocando uma guerra, ou matando os heróis, atrairemos a General. 

— Kami não está mentindo — afirmou Papa defunto —, não poderemos ignorar para sempre a general. O senhor é forte, podemos dar conta dela e seu exército de gostosas turbinadas.

Essas palavras não agradaram os ouvidos de Malphas. Ele socou a mesa, partindo ela em dois. Kami se afastou, segurando o sorriso. Seu plano não falhou, Malphas se entregou ao medo e isso era uma maravilha! O Papa defunto não escondeu o seu desespero, ele se levantou da cadeira e pediu perdão ao seu chefe com o rosto em terra. Kami não demonstrou arrependimento. Ela se aproximou daquilo que outrora foi a mesa de Malphas e o encarou com um olhar firme. Malphas sentiu seu coração se acalmar. Ela era a única que parecia não o temer, ele já viu tanta gente medrosa, que acabou esquecendo de quão bom era ter alguém que não o temia.

— Precisamos de raízes e da cabeça do atirador de elite.  Por isso, vamos ter que trabalhar de um jeito diferente — disse Malphas com uma voz mais calma —, escute o meu plano com atenção. Se falharmos nele, atrairemos a QianQian, por isso, preciso que vocês deem o seu melhor. 

As fazendas do Chefe Touro eram vastas. Ele tinha uma estratégia diferente para plantar as raízes sem chamar atenção da polícia. Suas fazendas tinham muito gado, ao ponto dele ser um dos maiores distribuidores do mundo! Isso tirava os olhos indesejados, uma vez que o dinheiro era lavado e, ao mesmo tempo, quem iria desconfiar de um frigorífico? Fora as propinas e subornos que o Chefe Touro empregou em seu negócio, ele tinha o hábito de ajudar os pobres e distribuir brinquedos para as crianças. O Comando Dragão Cinzento empregou a força por bastante tempo, as pessoas tinham medo de Malphas, enquanto amavam o Touro Caridoso. Como roubar o suprimento dele sem chamar atenção? Malphas dividiu o seu time em dois grupos. Ele e Kami ficaram encarregados das raízes e o papa defunto e o Zé Risadinha tinham a missão de matar o atirador de elite. Em vez de roubar o dinheiro de QianQian, ele pensou em algo mais natural, como um desastre. 

A festa de Sýnpam, popular por atrair pessoas de várias partes para Boobayacles, ficava em cima do maior jardim suspenso do mundo. Com flores coloridas e árvores que tocavam as nuvens, o jardim suspenso foi criado com o intuito de fazer festas para Sýnpam e atrair sua graça. Ele tinha uma estrutura que o mantinha no alto. Cada Coluna era adornada com uma estátua da deusa o agarrando num abraço caloroso.

Enquanto os olhos do mundo se viravam para a festa, ele iria fazer uma visita ao Touro. Todos concordaram com seu plano. Como de costume, o jardim suspenso se encheu de pessoas de todos os cantos. A canção em homenagem à deusa Sýnpam pode ser ouvida pela cidade inteira. As sacerdotisas dançavam enquanto os fieis jogavam pétalas de rosas para o alto, os ventos as espalharam, deixando o céu colorido. Para as crianças, tinha bolo e doces, todos naturais, uma vez que Sýnpam é a deusa da natureza! Os adultos comiam do bom e do melhor, sem carne, apenas o cultivo do solo. Em meio a festa, houve casamentos e pedidos de noivado, além de aniversários e funerais. Sýnpam não ligava para as intenções dos mortais, ela sempre atendia e abençoava o seu povo. E não foi diferente naquele dia. Gritos de comemoração, o motivo? Uma criança doente foi curada apenas pelo toque de uma pétala. 

Papa defunto e Zé Risadinha não subiram as escadas até o jardim. Eles ficaram em baixo ao lado dos pilares que sustentam a estrutura. Risadinha rasgou sua boca com uma faca. O Papa defunto não perdeu tempo e fugiu o mais rápido que podia. A voz amaldiçoada trouxe consigo os espíritos. Papa defunto ficou esperando tudo desabar. Quando aqueles seres que saíram da boca do Risadinha tocavam alguma coisa, uma maldição caía sobre a pessoa ou objeto, fazendo-a definhar até a morte. O Papa defunto tapou os ouvidos, esperando o som da queda de inúmeras pessoas. Para sua surpresa, o único que ele ouviu foi o mugido de um touro. Chefe touro jogou a cabeça do risadinha aos pés do Papa Defunto e, sorrindo, afirmou:

— Mande um recadinho ao seu chefe quando chegar em casa. Diga que o seu velho amigo, chefe touro, manda um abraço. 

Sua aparência era de um minotauro com pele humana ao invés de pelos. Ele tinha 3 metros de altura, forte e gordo. Sua voz era engraçada e, ao mesmo tempo, potente.  Sua meta, como a de qualquer chefão do crime, era matar o líder do Dragão Cinzento. Seu sonho parece que estava começando a dar sinais de que iria se concretizar, ainda mais com sua nova aliança.

Malphas e Kami chegaram na fazenda e se depararam com toda plantação de raiz queimada. A fumaça cobriu o céu, parecendo nuvens de chuva. Thadeu com sua roupa de Atirador de Elite estava sentado comendo queijo com goiabada enquanto as chamas se espalhavam. O chefão fez pose de quem iria atacar, mas Thadeu o fez mudar de ideia ao mostrar o detonador.