Angélica mencionou que seus amigos eram pessoas estranhas, o que Thadeu não imaginava era o quão estranhos eles seriam! Uma mulher feita de pano com cabelos de retalhos coloridos era sua líder. O que diabos estou fazendo aqui com esses idiotas? Indagou Thadeu. A casa que eles escolheram como base, se é que podia ser chamado disso, parecia um lar de idosos. Tinha velhos polindo armas, cuidando de animais mágicos e outros cozinhando antigas receitas. O chão vermelho refletia o rosto de Thadeu. Ele puxou uma cadeira e sentou ao lado do anão mais alto que ele já viu em sua vida.
Angélica o apresentou aos seus amigos e contou toda a história sobre Thadeu e a ordem da serpente. Depois de um breve silêncio, eles resolveram se apresentar. Thadeu não queria saber os nomes, mas sim o motivo que levou aqueles homens e mulheres a se unirem contra a tirania de Malphas. A mulher de pano foi a primeira a contar os seus motivos. Seu nome era Emily e ela foi a boneca de uma menina do interior. A fazenda de sua família se chamava Sítio do dragão amarelo; conhecidos por suas colheitas abundantes e comida de fartura, eles despertaram o interesse de bruxas. Em sua terra crescia uma fonte rara de malbenita radiko, uma raiz usada para fabricar o pó de perimpimpim. É claro que os donos da fazendo não quiseram vender sua propriedade. “Draco não vai perdoar sua desobediência” disse a líder das bruxas “sua terra será bem mais aproveitada se for de nosso mestre. Ele prometeu que iria encher seus bolsos de ouro, além disso, vocês vão entrar na lista de amigos.” O velho, teimoso como uma mula, respondeu “prefiro morrer do que dar a terra dos meus antepassados ao seu mestre. Manda ele para o inferno com sua maldita mercadoria!”
As bruxas voltaram a Malphas e contaram a vontade do dono da fazenda. Ele não gostou das palavras do velho e considerou um insulto a sua grandeza. A dona de Emily convidou suas amigas para brincar de bonecas na lagoa. Elas estavam felizes e comiam os doces que a vovozinha havia feito com tanto carinho. Um estrondo interrompeu a brincadeira. Emily viu a fumaça subindo da fazenda. Elas correram até lá e o que viram foi destruição e morte. Em meio às chamas, Malphas enxergou as pequenas. A dona de Emily pediu para ela fugir e, com medo, ela escutou a voz de sua dona. Essa foi a última vez que Emily ouviu a voz de sua preciosa amiga.
Em lágrimas, ela prometeu que um dia mataria o assassino de sua família. Thadeu olhou para ela e sentiu que aquele ódio poderia ser útil, mas manteve sua desconfiança, ainda mais que ela passou sua vida vivendo de migalhas e uma falsa esperança de um dia matar o assassino de sua família.
— Você sente essa raiva toda, mas ainda precisa ser refinado — afirmou Thadeu virando seu rosto para o anão excêntrico.
— Meu nome é Luca, sou um anão ferreiro e odeio Malphas tanto quanto você, humano.
— O que ele fez para você o odiar tanto? — indagou Thadeu.
— Não gosto de falar sobre isso — retrucou o anão com seu jeito teimoso que só alguém de sua espécie teria. Thadeu ficou em silêncio. Luca não aguentou e acabou contando sobre seu passado trágico.
Dono de uma grande mina de ouro, Luca só tinha uma preocupação, encher os cofres dos anões e se deitar com suas 19 esposas. Tomando banho em espumas de ouro, ele não queria nada mais do que um bom café com carne de porco. Como tudo que é bom, um dia essa vida tranquila chegou ao fim. Malphas precisava de recursos para fabricar uma tonelada de pó de pirimpimpim. Roubar bancos estava fora de cogitação, isso chamaria atenção do general Mãos Turbina e colocaria seu reinado do crime em cheque. Os boatos de que a Mina de ouro de Luca era muito lucrativa chegaram aos ouvidos dele. “O que diabos significa essa carta?” Indagou Luca enquanto sua esposa lia em voz alta as seguintes palavras: meu negócio necessita de sua ajuda, meu caro amigo. A produção do meu produto vem exigindo muitos recursos e, para minha infelicidade, não estou conseguindo dinheiro suficiente dos meus negócios paralelos. Como ato de boa-fé, exijo 99% de todo seu ouro, o resto pode ficar para você.
Luca ficou possesso de raiva. Ele não queria dar seu precioso tesouro a um homem que não o merecia. Teimoso como qualquer outro anão, ele mandou uma carta a altura de sua raiva. Nela ele dizia: prefiro comer bosta de cavalo todos os dias e beber urina de duende, do que dar meu precioso tesouro a um ladrão infame como você. Desejo do fundo da alma que seu negócio apodreça e suma da existência, verme maldito!
A carta chegou até Malphas. Ele não pode acreditar em tamanho ultraje. Isso era horrível de se ouvir e fazia de sua honra um alvo de piadas. Sua reação foi rápida e inesperada. Malphas invadiu a mina de Luca, destruiu tudo em sua frente, matou os seus filhos mais velhos e forçou as esposas dele a se tornarem suas concubinas. Para infelicidade de Luca, elas não resistiram, já que viram em Malphas uma figura potente e divina, coisas que combinadas fazem qualquer anã se apaixonar. Após humilhar o pobre Luca, Malphas arrancou as pernas dele e o forçou a trabalhar na mina, se arrastando como um animal. Na primeira oportunidade, Luca escapou de sua antiga propriedade e comprou pernas de pau para se locomover, por isso ele era tão alto!
— Cara, você tem motivos para odiá-lo, admito — disse Thadeu com uma expressão neutra.
— Quero a morte dele, preciso dela para poder recuperar minhas esposas.
— Cara, elas te trocaram pelo mais forte, você acha mesmo que vale a pena sofrer por elas? — indagou Thadeu.
— Olha como você fala das minhas mulheres, seu pedaço de merda!
— Tá bom, rolha de poço, vamos recuperar suas mulheres e um par de lixas para seus chifres — zombou Thadeu enquanto desviava seu olhar para terceira pessoa do grupo.
Uma mulher com aparência de sapo o encarou de volta com um sorriso simpático. Ela vestia um vestido amarelo com desenho de flores azuis. Thadeu não precisou perguntar para ela começar a contar sua triste história. Ela vivia numa comunidade de homens fera. As pessoas perseguiam todos que tinham essa aparência estranha, forçando eles a viver na pobreza. Quando Malphas descobriu sua existência, escravizou todos eles e os forçou a fabricar sua mercadoria em fábricas clandestinas. Sem direito a salário justo, os homens feras só tinham direito a água e um pedaço de pão mofado.
— E você quer libertar o seu povo?
— O único jeito de conferir liberdade ao meu povo é matando Malphas, por isso estou aqui — respondeu Leonora.
— Interessante, todos têm seus motivos para matar Malphas, mas nenhum tem o poder para tal. Na sua equipe tem uma boneca falante feita de pano, em outras palavras, com qualquer fósforo consigo acabar com ela. O seu “tanque” é um anão aleijado e corno! Sei que sofremos por amor, mas esse cara ultrapassou o limite da burrice.
— Olha como você fala comigo! — gritou Luca.
— Se você cuspir em mim de novo, vou estourar seus miolos — afirmou Thadeu mirando o cano de sua arma na testa de Luca.
— E, para completar o kit, você tem o Moisés sapo que sonha em libertar seu povo, mas sem um cajado divino que abre o mar. Angélica, onde está a sua equipe?
— É sério que você vai fazer a gente obedecer esse idiota? — perguntou Emily com uma expressão de raiva.
— Tudo bem, vamos acalmar os nervos. Eu disse para você que a equipe não era das melhores, mas podemos ser muito úteis!
— Angélica, acorda, só eu serei útil nessa pocilga — zombou Thadeu.
— Está bem, deixe as apresentações de lado e vamos nos concentrar no plano — falou Angélica pondo a mão na testa — O plano pode colocar todos nós em perigo, mas se der certo, o nosso inimigo cairá. Como estudamos durante esse ano, o Dragão Cinzento tem três fábricas de onde sai todo pó de pirimpimpim que as outras famílias vendem. Como uma fonte de água, se conseguirmos cortá-la, o Dragão Cinzento secará e definhará.”
— Mesmo se a fonte secar, Malphas dará um jeito de conseguir recuperar suas fábricas — indagou Luca.
— É agora que entram vocês. Vocês destruirão a fonte de riquezas de Malphas, a sua antiga mina de ouro — afirmou Angélica —, para isso, vocês vão usar esse orbe maldito. Quando o colocar no coração da mina, tudo será destruído, se transformando em cinzas. Você levará Thadeu com você. É necessário que as pessoas vejam ele vestido com sua roupa de “Super”
— Super? O que diabos você está tramando? — indagou Emily.
— Após derrubar a mina de ouro, precisamos acabar com o suplemento. Você levará Thadeu até sua antiga fazenda e colocará esse mesmo orbe no centro. Ele explodirá e levará consigo tudo na sua frente, até não sobrar mais nada. Mais uma vez, a presença de Thadeu precisará ser notada.
— E quanto a mim? — indagou Leonora.
— Você precisa ser paciente. Quando esses dois obstáculos saírem de nossa frente, Thadeu irá libertar o seu povo. Sem ouro, suplementos ou escravos, Malphas se tornará vulnerável às outras facções.
— Nesse cenário, vamos provocar uma guerra de criminosos — afirmou Emily.
— Essa é a intenção — retrucou Thadeu —, o Malphas teme a general Mãos Turbinas, se falhamos em encontrar a sua fraqueza, teremos uma carta na manga.
— Não vamos matar Malphas? — gritou Luca. — Pensei que a gente mataria ele, não outra pessoa!!!
— Cala boca, escuta primeiro antes de dar chilique — falou Thadeu —, eu tenho uma infiltrada na casa de Malphas. Quando a pressão de ver todos os seus negócios destruídos mexer com aquele coração de pedra, lá estará ela para descobrir a verdadeira fraqueza de Malphas. Quando tivermos essa informação em mãos, teremos uma arma para matá-lo.
— Prestem bem atenção no que vou lhes dizer — disse Angélica colocando cópias da estátua de mulher nua que Thadeu ganhou do Isniffi na mesa —, é necessário que essa estátua esteja espalhada em todos esses locais. Isso é o símbolo que mexerá com o coração de Malphas, sem isso, nosso plano será inútil.
— Eu só ouvi em lendas a existência dessas estátuas — sussurrou Leonora.
— Tem razão, as lendas eram verdadeiras, os heróis tinham uma deusa padroeira que representava sua guilda — respondeu Thadeu —, o pior de tudo isso é que ganhei de um bichinho de pelúcia.
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