Olhei confusa para o rosto de Erina. Apesar de ela ter anunciado que Gregório havia sido um tipo difícil, não havia frustração no rosto dela. Ela parecia estar entretida.
- Pra alguém que acabou de lidar com um cara difícil, você tá bem felizinha – comentei.
- Sabe o que é? – Erina levou as mãos até as bochechas – Quando eu vejo um homem frio, do tipo que se faz de lobo solitário, me dá uma vontade de derreter o coração dele e fazê-lo meu! Você não sente o mesmo?
- Eu sinto vontade de um tapa nele pra ver se ele aprende a ter modos, isso sim!
- Ah, mulher, é sobre conseguir aquele que ninguém havia conseguido até agora, entende?
- Prefiro aqueles que eu consigo entender o que sentem – Dei de ombros.
Durante essa conversa, já havíamos saído do edifício principal. No entanto, antes que pudéssemos chegar a biblioteca, um veterano nos parou e disse-nos que deveríamos ir ao auditório imediatamente, pois daqui a pouco a cerimônia de entrada começaria. A nossa ida a biblioteca teria que ficar para o dia seguinte.
Sem mais escolhas, Erina e eu entramos no auditório. Aquele lugar me lembrava a um palco de teatro, só que em uma escala menor. Encontrei dois lugares em uma fileira mais a frente e levei minha amiga até lá.
Após nos sentarmos, olhei ao redor para ver os estudantes que estavam sentados e acabei encontrando Ozul há algumas fileiras atrás. Para minha surpresa, Ozul me notou e acenou para mim com um sorriso amistoso no rosto e eu retribui. Erina percebeu que eu acenei para alguém e se virou para ver quem era a pessoa. Ao avistar Ozul, Erina olhou para mim de uma forma bem sugestiva e em resposta eu apertei o braço dela para lembrá-la que estávamos em público.
Enquanto a cerimônia não começava, decidi pegar o livreto da escola que eu guardei no bolso interno do casaco e folhea-lo. Era basicamente um guia para os novatos se sentirem menos perdidos quando chegassem aqui. Passando rapidamente pelas páginas, cheguei ao final, onde tinha um aviso que informava que um professor, após a cerimônia, iria me chamar para um “procedimento importante”. Infelizmente, não havia detalhamento algum, o que era estranho, pois o resto do livreto era bem explicativo.
- Ei, Erina – cutuquei o ombro dela – você faz ideia do que seja esse tal “procedimento importante”?
- Nenhuma ideia. Será que é algum tipo de exame de saúde ou algo do tipo? – Erina ponderou.
- Sei não. Essa falta de detalhes me dá medo. Por que eles iriam querer nos pegar de surpresa?
Infelizmente, meus questionamentos foram interrompidos quando as luzes do auditório foram apagadas, deixando acesas aquelas que iluminavam o palco. Aquele era o sinal de que a cerimônia começaria naquele instante.
De dentro dos bastidores, saiu uma mulher que vestia uma túnica azul-marinho com detalhes verdes e calçava sapatos também azuis. Seus cabelos grisalhos – que eu não sabia dizer se era a cor natural de seus cabelos ou se eram sinais da velhice – estavam amarrados em um coque alto. Por suas orelhas longas e pontudas, ficava evidente que era uma elfa.
A mulher caminhou com os olhos fechados até o palanque no meio do palco, mostrando que já havia feito aquele percurso a muitos anos. Quando ela chegou ao palanque, ela abriu seus olhos, mostrando a sua íris cor de abóbora. Ela ajustou o microfone até a altura de sua boca e começou o seu discurso:
- Boa tarde! Para aqueles que não me conhecem, sou a diretora desta instituição: Navidia Mountainglare – em seguida, ela limpou a garganta – Há muitos séculos atrás, a magia era vista como algo com o que convivíamos, mas longe do nosso alcance. Entretanto, tudo isso mudou quando os primeiros seres sencientes aprenderam a manipular a mana! Isso foi um divisor de águas para muitas sociedades, porém ainda haviam desafios. Grande parte dos magos estavam limitados ao apoio e necessidades de suas famílias e comunidades. A viagens em busca de conhecimento era o luxo de pouquíssimos. Nesse cenário, o dia em que os magos estagnariam se aproximava em uma velocidade assustadora.
Quando Navidia falou das viagens, lembrei-me de Elbern. Se ele e eu tivéssemos nascidos a muito tempo atrás, provavelmente ele não teria como se tornar um viajante e nunca se tornaria o aprendiz do meus pais. Ele teria ficado na sua terra natal e aprenderia apenas aquilo que beneficiasse seu povo, nunca indo mais longe. Ou seja, nós nunca teríamos nos conhecido!
- Entretanto – Navidia continuou – foi por esse motivo que as instituições de educação mágica foram criadas, para que os magos tivessem a chance de chegarem ao seu potencial! Avalon foi uma dessas escolas que surgiram. À princípio, tudo parecia estar funcionando como deveria, porém, quando esses alunos se formavam e deixavam a escola, eles não conheciam o mundo e tornavam-se vítimas de ataques e golpes de mal intencionados. Foram esses infortúnios que deixou claro que não devemos apenas entregar o conhecimento aos magos, mas também prepara-lós para a vida fora desse campus! Justamente pela segurança de nossos alunos, nosso currículo inclui o treino para o combate.
Navidia respirou fundo para continuar o seu discurso, agora com uma voz mais forte e orgulhosa.
- Por muitos anos, Avalon foi conhecida por guiar seus estudantes para uma vida boa, seja na carreira militar, na pesquisa, nas artes ou o que fosse, o que inspirou a adotar um símbolo que rapidamente foi associado à academia: uma bússola. E por mais um ano, a bússola de Avalon nos trouxe novos magos para educar! Por isso, como sua diretora, eu dou as boas vindas aos novos rostos que se juntaram a nós e aos velhos rostos que retornaram para mais um ano! Que nem mesmo a névoa mais densa os impeça de seguir seus caminhos!
Com o fim de seu discurso, emergiu uma salva de palmas. A diretora fez uma pequena referência e anunciou que daria espaço para que os professores se apresentassem.
Os professores foram, um a um, até o palanque e fizeram sua apresentação. Entretanto, quando foi a vez meu irmão John se apresentar, algumas alunas começaram a dar gritinhos como se ele fosse um cantor famoso! E alguns meninos também! Meu irmão deve ter sido veterano deles antes de se formar, por isso toda a comoção. Para não ficar para trás, Erina também deu gritinhos. Ela o chamou de “lindo” e quase chegou ao ponto de chamá-lo de “tesão”, mas eu tapei a boca dela antes que ela completasse a última sílaba.
Após a longa apresentação dos professores, Navidia voltou para o palanque e nos comunicou que haveria uma festa de boas vindas no ginásio e nos convidou a ir. Com isso, nós nos levantamos e, seguindo os veteranos, fomos até o ginásio.
Dentro do ginásio, havia, encostada em uma parede, uma comprida mesa repleta de comidas e bebidas, mesas circulares e cadeiras organizadas de forma que deixasse no centro um espaço livre para os alunos que quisessem dançar. Tendo comida e música boas, os alunos logo se sentiram mais à vontade e animados, alguns foram dançar e outros foram comer e interagir com os demais.
Erina e eu decidimos ir ver as comidas. Alguns pratos me lembravam aos salgadinhos servidos nas festas de aniversário na minha vida passada e outros eu reconheci das festas chiques que Erina já havia me levado. Por uma questão de nostalgia, eu peguei os que pareciam salgadinhos e os experimentei. Santa Deusa, o gosto também era parecido!
Enquanto nós apreciamos os salgados, Erina sugeriu que procurássemos Ozul e que eu o chamasse para dançar. Pessoalmente, não achei uma má ideia. Caso não funcionasse, eu ainda poderia passar o tempo com ele e descobrir mais sobre ele.
Eu perguntei a Erina se ela iria atrás do Gregório e ela me respondeu “De preferência, sim”. Ela também disse que “Por Gregório ser do tipo mais difícil, ela teria que prosseguir de pouco em pouco, de maneira persistente, até que ele baixasse suas defesas e começasse a se abrir” e que, por ora, ela me acompanharia na “conquista do meu primeiro garoto” – tenho que pensar se eu quero um harém antes que ela decida ir atrás de um “segundo”.
- Senhorita Banloros e Senhorita Welimir?
Todavia, fomos paradas antes mesmo de botar nosso plano em prática. Quem havia nos chamado era John, agindo conforme o combinado e fingindo que não conhecia a gente.
- Vocês poderiam me acompanhar? – Ele prosseguiu – É para um procedimento importante. Acredito que foi mencionado no livreto que receberam.
Atrás dele estavam mais seis pessoas: Um garoto de cabelos verde-menta, um ruivo de pele pálida, uma garota de cabelos e olhos azuis, uma garota com orelhas e cauda de lince, Gregório e Ozul. Então Erina e eu não fomos as únicas a receberem o comunicado.
Eu olhei para Erina, um pouco receosa. Por mais que fosse meu irmão me chamando, a natureza e intenções misteriosas do comunicado ainda me preocupavam. Erina assentiu. Pelo menos ela parecia estar confiante e isso me deixava um pouco mais tranquila, pois eu sei que ela é forte o bastante para proteger nós duas.
Tanto eu quanto Erina optamos por seguir John, junto dos outros alunos, para onde quer que ele nos levaria.
Eu não falei com nenhum dos outros estudantes durante o caminho. Mesmo Ozul estando lá, eu permaneci em silêncio. Para ser mais exata, todos estavam quietos também. Havia uma tensão entre nós tão forte ao ponto de que ninguém tinha palavras para dizer. John nos guiava caminhando a frente de nós, com suas costas viradas para a gente. Em nenhum momento ele se virou para olhar-nos.
John havia nos levado a um construção que me lembrava a um galpão de armazém. Usando uma chave que ele tirou do bolso, John abriu os cadeados e destrancou a grande porta, abrindo-a em seguida.
- Entrem – Ele ordenou, com uma voz distante.
Mesmo com a porta do galpão aberta, seu interior continuava escuro como um breu. Todos nós nos entreolhamos, questionando se deveríamos obedecê-lo. John já estava do lado de dentro com a mão segurando a borda da porta. A escuridão do local deixava-o mais sombrio. Ele nos encarou imóvel. Estava claro que a única escolha que nos foi dada era entrar no galpão e assim, contrários aos nossos receios, entramos a passos curtos.
John fechou a porta atrás de nós, deixando-nos no completo escuro. Por instinto, nós aproximamos uns dos outros até onde fosse fisicamente possível. John lançou um feitiço mentalmente, fazendo surgir uma pequena bola de luz em sua mão, que ele fez flutuar para acima da gente. Apesar da gentileza, ele ainda aparentava estar indiferente ao medo de seus estudantes.
- Obrigado por virem aqui – Ele disse enquanto caminhava até a nossa frente – Eu sei que vocês podem estar com medo. Não se preocupem, vocês não correm risco de morte.
Engoli seco. Não tem o risco de morte, mas e os outros riscos?! Por que meu irmão está agindo assim? Por mais que ele estivesse agora com a sua persona de professor, o seu comportamento continua sendo estranho!
Por desencargo de consciência, fiquei mais próxima de Erina e fiquei atrás dela, segurando sua mão. Ela estava bem séria. Por mais que antes ela estivesse confiante, o comportamento de John também a estava assustando.
- Agora irei dar início ao procedimento…
John olhou para a própria mão e depois olhou para a gente com um olhar ameaçador e frio. Antes pudéssemos ter alguma reação à altura, John fez um movimento de corte rápido com o braço e gritou:
- Black Out!
E, depois disso, eu não me lembro de mais nada.
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