…Eu abri os olhos.
O que eu vi acima de mim foi um teto de pedra. Onde eu estava?
Eu tentei recordar do que aconteceu momentos antes de apagar. John havia lançado um feitiço. “Black Out” era o nome, um feitiço cujo o propósito é nocautear os seus alvos. Um método limpo para se livrar de seus adversários.
Mesmo ainda sentindo-me desnorteada pelo feitiço, levantei-me.
Eu estava em um pequeno quarto cuja as paredes, assim como o teto, eram feitas de pedra. Eu estive deitada em uma dura cama de madeira coberta por uma roupa de cama branca. O cômodo era iluminado por lamparinas penduradas nas paredes.
Não havia muito naquele quarto. Além da cama, havia um criado-mudo com uma vela usada e apagada, uma mesa com uma cadeira e um longo objeto desconhecido que estava encostado na parede, embrulhado por tecido e cordas.
Ao sair da cama, notei que havia um papel dobrado na mesa, com uma chave metálica sendo usada como peso, então eu fui até a mesa e desdobrei o papel. Havia um texto escrito nele, cuja a primeira linha dizia “Para Amaris Welimir”, o que me fez mais inclinada a continuar lendo.
“Saudações,
Você deve estar se perguntando sobre a sua atual localização.
Eu irei te esclarecer: Você está nas Masmorras de Avalon.
Este lugar em que você se encontra é uma estrutura criada aos moldes das masmorras usualmente encontrada por aventureiros com o intuito de pôr em prova as habilidades dos alunos que vêm aqui. E é justamente por este o motivo de você estar aqui.
Tanto você quanto os demais estudantes que foram selecionados estão aqui para terem suas habilidades testadas. Suas aptidões, repertório, tomada de decisão e limites serão avaliados. Portanto, o seu objetivo é claro: sair das masmorras.
Não se preocupe, você não irá correr risco de morte durante esse teste.
Baseado nos dados recolhidos a seu respeito, preparamos uma ferramenta adaptada a suas capacidades e necessidades. Sinta-se livre para usá-la como achar viável durante o teste, pois ela será sua.
Use a chave que você encontrou junto deste papel para destrancar a porta deste cômodo.
Isso é tudo que precisa ser dito. Desejo-lhe sorte e prossiga com cautela.
Assinado,
Hugo Reignia”
O Sr. Reignia! Então era isso que ele quis dizer quando falou para a Erina e eu que as coisas não seriam fáceis para a gente!
E esse lugar… era nisso que meu irmão e ele estavam trabalhando durante o ano passado?
Todos aqueles testes que o Sr. Reignia mandou o John fazer foram para essas masmorras?
Mas por que eles precisam de masmorras? Para avaliar os alunos? Isso aqui é uma escola, pelo amor da Deusa! Já não tem métodos de avaliação o bastante?!
E o mais importante, por que justamente eu, Erina e os outros seis precisamos ser avaliados? O que o Sr. Reignia viu na gente que não viu nos demais?
Bom, a Erina tem a benção da Deusa Protetora, será que tem alguma correlação? Talvez não. Até onde eu saiba, eu não tenho uma benção divina.
…Ou talvez faça sentido se cada um de nós for selecionado por um motivo único. Se for esse o caso, qual seria o meu motivo? Pode ser por causa do irmão. Talvez o Sr. Reignia queira averiguar se o nosso parentesco me dá as mesmas aptidões que ele!…
…Peraí! Eu tenho que pensar em minha situação atual! Eu fui nocauteada pelo meu próprio irmão, colocada em uma masmorra contra minha vontade e agora eu tenho que arranjar um jeito de sair daqui! E não vai ser uma tarefa simples, porque eu não sei se o Sr. Reignia não percebeu mas eu sou uma suporte! O meu ponto forte é curar ferimentos e dar efeitos positivos aos aliados e efeitos negativos pros meus adversários.
O meu repertório me permite manter a equipe de pé por mais tempo – enquanto eu me mantenho viva – , aumentando a nossa chance de vitória. Mas eu não tenho equipe nenhuma! Eu tô sozinha aqui!
Sr. Reignia, como você quer avaliar minhas aptidões se não tem ninguém comigo?! Eu preciso de pessoal para dar suporte para mostrar que eu sou boa no que faço. Ele tá querendo que eu vire uma DPS[1] da noite pro dia, é isso?!
Eu tenho que manter a calma. Entrar em pânico não vai me ser útil agora. Por ter me dedicado bastante a magias de suporte, meus feitiços ofensivos não são tão extraordinários, mas, se eu usar a cabeça, eu posso fazê-los render. Eu só preciso escolher minhas lutas com sabedoria e vou conseguir me virar.
Aliás, o Sr. Reignia mencionou no papel que havia uma ferramenta preparada para mim…
Olhei para o objeto desconhecido apoiado na parede. Deve ser essa a tal ferramenta. Com cuidado, desamarrei as cordas e puxei o tecido, revelando a verdadeira identidade do equipamento que me foi concedido. Meus olhos se arregalaram: era um cetro mágico! Um cetro de verdade! Ao invés de uma varinha, deram-me um cetro!
O item era comprido, superando minha altura. Ele mostrava ser resistente e ao bater nele, podia-se ouvir um som sólido. A sua comprida haste se encaixava perfeitamente na garra de minhas mãos. Ele era prateado, com alguns detalhes em azul bebê e, separando o topo da haste, estavam dois anéis azuis. No topo, o cetro formava um arco com cavidades redondas enfileiradas e, no espaço dentro do arco, havia uma grande orbe roxa brilhante!
Eu continuei incrédula, segurando aquela belezinha em minhas mãos. No papel tava escrito que essa ferramenta agora era minha, mas ela seria minha durante o período do teste ou pra vida toda? E se fosse pra vida toda, seria um presente ou eu teria que pagar? Eu já conseguia imaginar o número de aventureiros que eu teria curar como curandeira mercenária para pagar por uma preciosidade dessas.
Ter esse cetro em mãos me fez sentir mais determinada. Eu senti que eu poderia facilmente enfrentar essa masmorra e tudo que ela jogasse a meu caminho, então eu peguei a chave na mesa, coloquei-a na fechadura, girei-a e abri a porta. Aqui vou eu!…
…E minha animação foi embora assim que eu atravessei a porta.
Entretanto, não havia mais volta, se eu quisesse sair dali, eu precisava seguir em frente.
Enquanto eu explorava as masmorras em busca da saída, tentei me confortar com algumas lembranças da vida passada. Antes de reencarnar, eu vivia em um mundo em que existiam computadores e, nesses aparelhos, eu jogava muitos MMORPGs[2]. Nos jogos, a gente podia criar personagens de diferentes classes e eu, na maioria das vezes, escolhia as classes de suporte – nem sempre elas tinham o mesmo nome em todos os jogos.
A parte engraçada é que, por mais que as classes de suporte sejam utilizadas por jogadores que andam em grupo, eu era muito bicho do mato e jogava sozinha. Foram poucas as vezes que eu participei de uma guilda em um jogo e nessas poucas vezes eu não falei com ninguém. Devem ter pensado que eu era um bot[3] ou coisa do tipo.
Por mais que tivessem outras classes mais apropriadas para jogadores solos, eu continuei escolhendo as classes de suporte. E, honestamente, eu não me arrependo. No fim, eu sempre dava um jeitinho de melhorar meus atributos para conseguir dar muito dano. Então, de certa forma, eu já consegui ser uma DPS antes! Tá, não vai ser a mesma coisa – eu não estou mais em um jogo –, mas eu vou me virar.
Os primeiros monstros que eu avistei foram slimes: criaturas feitas de gosma que, dependendo do quanto elas se alimentasse, poderiam ficar maiores que um humanos adulto. Nem sempre ter um corpo enorme é conveniente, então os slimes que eu encontrei eram do tamanho de uma criança. Devido a sua consistência gelatinosa, essas criaturas eram resistentes a ataques físicos, porém, em compensação, sua resistência a magia era fraca. Em outras palavras, slimes são os alvos perfeitos para magos iniciantes!
Os slimes que eu encontrei eram verdes, então deveriam ser do elemento terra, portanto ataques mágicos de fogo dariam mais dano. Foi dito e feito, lancei umas bolas de fogo neles e eles viraram uma poça verde no chão. Uma vitória rápida com um feitiço básico. Como eu tinha dito, eu só precisava usar a cabeça.
Enquanto prosseguia, eu me perguntava onde estavam os demais. Quais seriam as ferramentas que cada um recebeu? É uma escola de magia, então devem ter sido cetros. Será que eu iria encontrá-los eventualmente ou esse lugar foi estruturado de uma forma que impeça-nos de encontrar-nos, não importa o que façamos?
À medida em que andava, eu observava a aparência das masmorras. Suas paredes e teto, assim como os do quarto em que eu acordei, eram feitas de pedra – umas cinzentas e outras beges. Entre as frestas das rochas, cresciam pequenas plantas. Todo o lugar era iluminado por bolas de luz mágicas que flutuavam ao redor. Além disso, haviam levas de escadas com rampas aos lados, o que indica que haviam múltiplos andares. Era como se eu estivesse nas ruínas de uma pequena civilização subterrânea. Quanto tempo levou para se construir um lugar tão elaborado?
O início da minha jornada não foi diferente do que se era esperado: eu explorava os corredores e matava os monstros que viessem me atacar – Como a mana era meu maior recurso, resolvi não atacar monstros que não reagissem a minha presença. Como os monstros que eu encontrava eram fracos a ataques mágicos, foi bem fácil acabar com eles. Confesso que eu acabei me divertindo, sentindo-me como se eu fosse a mestra daquela masmorra.
Entretanto, em meu momento de diversão, eu acabei me deparando com uma criatura semelhante a um besouro rinoceronte, porém ela não era pequena, devia ter um metro de comprimento e ficava um pouco abaixo dos meus joelhos. Além disso, ela tinha dois olhos enormes e azuis posicionados com o seu chifre no meio. Seu corpo era colorido por um rosa bebê e um azul bem clarinho. Uma paleta de cores bem coquete para um monstro com características de um tipo forte de besouro.
Tentei passar por ele sem brigar, mas, ao me notar, ele veio rapidamente em direção. Estava claro que ele queria uma luta. Fui mais veloz que ele e conjurei uma bola de fogo, que se lançou contra o monstro como um raio, impedindo-o de desviar.
Entretanto, para a minha surpresa – e infelicidade –, o máximo que minha bola de fogo fez foi empurrá-lo um pouquinho. À princípio, pensei que ele era resistente ao fogo, então, por reflexo, conjurei um espinho de gelo e lancei contra o monstro sem demora. Mais uma vez, o meu ataque só fez empurrá-lo. Só havia uma explicação. “Um monstro resistente à magia!” Praguejei quando cheguei à conclusão.
O monstro besouro, agora recuperado, continuou indo até minha direção. Eu não estava disposta a gastar toda minha mana uma única criatura resistente à magia – sabe-se lá com o que eu poderia me deparar depois –, então eu tomei um desvio de rota. Felizmente, ele não me seguiu, provavelmente ele interpretou minha aparição como uma tentativa de invasão ao território dele.
Após ter me livrado daquele pequeno inconveniente, respirei aliviada, mas eu sentia uma leve irritação e era à respeito do Sr. Reignia. Um monstro com resistência à magia antes da hora, meu caro?! Não só ele deixou uma suporte sozinha, como também deixou fácil para monstros resistentes à magia encontrá-la! Esse tipo de monstro só deve aparecer quando o mago encontrar um aliado que faça ataques físicos, tipo um guerreiro! Quando se trata de testes individuais, essa masmorra é terrivelmente desbalanceada!
Não fiquei irritada por muito tempo e logo me acalmei. Todavia, quando eu subi uma leva de escadas, cheguei em uma grande área com três entradas em forma de arco – uma ao norte, outra ao leste e outra a oeste – e, para minha infelicidade, estava repleta de monstros-besouros! Eu havia pensado que, ao desviar daquele besouro de antes, eu estaria evitando o território de sua espécie, mas aparentemente aquele apenas havia se afastado no grupo. Será que aquele besouro solitário era um chamariz para fazer qualquer mago desviar o caminho e cair diretamente no domínio desses monstros? Se for esse o caso, eu caí na armadilha.
Se foi algo planejado ou não, não importava. Estava claro que, ao fugir, tornei inevitável minha luta. Eu estava em desvantagem numérica, além de que meus inimigos eram capazes de resistir aos meus ataques, mas nem tudo estava perdido. Minha mãe e meu pai haviam me dado uma dica essencial para situações como essa: “Quando você precisar lutar contra uma criatura resistente à magia, siga esses passos: use o ‘aumentar força’ e ‘aumentar velocidade’ em você, depois use o ‘aumentar durabilidade’ no objetivo que você esteja usando e aí é só descer o cacete no monstro até ele quebrar!”
Apliquei os feitiços em mim e no cetro mágico. Assim que eu terminei, vi o primeiro besouro correndo em minha direção. “Criatura ingênua” pensei. Quando ele ficou próximo o bastante, dei-lhe um golpe por cima com o cetro, deixando-o completamente esmagado no chão.
Os monstros ao redor devem ter achado que eu apenas tive sorte, pois vários decidiram vir juntos me atacar. Isso era benéfico para mim, pois o efeito dos feitiços era temporário, então, quanto mais cedo eu me livrasse deles, melhor. Meu corpo se movia com leveza e rapidez, mas meus golpes com o cetro tinham uma força letal. Parecia que eu estava performando uma dança e a cadência era impacto do cetro mágico contra os insetos. Um a um, aqueles besouros foram esmagados pela minha dança da violência. Em pouco tempo, eu era a única ser viva ainda de pé e os chãos e paredes estavam repletos de corpos de insetos esmagados.
Ao avaliar os resultados do meu embate e confirmar minha vitória, minha respiração ficou ofegante e meus batimentos cardíacos intensos. Eu estava extasiada e, naquele momento, senti-me invencível. O efeito da adrenalina me era tão forte que perdi o controle de mim mesma e comecei a rir incontrolavelmente.
- Hahahahaha! Acharam que iam levar a melhor? Acharam errado! Eu sou a mestre aqui! A sua ilustre senhora! Hahahahahaha! …Eh?
Meu momento de invencibilidade imaginária foi bruscamente rompido no momento em que uma ameaça surgiu em minha frente. Outro monstro-besouro, só que o rosa e azul dele era mais escuro e, ao invés de ter ser baixinho, ele era gigantesco! Se ele tentasse erguer o corpo, seu chifre tocaria no arco da entrada! E justamente essa criatura de tamanho intimidador era quem estava me encarando.
Engoli seco. Provavelmente ele era o líder – ou pai ou mãe – dos besouros menores e, ao matar os pequeninos, eu acabei de desafiar a autoridade dele. Sem querer, acabei comprando briga com um bicho gigante que, pra piorar, era resistente aos meus ataque mágicos!
Com os poucos segundos que eu tive, avaliei minha situação: o besouro gigante provavelmente era mais forte que os pequenos, então derrubá-lo com um golpe não seria possível. Eu precisaria usar muitos feitiços em mim mesma e no cetro, sem contar nos feitiços de cura que eu precisaria! Mesmo se eu ganhasse, eu ficaria vulnerável e teria contar com a sorte para não encontrar outro monstro do mesmo nível até que eu conseguisse me recuperar. Era uma batalha perdida.
Só me restava uma alternativa… correr!
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