Assim que deixei Ozul no dormitório, coloquei minha mão no peito. Meu coração estava acelerado. Eu não fazia ideia de que eu estava tão nervosa até ficar sozinha.
E tudo isso é por culpa da Erina, aquela minha amiga doida! Que ideia mirabolante foi essa que ela teve: ela avistou o primeiro garoto de óculos que ela achou bonito e tentou bancar uma cupido pra cima de mim! E com “bancar uma cupido”, eu quero dizer que ela usou magia para jogar os óculos dele para minhas mãos para eu ter que falar com ele, enquanto ela saia de fininho!
Ela por acaso não pensou que poderia dar errado? E se o Ozul descobrisse ou alguém dedurasse Erina pra ele? O plano dela cairia por terra!
…E mesmo assim, ela encontrou um bom rapaz.
À princípio, eu pensei que Ozul era do tipo tímido e reservado, pois, depois que ele teve seus óculos devolvidos por mim e se desculpou pela cena que causou, ele sentiu fome, mas parecia hesitante em pedir ajuda. Era como se ele estivesse com medo de parecer um incômodo.
No Balad, ele até puxou um pouco de conversa, mas eu tive a impressão de que ele só fez isso por achar o silêncio constrangedor. Nessa hora, eu senti que minha presença estava sobrecarregando ele e até cogitei que eu fiz errado ao continuar do lado dele.
Entretanto, tudo isso mudou quando ele finalmente tomou um gole de café. Ele parecia muito mais disposto do que antes. Acho que a timidez de antes foi a mistura de ansiedade, fome e, possivelmente, privação de cafeína.
Enfim, graças ao café e a comida, ele parecia bem mais humorado do que antes. Ele não só estava conversando mais, como também estava interessado em me ouvir. Ele estava tão ávido ao meu respeito que eu confesso que, dessa vez, eu fui a tímida da situação. E, como a refeição dele era deveras grande, nossa conversa rendeu bastante. Ele falou mais sobre a vida dele e, é claro, eu falei da minha também – só que eu quase revelei que John era meu irmão, mas eu consegui disfarçar e eu acho que Ozul nem notou.
Concluindo, eu não tenho reclamações a respeito dele. Ele foi educado e foi um bom ouvinte, gosta de café e parece ter uma boa relação com a família. Sem contar que eu o achei bem bonito. E a voz dele também é maravilhosa! Não me arrependo de ter convidado-o para conversar mais comigo na academia!
Erina escolheu muito bem esse garoto!… Que nada! Aquilo foi pura sorte! A Deusa Protetora também a abençoa na busca pelos machos?!
Falando na Erina, eu queria encontrá-la. Para onde ela teria ido depois que me deixou na estação de trem? Eu me lembrava que, antes de Erina realizar o seu esquema para me juntar a Ozul, ela estava de olho num loirinho dos olhos azuis e frios. Talvez ela tenha ido atrás dele!
Mas eu não fazia a menor ideia de onde esse loirinho estava.
Sem ter nenhuma pista, resolvi ir direto para o campus. Afinal, com a cerimônia de entrada, eu eventualmente iria me encontrar com Erina.
A sensação de atravessar os portões de Avalon era como se eu tivesse entrado em um mundo novo. O campus era grandioso: ele tinha o seu edifício principal, mas haviam muitos outros edifícios ao redor, todos conectados por calçadas de pedras beges. Todas as construções tinha paredes de pedra marrom claro, com colunas entre as janelas feitas com pedras de um tom mais escuro de marrom. O telhado parecia ser de alvenaria e suas telhas eram azuis. O uso dessas cores quentes e frias, com seus tons mais terrosos, davam ao campus um ar acolhedor mas sem ser espalhafatoso.
Em frente e ao lado da entrada de cada edifício, havia uma grande pedra retangular fincado ao solo com uma placa de metal com o nome do lugar.
Haviam três possibilidades de onde Erina poderia estar: No ginásio, procurando por garotos se exercitando; no edifício principal, explorando as salas de aula; ou na biblioteca, fascinando-se com o acervo da escola. Decidi que iria começar pelo prédio principal. Se eu desse sorte, talvez eu a encontrasse já no térreo.
Fui para o interior do edifício principal e comecei minha busca pelos corredores do térreo. Observei o interior das salas de aula. Eram muitas, então não entrei em todas, mas as que eu vi seguiam um padrão: carteiras para dois estudantes organizada em fileiras e colunas, com a mesa do professor e uma lousa em frente às carteiras, janelas em paralelo a porta e estantes com livros no fundo da sala.
Passei por portas que diziam “Diretoria”, “Sala de Reuniões”, “Sala dos Professores” e “Laboratório”. Não entrei nessas salas, para evitar problemas.
A última sala que eu fui ver foi a enfermeira, pois deduzi que não ficaria encrencada se entrasse. Era um grande cômodo com duas longas fileiras paralelas de camas com cortinas entre cada cama. Também haviam armários com janelas de vidro que me permitiam ver a variedade de poções e remédios guardados e escrivaninhas para os enfermeiros. Acho que os enfermeiros também devem usar magia de cura. Talvez eu deva me voluntariar aqui nas horas vagas para melhorar minhas habilidades…
- Ah, você tá aí!
Eu pulei de susto quando eu ouvi alguém do nada aparecer atrás de mim. A pessoa riu da minha reação. Eu me virei para encará-la, mas quando meus olhos se fixaram nela, eu a reconheci.
- Erina! – Exclamei – onde você esteve?
- Eu estive procurando por meu boy de cabelos loiros e, depois que eu o encontrei e falei com ele, eu fui te procurar. Achei que você estaria na biblioteca, mas aí eu não te achei, então eu vim aqui.
- Ai, eu devia ter ido na biblioteca primeiro – suspirei.
- Ei, já que você não foi à biblioteca, quer ir agora? – Erina sugeriu – Você vai amar! Ela era gigantesca e cheia de todo tipo de livro! Basicamente seu sonho de consumo! Acho que ainda dá tempo. Vamos!
Ela pegou minha mão e me guiou para fora da enfermaria.
- À propósito – Erina começou a falar enquanto andávamos – como foi com o seu pretendente? – ela deu uma piscadinha.
- “Pretendente”?
- O garoto de óculos que eu te arrumei!
- Ah, o Ozul. Foi tudo bem. A gente tomou café juntos e conversamos.
- E aí? O que você achou da minha “seleção”?
- Ele é bom.
- Só isso? – Erina bufou – tem mais coisa que eu sei, então abre o jogo!
- Bem, – mexi em minha trança enquanto buscava palavras – o Ozul parecia ser alguém ansioso e nervoso, mas isso é porque era o primeiro dia dele aqui. Quando ele teve a oportunidade para relaxar, ele se mostrou ser educado e até mesmo um bom ouvinte, me estimulando a falar mais. Além disso, ele gosta de café que nem eu e tem uma irmãzinha chamada Nina. De todas as formas, ele deixou uma boa impressão em mim.
- Então quer dizer que você gostou dele?
- Pode-se dizer que sim.
- Hmmmm… – Ela sorriu cheia de orgulho, mas logo seu tom mudou para um sugestivo – Espero que tenha feito bom proveito do meu dinheiro.
- Ah, eu usei para comprar um café e um bolinho – Respondi, devolvendo a bolsinha de dinheiro a Erina.
- “Um café e um bolinho”? – Ela perguntou retoricamente, expressando frustração – Pô, Amaris! Eu te dei o dinheiro justamente para você aproveitar com aquele garoto!
- “Aproveitar” em que sentido?
- Sabe, com um lugarzinho mais particular e reservado para vocês ficarem a sós e terem um momentinho prazeroso e íntimo.
Senti meu rosto ficar mais quente. As palavras “a sós”, “prazeroso” e “íntimo” se misturam à imagem de Ozul em minha mente, fazendo-me pensar em coisas indecentes.
- Você tá falando de um motel?
- Acertou! – Ela admitiu sem escrúpulos.
- A doida nem nega… – suspirei – O que te fez pensar que ir pra um motel com um cara que eu acabei de conhecer, mas que você acha que combina comigo, iria ser uma boa ideia?!
Enquanto eu tentava afastar os cenários eróticos envolvendo o Ozul que eu acabei formulando em minha cabeça involuntariamente, Erina se pôs a justificar suas ações.
- Sabe, eu ainda me lembro do que você me falou no passado, Amazinha. Você disse que o John parecia ser um protagonista de um livro adulto e, já que estamos na mesma cidade que ele, encontros como esse não seriam incomum! São encontros “íntimos” como esse que desencadeia uma série de eventos que resultará na formação de um novo casal!
- Por favor, me diz que você só tá falando isso pra tirar onda comigo.
- Calma, calma, mulher! – ela afagou minhas costas para me tranquilizar – Era zoeira, mesmo!… – em seguida ela sussurrou no meu ouvido – até porque o motel vem depois…
- Mulher! – Dei um tapa no ombro dela.
Erina riu das insinuações que ela havia feito ao meu respeito. De qualquer forma, eu não fiquei com raiva dela. Eu não era uma santa na vida passada, o que dirá nessa! Além disso, é libertador ter alguém com quem você pode falar sobre temas mais adultos sem ter vergonha. Eu só queria tomasse mais cuidado com os lugares em que ela fala essas coisas.
Do nada, Erina parou de rir e arregalou os olhos, como se tivesse se lembrado de algo crucial.
- Ah, menina, eu nem te contei como foi lá com o loirinho!
- Conta tudo, então! – minha curiosidade foi atiçada.
- Primeiro, quando eu fui procurar ele, eu me deparei com um grupo de nobres falando sobre ele e descobri duas coisas à respeito dele! – Ela gesticulou para que eu levasse meu rosto para mais próximo do dela.
- O quê? – Me aproximei dela.
- A primeira é que o nome dele é Gregório Callister. A segunda é que ele é o PRIMEIRO filho do Marquês e da Marquesa Callister!
- Um herdeiro!
Eu não fazia a mínima ideia de quem eram os Callisters ou sobre o domínio deles, mas eu tinha certeza que Erina estava interessada em trazer um primeiro filho para seu harém.
- Nesse caso, – continuei – você tirou a sorte grande.
- Eu sei! Hahahaha!
- Mas você conseguiu falar com ele?
- Oh, sim! Consegui. E a sós, inclusive!
- E como foi?
- Ele bancou o difícil!
- ….Ahn?
Comments (0)
See all