O céu já começava a se tingir com tons de laranja e rosa enquanto Maria mordia o polegar, olhando preocupada para o boletim repleto de notas vermelhas. Seus pensamentos eram uma mistura de pânico e frustração. "Como vou resolver isso? Não posso ir aos professores… eles com certeza fariam propostas indecentes de novo. E repetir o ano… nem pensar."
Sem que ela percebesse, Cora havia se aproximado, silenciosa como uma sombra, e olhava o boletim por cima de seu ombro. Com um tom descontraído, disse:
— Uau, tô impressionada que você conseguiu passar de ano com notas assim.
Maria deu um pequeno salto de susto, virando-se de imediato, o rosto vermelho de surpresa.
— Cora! Dá pra cuidar da sua própria vida?! — ela resmungou, tentando esconder o boletim com pressa.
Cora riu baixinho, a diversão visível em seu olhar, e pousou uma mão suave sobre o ombro de Maria.
— Calma aí, Mari. Tá muito nervosa… e irritada. Se quiser, posso te ajudar com essas notas. — Ela ofereceu com um sorriso que misturava genuinidade e um toque de provocação.
Maria a olhou, desconfiada. Ajudar, assim, de graça? Ela sabia que Cora sempre tinha um truque na manga.
— E o que você quer em troca? — perguntou, estreitando os olhos.
Cora ergueu as sobrancelhas com um leve ar de surpresa e cruzou os braços.
— Ué, nada, oras. Seria bom pra nós duas, você fica sem peso na consciência com os professores e eu passo o tempo te vendo desesperada com matemática e gramática. — Cora deu uma risada travessa, e Maria bufou.
Ainda desconfiada, Maria cruzou os braços e lançou um olhar determinado para Cora.
— Deixa eu ver o seu boletim, então. Se é pra ser minha professora, quero provas de que você sabe o que está fazendo.
Cora não hesitou. Tirou o boletim da mochila e o entregou a Maria sem um pingo de constrangimento. Maria pegou o papel, esperando ver algo semelhante ao seu, mas foi pega de surpresa. Notas 8 e 9 dominavam o boletim, uma performance sólida, que indicava que Cora realmente sabia o que fazia.
— Isso… é sério? Você não hackeou o sistema pra conseguir essas notas? — Maria perguntou, chocada, e seus olhos se arregalaram ainda mais quando Cora riu.
— Não, mas já fiz isso antes. Alguns alunos pagaram bem, sabe? — Cora piscou, mas ao ver a expressão incrédula de Maria, completou, rindo: — Tô brincando!
Maria a encarou com uma mistura de raiva e alívio, balançando a cabeça em desaprovação, enquanto Cora aproveitava para afagar os cabelos dela, um gesto que fez Maria se arrepiar de leve, sem entender direito por quê.
— Enfim, só me encontra na biblioteca depois das suas aulas, e a gente começa — disse Cora.
— Não tenho mais nenhuma aula hoje — respondeu Maria, mais calma, mas ainda com uma pitada de dúvida na voz.
— Ótimo — disse Cora, sorrindo, enquanto segurava a mão de Maria. — Então vamos logo. Quanto mais cedo, melhor.
E, sem esperar por uma resposta, Cora a puxou pela mão em direção à biblioteca. Maria tentou resistir, sentindo o rosto aquecer ao perceber as mãos entrelaçadas, mas acabou cedendo, acompanhando-a.
Chegando à biblioteca, o ambiente silencioso e as luzes amenas criavam uma atmosfera quase acolhedora. Cora a guiou até uma mesa próxima à janela e rapidamente tirou seus cadernos da mochila, espalhando-os pela mesa com uma organização surpreendente. Maria olhou para as anotações e sublinhados coloridos, impressionada.
— Então… vamos começar com matemática. Mas não vou te dar tudo mastigado, hein. Você vai ter que ralar — disse Cora, piscando de maneira provocadora.
Elas passaram a primeira hora estudando matemática. Maria tentava, com um olhar concentrado e um leve franzir de sobrancelhas, resolver os problemas, e Cora observava com paciência, sempre corrigindo os erros com um toque leve e um sorriso encorajador.
— Ei, nada mal — Cora elogiou quando Maria conseguiu resolver um exercício sozinha, depois de várias tentativas.
Maria deu um sorriso pequeno, sentindo-se orgulhosa.
— Acho que… talvez eu consiga. — Ela murmurou, quase como se estivesse testando as palavras.
Quando terminaram de revisar os primeiros conteúdos, já era noite, e as luzes da biblioteca deixavam o lugar ainda mais calmo. Maria olhava para Cora, surpresa com a gentileza e paciência que não imaginava que ela tinha.
— Por que você tá fazendo isso mesmo? — Maria perguntou, depois de um longo silêncio.
Cora inclinou-se para mais perto, um brilho divertido nos olhos.
— Porque eu gosto de te ver aprendendo. Quando você tá focada assim, até parece outra pessoa… menos teimosa, mais… — Ela parou, buscando a palavra. — Você mesma.
Maria engoliu em seco, sem saber o que responder. Cora apenas sorriu e bagunçou os cabelos dela de novo, o gesto mais leve e carinhoso do mundo, e disse:
— Vamos indo? Já estudamos bastante por hoje.
— Vamos ficar um pouco mais, ainda tenho dúvidas em gramática inglesa.
— É sério?
Maria ainda estava decidida a estudar um pouco mais, principalmente porque sua maior dificuldade era gramática inglesa. Vendo sua determinação, Cora voltou a sentar ao seu lado, pegou o material de estudo e colocou sobre a mesa, ajeitando-se para mais uma rodada de explicações. Maria puxou sua cadeira para mais perto, pronta para anotar cada palavra que Cora dissesse, e ficou esperando a amiga guiar os próximos passos.
— O que você já sabe sobre gramática inglesa? — Cora usou seu tom cuidadoso olhando para Maria. — Assim eu posso adaptar as explicações de uma forma que realmente funcione.
Maria ficou pensativa, tentando organizar as ideias, mas esse momento de introspecção fez com que Cora desse uma risadinha. Quando Maria percebeu, lançou um olhar sério para ela, seguida de um tapa leve no ombro, dizendo:
— Para de rir, Cora. Que saco!
Cora levantou as mãos em um gesto de rendição, sorrindo como se estivesse apenas se divertindo, e respondeu:
— Tudo bem, tudo bem — disse ela, enquanto passava uma mecha de cabelo para trás da orelha e limpava a garganta, pronta para se concentrar.
Quando Cora se virou para o livro, assumindo um semblante sério e focado, algo naquela postura tão centrada e tranquila mexeu profundamente com Maria. A concentração intensa de Cora era uma novidade que Maria nunca tinha visto com tanta clareza antes, e, de alguma forma, essa descoberta despertava um novo tipo de interesse nela.
Maria, então, começou a observar os detalhes do rosto de Cora. Os olhos dela estavam fixos nas páginas do livro, com um leve toque de maquiagem que acentuava a intensidade do olhar. Mesmo as pequenas olheiras debaixo dos olhos davam a Cora um ar de profundidade que fazia Maria sentir uma admiração crescente. Cada linha e cada curva do rosto de Cora parecia pedir a atenção de Maria. A pele de Cora, além de parecer macia, lembrava a Maria de toques breves e furtivos, gestos compartilhados que agora voltavam à sua memória. As bochechas dela, o nariz delicado e um pouco arrebitado, o cabelo que caía nos ombros — tudo parecia perfeitamente encaixado.
Cora passava uma mecha de cabelo para trás da orelha de tempos em tempos, e Maria acompanhava o movimento como se estivesse em transe. Ela observava como os lábios de Cora se moviam ao falar, lembrando com intensidade dos momentos em que eles estiveram próximos, relembrando memórias que ela achava que estavam adormecidas. Sem perceber, Maria suspirou levemente, quase hipnotizada, e perdeu completamente o foco na explicação.
Foi quando os olhos de Cora levantaram do livro e encontraram os de Maria, capturando seu olhar. Ela sustentou o contato visual, e Maria sentiu uma faísca. O sorriso de Cora apareceu, discreto e provocador, como se ela já soubesse exatamente o efeito que causava em Maria. O olhar de Cora, carregado e intenso, parecia penetrar as defesas de Maria, fazendo com que ela sentisse um misto de nervosismo e uma inesperada fraqueza nas pernas.
Então, Cora levou o dedo indicador até os próprios lábios, num gesto delicado, pedindo silêncio. Maria engoliu em seco, sem saber exatamente o que esperar, enquanto Cora se inclinava para mais perto dela. Os olhos de Maria estavam fixos em Cora, incapaz de desviar ou pensar em mais nada, até sentir o toque suave das mãos de Cora, segurando seu rosto. O calor das mãos dela contrastava com o frio que Maria sentia em suas bochechas coradas. Num movimento lento e confiante, Cora se aproximou ainda mais, até que seus lábios encontraram os de Maria.
O beijo foi suave, mas carregado de sentimentos que pareciam transbordar de ambos. Maria se entregou ao momento, sentindo o mundo ao redor se desfazer, como se apenas elas duas existissem. Quando, finalmente, Cora se afastou levemente, seus rostos ainda estavam próximos, e Maria pôde ver a expressão serena e satisfeita no rosto de Cora, que a observava com um sorriso leve.
— Acho que deveríamos continuar com os estudos, não acha? — sussurrou Cora, mantendo o tom leve, mas com uma diversão evidente nos olhos.
Maria, ainda surpresa e completamente sem palavras, assentiu, tentando recuperar o controle de si mesma. Ela pegou o caderno, pronta para realmente focar nos estudos dessa vez, enquanto tentava esconder o quanto aquele momento tinha deixado seu coração acelerado.
Ainda com a sensação dos lábios de Cora nos seus, Maria sentiu uma onda de coragem. Algo dentro dela impulsionava para frente, e, sem hesitar, ela virou-se para Cora, decidida. Cora, que a observava com um olhar atento e enigmático, percebeu o brilho nos olhos de Maria e perguntou:
— O que você vai fazer?
Maria não respondeu em palavras. Ela deixou que suas ações falassem, avançando em direção a Cora e tomando seus lábios como se estivesse esperando por aquele momento há muito tempo. O beijo era intenso e quente, carregado de sentimentos que palavras não podiam descrever. Seus corpos se aproximaram, e Maria deixou-se levar pela intensidade, subindo no colo de Cora e segurando o rosto dela com ambas as mãos, como se quisesse fixar aquele momento para sempre.
Continuo.
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