Thadeu procurou na maioria dos cômodos do castelo, mas nada de encontrar sua amiga. O medo de ter perdido ela para sempre o atormentou. “É a missão, se ela fracassou, problema dela, não posso arriscar tudo por…” Thadeu meteu um soco na janela, partindo o vidro em vários pedaços. Ele olhou para sua mão e enxugou o sangue na camisa. “Droga, vou ter que entrar lá”.
O caminho até a sala do Draco Griseus era pesado. Cada passo rumo aquela porta era como caminhar em direção ao inferno. Thadeu respirou fundo. Ele não queria aparecer e estragar tudo. Sua mão encostou na maçaneta e a porta se abriu sozinha. Alguém estava chorando. Nosso herói se encolheu. Usando suas habilidades furtivas, ele passou pela sala sem ser percebido. O choro ficou mais forte. “Esses gemidos são de uma mulher”. Seus pés se apressaram. Ele chegou à porta do banheiro. Lá estava uma mulher nua chorando debaixo do chuveiro. O sangue escorria pelo seu corpo indo em direção ao ralo. Thadeu nunca havia visto sua amiga daquele jeito.
— Kami, o que aquele monstro fez com você? — perguntou Thadeu se sentando ao lado dela.
— Ele não me fez nada… — respondeu Kami com a voz fraca.
— Ele tocou em você?
— Na verdade, fui eu que fiz…
— O que diabos você fez? — indagou Thadeu envolvendo seus braços no corpo de sua amiga.
— Matei… — respondeu Kami encarando os olhos dele.
— Como assim?
— Matei um homem trabalhador, uma menina pequena, um pouco maior que a minha filha e um garotinho com seu cachorro… eles olhavam para mim com medo… o mesmo olhar que olhei aquele verme quando matou minha família.
Thadeu não sabia o que responder. Ela matou inocentes para cumprir a missão da ordem. Isso parecia fácil na teoria, mas, na prática, era muito diferente. Lidar com as suas emoções e tratar pessoas como simples empecilhos a missão nunca foi um dos pontos fortes dele.
— Kami… você fez o que era certo, missão dada é missão…
— Eu sei disso, não estou assim porque matei eles — respondeu ela com olhos se enchendo de lágrimas.
— Não fique se culpando, temos que cumprir as ordens…
— Cala essa boca e me escuta! — gritou Kami. — Eu não estou assim pelas mortes… na verdade, isso não está fazendo efeito em mim!
— Do que você está falando? — indagou Thadeu.
— Eu não sinto remorso, pena ou raiva por fazer isso… não sinto nada.
— Você precisa se levantar, se Malphas nos pegar no seu banheiro particular, seremos mortos no mesmo instante!
— O chefão não apareceu até agora, acho que ele está se escondendo de algo — respondeu Kami olhando para o teto com um ar de desprezo.
— O gato e a fada estão na cidade, ele deve estar com medo disso.
— Não importa o motivo dele estar escondido, ganhamos uma oportunidade de ouro.
— Uma oportunidade? — Thadeu puxou o queixo dela para sua direção.
— Descobri que ele dorme com uma tal de Anacrônica. Talvez ela saiba a fraqueza desse desgraçado, mas não posso ir atrás dela ou daria muito na cara, você precisa encontrá-la e arrancar da boca dela a informação que precisamos.
— E se ela descobrir minha identidade? — indagou Thadeu.
— Use uma máscara, você sempre usou mesmo.
Usar uma máscara? Thadeu se ergueu do chão com uma expressão de raiva. Ele pegou uma toalha e jogou em Kami. Após enxugar o corpo dela, ele saiu daquele inferno. Ele tinha um alvo, como um bom atirador de elite da ordem da serpente, Thadeu sabia o que fazer. Ele abriu a maleta que trouxe consigo e pegou um traje negro com detalhes azul e branco. Logo em seguida, procurou algo para tapar o seu rosto, mas não tinha nada que se encaixasse nesse quesito. Ele pegou a máscara que o rei das fadas tinha lhe dado e colocou-a no rosto. Thadeu sorriu. Finalmente ele encontrou um design melhor que as porcarias que a ordem da serpente lhe obrigava a usar. A máscara, feita de jade com detalhes de ouro, era igual aquelas da Commedia dell'arte.
Em sua casa, Anacrônica deixou sua mão passear pelas águas mornas da banheira. Um banho espumado era tudo que ela precisava para terminar o dia feliz. O shampoo de flores caiu de sua mão, fazendo ela dar um leve gritinho. Até nos momentos mais íntimos, ela não costumava tirar sua máscara. Nem mesmo Draco conseguiu ver o seu rosto!
Cantarolando aquela música chata que escutou na rádio, Anacrônica tirou seu roupão e entrou na banheira. Seu corpo ficou arrepiado com o toque das bolhas de sabão. Ela sorriu. Mesmo morando na comunidade, Anacrônica e os membros da família do chefão viviam como Reis. Essa era a vantagem de ter o homem mais poderoso daquelas bandas ao seu lado. Sua casa era simples por fora, igual a uma moradia pobre e sem acabamento, mas por dentro, era uma verdadeira mansão.
Thadeu percebeu que a porta era protegida por dois seguranças. Seria difícil entrar por ali. “A janela também está comprometida”. Resmungou nosso herói mirando sua arma na direção dos infelizes. “Mesmo com silenciadores, vou ter que me livrar dos corpos, ou chamarei muita atenção.” Os seguranças caíram. Thadeu correu rumo aos corpos e os arrastou até a moita.
Anacrônica pegou sua garrafa de vinho e deixou a bebida cair em sua taça. Com um ar chique, ela balançou a taça e a encostou em seus lábios de cera. A máscara abriu a boca e tomou a bebida no lugar de sua portadora. “Estranho, estou sentindo algo estranho em minha casa” pensou Anacrônica, deixando seu corpo afundar na banheira.
Thadeu olhou para os lados em busca de alguma alma viva. Ele deu passos lentos, evitando fazer ruídos que chamassem a atenção do seu alvo. Em meio a escuridão daquela sala, as luzes das televisões iluminaram o caminho. Thadeu se assustou. Como diabos elas ligaram sozinhas? Um frio em sua barriga o fez olhar para a direita. Ele sentiu que tinha alguma pessoa ao seu lado. “Não vejo ninguém!”
Seu pé parecia mais pesado, como se estivesse caminhando sobre um lago cheio de lama. As paredes tremeram. Por algum motivo, as televisões ganharam vida com bocas cheias de dentes afiados! Thadeu foi rápido o suficiente para destruí-las com alguns tiros. “Ótimo, estou lidando com uma anormal!” Por um momento, ele sentiu um pequeno arrependimento de não ter contado a Kami sobre Melina e a possível resposta que ela tem sobre a fraqueza de Draco.
— Então, você já sentiu a minha presença — disse Thadeu continuando seu caminho rumo à cozinha —, não se preocupe, não serei uma visita chata, prometo que vou acabar com você antes que chegue a se incomodar.
O chão se tornou areia movediça. A cada movimento, o corpo dele afundava. Thadeu já tinha passado por isso. Ele agarrou o pé da mesa e tentou se puxar para fora daquela armadilha dos infernos. Uma mão humana brotou da madeira e deu um soco no seu rosto. A areia o devorou, o cuspindo em outro cômodo.
— Inferno! — gritou Thadeu.
Sua técnica não seria o suficiente para parar aquela maluca. Olhando ao seu redor, ele buscou algo que denunciasse a localização de sua inimiga. As paredes do quarto ganharam mãos com espadas e estrelas da manhã afiadíssimas! Nosso herói se desviou dos ataques inimigos, mas não rápido o suficiente! Uma espada penetrou sua perna, causando uma enorme dor. Thadeu, com saco cheio, descarregou suas armas contra as agressoras, o som das espadas caindo no chão era irritante! “Não é possível, tem que ter alguma coisa que me leve até essa…”
Thadeu ficou em silêncio. O leve som de batimentos de coração chamou sua atenção. Não é possível ser de uma pessoa, já que era muito mais alto do que o normal. Ele olhou à sua volta. As mãos continuaram a ganhar forma. Nosso herói não podia enrolar muito, ou escolhia um caminho, ou pereceria nas mãos de Anacrônica. “Que se dane, a esquerda é o caminho!” Thadeu correu o mais rápido que conseguiu.
Atrás dele vinha um exército de espadas prontas para picá-lo. Ele viu a porta do banheiro e a derrubou, caindo em cima de um tapete de carne. O coração pulsante da casa era guardado por duas criaturas com o rosto de belas mulheres e com o corpo mais defeituoso que um demônio das trevas.
Ele atirou contra os monstros, dando tempo para sua bomba acertar aquela coisa pulsante. Thadeu ergueu o controle do detonador. As criaturas pararam de atacar. A luz de uma porta se abrindo no vazio iluminou o chão escarlate. Caminhando a passos lentos, Anacrônica se dirigiu até o nosso herói. “Por que diabos ela esconde o rosto debaixo dessa máscara?”
— Não faça isso, ou eu morro — disse Anacrônica.
— Morre? Vai me dizer que você e essa casa são uma só pessoa!
— Mais ou menos isso. Tem um motivo para me chamarem de Anacrônica.
— Você está fora do seu tempo? — Indagou Thadeu.
— Sou imortal graças a esse coração, mas meu corpo continua no passado, nesse momento, eu vivo no ano 100 da era dos heróis, mas se o coração for destruído, vou deixar de existir nas duas linhas do tempo.
Thadeu deu um soco na barriga da mulher, fazendo ela cair de joelhos. Ele se encurvou colocando o cano da sua arma na bochecha da máscara. “Como se eu me importasse com sua vida, sua imunda”.
— Porque você fez isso? — indagou Anacrônica chorando.
— Você é uma criminosa nojenta. Li sua ficha, você matou mais pessoas que o próprio chefão, todos tiveram os rostos arrancados ainda com vida.
— Eu dou o que você quiser, só não me mata!
— Quero a fraqueza do seu chefe! — gritou Thadeu.
— Fraqueza? Ele não tem fraqueza.
— Impossível — disse Thadeu dando uma coronhada na cabeça dela.
— Por que eu mentiria? As pessoas têm medo dele por esse motivo. Não existe nada nesse mundo que possa feri-lo… mas ele tem medo.
— Medo?
— Isso, ele tem medo da QianQian e do rei das fadas… não sei o motivo, mas isso o tem impedido de tentar dominar o mundo.
— Interessante — afirmou Thadeu se erguendo.
— Agora vá embora, se Malphas descobrir que você esteve aqui, serei morta!
— Ai que tá a graça… você vai morrer.
Thadeu apertou o botão do controle. A bomba explodiu o coração, transformando a casa num caos completo. Anacrônica gritava, enquanto tudo ao seu redor desaparecia. Thadeu não ficou para ver o resto. Ele se jogou pela janela e caiu no telhado vizinho. Uma espécie de cogumelo de fumaça vermelha subiu. Toda vizinhança percebeu aquele troço chegando às nuvens. Nosso herói se escondeu numa casa vazia.
Ele tirou a máscara e se deitou na escuridão. “Por que diabos eu não estou me sentindo bem? Quando tiro a vida desses malditos, essa dor vai embora, mas hoje… ela parece pior.” Thadeu se lembrou do rei das fadas e naquela musiquinha irritante. “Ela queria viver… minha mãe também queria. Aquele gato só é mais um moralista, não devo me preocupar com a vida daqueles vermes!” Mesmo assim, sua consciência continuava pesada.
Seria o certo pagar o mal com o mal? Misericórdia seria o caminho certo nesse mundo cheio de injustiças? Mas se tivermos misericórdia com esses monstros, eles teriam misericórdia de nós? Thadeu tentou respirar. Parecia que o ar não queria entrar em seu pulmão. “Crise de pânico? Eu nunca tive isso antes!” Ele se levantou com um ar de desespero. Sua mão começou a tremer. Seu coração ficou acelerado e sua respiração forçada. “Droga… preciso me controlar. Não sou o bichinho daquele gato, meu mestre está certo, eles devem morrer!” Sua visão começou a escurecer. O desespero o tomou de um jeito que o fez correr para rua, infelizmente isso não foi uma boa ideia. Sua última visão foi um carro velho buzinando.
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