Montenegro. Aquele sobrenome ressoava em sua mente, uma vaga lembrança, certamente por estar associado a uma família de prestígio — evidenciado pelo cabelo vermelho-escuro de Thales. Era a primeira vez que um fidalgo jovem se dirigia a ela de maneira tão… respeitosa. Não havia em Thales aquele olhar de troça ou desprezo que a apunhalava nas interações sociais que tinha com os colegas de Alana, os quais, aliás, também estavam na festa. Talvez, finalmente, pudesse ter uma conversa adequada com um adolescente de sua casta.
— Mais uma vez, obrigada pelo presente. Eu não esperava receber um, assim do nada.
— Por que não? — Thales franziu a testa. — Você também é a aniversariante hoje?
— Mas não sou eu a debutante.
Thales fez um gesto de descaso com a mão.
— Ora, isso não significa que você não seja digna de respeito. Cabelo azul ou preto, o sangue dos Buarque corre em suas veias.
As palavras dele soaram estranhas, como se a fizessem se sentir dentro de um sonho. Não estava acostumada a ser validada por… fidalgos. Sentia-se dividida entre o alívio e a incredulidade.
— Sério, venho te observando há algum tempo na festa — prosseguiu Thales, mantendo o tom casual —, e fico de cara que ninguém aqui se aproximou de você. Todo mundo parece te evitar.
— E por que você não faz o mesmo?
— Quer que eu vá embora?
— Não! — apressou-se a dizer, seu coração disparando ao ver que foi mal compreendida. — Não é isso. É que… se todos estão me tratando como se eu fosse uma praga, por que você veio até aqui e ainda me deu um presente?
Thales alargou o sorriso, e suas palavras seguintes deixaram Sara momentaneamente paralisada.
— Ah, é que eu gostei de você. E não me importaria em passar a festa inteira conversando contigo.
Sara nunca imaginara que aquela noite poderia ter uma reviravolta romântica. Apaixonar-se por um rapaz não fazia parte de sua vida adolescente. Nunca se interessara pelos garotos vulgares da escola pois eles eram, ora essa, vulgares! Como fidalga, tinha que namorar garotos de sua casta, embora não tivesse amizade com nenhum deles. Mas ali estava Thales, alguém que estava genuinamente interessado nela.
— Alana está linda hoje, não está? — soltou ele em dado momento da conversa. — Tem tanta gente querendo um pedaço dela, que está difícil pra alguém conseguir um momento a sós com a garota.
Sara respirou fundo. Como foi ingênua! Compreendeu a situação após uns minutos de bajulação e uma rodada de bebidas. Thales não estava ali para conquistar seu coração. Gradualmente, o nome da irmã foi sendo despejado à mesa até não ser mais possível falar de outra coisa.
Ela sabia identificar muito bem o interesse que as pessoas nutriam por Alana, e por mais que o jovem Montenegro disfarçasse essa pretensão ao amaciar o seu ego, era evidente que estava sendo usada para ele se aproximar da irmã.
Decepcionada e aborrecida, decidiu oferecer a ele uma informação chocante sobre si mesma.
— Quando eu e minha irmã terminarmos a escola, vamos prestar juntas o exame de alistamento.
Thales arqueou as sobrancelhas, esboçando uma surpresa contida. Sara aproveitou para provocá-lo mais um pouco.
— O que foi? Acha que eu não consigo passar?
— Bem, isso eu não sei — respondeu, pondo a mão sobre o queixo. — Mas… existe uma outra questão que vem antes disso, não acha? — Agora foi a vez de Sara arquear as sobrancelhas. — Só podem prestar o exame para a Academia aqueles que estudam numa escola fidalga. Mas você estuda numa vulgar, não é? E se te excluíram na hora de cursar uma escola fidalga, não acha que também será barrada no Centro de Alistamento?
— Meu pai disse que vai dar um jeito — respondeu. Essa era uma preocupação que às vezes pairava em seus pensamentos, porém confiava no pai e preferia não pensar nas complicações.
Thales soltou uma risada curta, quase condescendente.
— Desculpe, Sara. Mas acho que você está superestimando o Camilo. Ele pode ter adquirido o sobrenome “Buarque” para formalidades após a morte da sua mãe, mas isso não faz dele uma pessoa influente como um verdadeiro Buarque seria. Veja, o nível da aura é o que define nosso status na fidalguia — disse o rapaz, alisando seus próprios cabelos.
Aquela declaração em muito se aproximava às troças que costumava ouvir sobre sua aparência vulgar. E pensar que, nos primeiros minutos de conversa, ela acreditara que Thales pudesse ser diferente dos outros.
— Se quer mesmo garantir seu nome na lista de candidatos, vai precisar que alguém mais importante mexa os pauzinhos.
— E quem seria esse alguém?
Thales inclinou a cabeça em direção a um local da festa.
— Está vendo o casal daquela mesa? O homem de aura amarela e a mulher de aura laranja?
Sara os observou. Assim como o garoto à sua frente, os cabelos completamente coloridos do casal indicavam que pertenciam a uma família de ouro. O homem era alto e robusto, de pele clara e cabelos semilongos; a mulher, de estatura menor, tinha a pele escura e cabelos crespos e curtos.
— Durval Montenegro e Carla Fahrenheit. São meus pais… e supremo auranos.
Não à toa o sobrenome havia soado familiar. Durval Montenegro era um dos 12 supremos de Neriquia, a patente mais alta de um aurano, e, consequentemente, membro do Conselho Aurano junto à semideusa. Vez ou outra, ele era mencionado na revista Cores. na seção referente aos calouros da Academia.
— Meu pai é o diretor do Centro de Alistamento. Se alguém pode te colocar na lista de candidatos do CA, com certeza é ele.
Sara voltou o olhar para o casal. Algo naquela conversa não lhe cheirava bem.
— Por que está me contando isso?
Thales sorriu. Não mais aquele sorriso de acolhimento, e sim de vaidade.
— Nós queremos te propor um acordo. Um muito simples — Tomou um gole de sua bebida, deixando um suspense no ar. — Depois que Alana e o pai abrirem a dança, o próximo par da debutante será você ou um rapaz. Quero que converse com sua irmã e garanta que seja um rapaz. Não preciso dizer quem, preciso?
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