Saindo de um dormitório, um garoto de cabelos cor de menta e olhos pretos como grafite caminhava quietamente rumo ao auditório da academia, sem perceber que um outro garoto pálido e ruivo, com olhos cor de oliva, se aproximava furtivamente, desejando se divertir um pouquinho.
- Aê, cara! – o ruivo o surpreendeu por trás e colocou o braço ao redor do pescoço do garoto – Eu tava passando por um grupo de garotas e uma delas disse que te achou um gato! Ela é bem gatinha! Se eu fosse você, não perderia essa chance.
- O quê? Onde? – ingênuo, o garoto se virou, mas não viu garota alguma – Espera um momento… Você tá zoando comigo!
- Acertou! Hahahahaha, devia ter visto a sua cara, hahahaha!
- Você devia ter mais cuidado com quem se mete! Se fosse com outro, ele poderia te espancar!
- Obrigado pela preocupação, mas, se alguém fosse idiota de tentar levantar a mão contra mim, eu o faria se arrepender em instantes! – a expressão do ruivo ficou mudada, como se ele estivesse sedento por sangue e violência – Talvez eu até teria que me controlar para não arrancar a mão da pessoa… Brincadeira! – ele voltou a esboçar um sorriso e estendeu sua mão até o garoto de cabelo cor de menta – Sou Elias Arthuro.
- Ângelo Cardinal. Prazer.
E os dois apertaram as mãos. Ângelo prosseguiu com sua rota até o auditório e Elias insistiu em continuar seguindo-o, sem dizer nada. Ângelo não entendeu porquê ele continuava indo atrás dele, mas não tentou mandá-lo embora. Contanto que Elias não o incomodasse, Ângelo não via motivos para discutir.
- Hmmmmm… – Elias finalmente decidiu quebrar o silêncio – Deixa eu adivinhar: seus pais te obrigaram a estudar aqui como uma punição!
- O quê? Não! Eu estou aqui por vontade própria.
- Então por que você tá com uma cara esquisita?
A pergunta de Elias havia sido pertinente. Ângelo estava com a testa franzida e o olhar perdido. Claramente ele se sentia deslocado e nem havia se dado conta de que estava externando isso.
- É que… – Ângelo buscou em sua mente as palavras que queria dizer – é bem grande, sabe?
Elias, por sua vez, deu um sorriso travesso.
- Huuuummmmm, é bem grande, é? – Ele insinuou de forma indecente.
- A ESCOLA, seu palerma! – Ângelo gritou, fazendo Elias rir, mas em seguida abaixou o seu tom de voz – É tão grandiosa que me faz pensar como eu consegui chegar aqui.
O olhar de Ângelo se direcionou ao terreno da Academia Avalon e voltou a ficar perdido. Elias assentiu com a cabeça como sinal de que estava entendendo-o. Era óbvio que Ângelo precisava de encorajamento e Elias estava disposto a oferecer algumas palavras para motivá-lo, portanto ele deu uns tapinhas nas costas de Ângelo e disse-lhe:
- Olha, se você não se lembra ou não, não importa. O que importa é que você conseguiu entrar. Você já encarou a parte difícil! O resto você vai tirar de letra!
Aparentemente, as palavras de Elias conseguiram tirar um pouco do receio do Ângelo, pois o garoto agora não parecia estar mais perdido e voltou a olhar para o ruivo.
- …Você é bem despreocupado…
- Aí você me conquista! – Elias brincou e colocou as mãos no peito para insinuar que estava apaixonado.
Dessa vez, quem deu um sorriso travesso foi o Ângelo.
- …Será que não foi você que foi mandado aqui por punição?
- Touché!
Involuntariamente, Elias e Ângelo começaram a rir, como se fossem velhos companheiros que acabaram de contar uma piada interna. Sem quaisquer formalidades, naquele momento, os dois rapazes decidiram se tornar amigos, ou pelo menos tentar cultivar uma amizade.
………
Após verificar as malas e o seu quarto no dormitório, uma jovem garota de cabelos azuis e olhos da mesma cor foi até o parque descansar. Seu nome era Lynette Mildrin. Aquele seria seu primeiro ano estudando em Avalon. Por não conhecer ninguém em Norwill, ela estava sozinha, mas por algum motivo essa solitude a fazia se sentir mais leve e livre.
Sentada em um dos bancos, Lynette apenas se reclinou e fechou os olhos, permitindo-se relaxar enquanto sentia o vento tocar seu rosto e balançar seus cabelos recém cortados. Era tudo tão sereno para ela…
- Licença, mocinha!
…Até que uma voz interrompeu.
Lynette abriu os olhos para ver quem estava chamando-a. Era uma garota de pele escura, olhos âmbares e cabelos acinzentados. Julgando pela aparência, ela devia ter 15 anos, o que torna estranho o fato de ela ter chamado Lynette – de 16 anos – de “mocinha”. O mais curioso sobre essa garota era que ela tinha orelhas e cauda semelhantes a de um lince euro-asiático. Até o seu penteado tinha um formato parecido com a silhueta da cabeça de um lince. Ela era uma pessoa-fera.
- Você estuda em Avalon, não é? – A garota-lince perguntou – Eu tô com uma dúvida sobre essa escola.
Lynette olhou a garota de cima a baixo. Ela estava usando um casaco de pele com capuz, uma saia cor de grafite escuro, meia calça e botas. Em seus ombros, ela levava uma mochila de viajante bem grande, o que mostrava que a garota tinha braços e costas bem fortes. Lynette ficou desconfiada. Aquela vestimenta era muito incomum para uma estudante de Avalon, já que a cerimônia iria acontecer naquela tarde.
- E você seria…?
- Sou Rebeca Lirytad – A garota-lince deu seu nome – É meu primeiro ano aqui.
- E cadê seu uniforme?
- Eu tava usando o casaco da escola, mas aí eu encontrei um vendedor de cachorro quente e, como eu tava com fome, eu comprei um – Enquanto falava, Rebeca passou a mão no rosto para tirar as migalhas do pão que ficaram presas – Como eu não queria sujar o casaco de molho, então eu tirei ele e coloquei esse que eu tô usando. Mas se você quiser confirmar, vou pegar aqui na minha mochila.
Rebeca colocou sua mochila ao lado de Lynette e tirou de seu interior o casaco do uniforme. Isso diminuiu a desconfiança de Lynette.
- Com o que você quer ajuda?
Vendo que Lynette estava disposta a ajudá-la, Rebeca tirou de sua mochila um livreto, que era justamente aquele que era dado aos estudantes quando eram matriculados.
- É sobre a última página – Rebeca abriu o livreto no final e mostrou a Lynette, apontando para o texto contido na página.
Lynette pegou o livreto das mãos de Rebeca para averiguar a página. Havia somente um breve parágrafo com os seguintes dizeres:
“Após a cerimônia, um professor iria chamá-lo e pedirá para que o acompanhe. É necessário que você siga-o, pois isso é um procedimento importante.”
- Minha dúvida é nesse tal procedimento importante. Eu não recebi nenhum detalhe a mais sobre isso – Rebeca se esclareceu – Você sabe me dizer o que é?
Lynette leu atentamente o parágrafo e o achou familiar. Ela pegou no bolso interno do seu casaco o mesmo livreto que tinha e o abriu na última página, comparando-o com o de Rebeca.
- Hmmmmm…. É exatamente igual ao meu – Ela comentou – Eu até estranhei com o quão vago o comunicado é.
- Tem um parágrafo assim no seu livreto também?! – os pelos de Rebeca ficaram arrepiados – Eu mostrei para um monte de veteranos lá na estação de trem e todos eles me mostraram que não tinham o mesmo comunicado no dos deles! Acharam que eu estava doida ou mentindo!
- Por que justamente os nossos livretos teriam comunicados que não tem no dos outros? Isso é muito suspeito…
- Põe suspeito nisso! Nesse caso, é melhor a gente ficar esperta.
Lynette acenou com a cabeça em concordância.
- Bom, é melhor eu ir pro dormitório me ajeitar. A gente se vê mais tarde! – Rebeca estava prestes a deixar o parque até que se lembrou de algo importante e voltou – Peraí! Você não me falou seu nome.
- Sou Lynette Mildrin.
- Beleza! Até mais, Lynette!
Rebeca se despediu e Lynette retribuiu acenando para ela. Entretanto, assim que Lynette se encontrou completamente sozinha, sua testa ficou franzida. A sua serenidade havia sido substituída por insegurança. Afinal, do que se tratava esse “procedimento importante”?
………
Antes da cerimônia de entrada começar, o Campus de Avalon já estava repleto de alunos. Veteranos estavam se reencontrando com os velhos amigos e colocando a conversa em dia enquanto os calouros aproveitavam para explorar melhor o campus, alguns com a ajuda de algum veterano e outros não. Para evitar a ansiedade de estar em um lugar grande e desconhecido, muitos novatos formaram pequenos grupos, que poderiam resultar em uma amizade no futuro, enquanto outros optaram por vagar sozinhos e esse era o caso para Gregório.
Há alguns minutos atrás, Gregório havia sido rodeado por um grupo de estudantes interessados na vida dele, mas ele havia conseguido se livrar deles. Os estudantes em questão eram da nobreza e eles estavam rodeando Gregório justamente por ele também ser um nobre. Mais especificamente, ele era filho do Marquês e Marquesa Callister. Ou seja, aqueles jovens nobres estavam apenas interagindo com ele para ter alguma informação ou favorecimento da Família Callister. Infelizmente para eles, Gregório se sentiu sufocado na presença deles e se distanciou, sem se importar se isso os ofenderiam.
Assim que ele encontrou um canto escondido no campus, ele se encostou em uma das paredes e fechou os olhos.
“Eu sei que esse joguinho de poder já é praticamente uma tradição entre os nobres, mas isso não quer dizer que eu tenho o interesse de me envolver” Gregório bufou “Vocês já tem poder o bastante para viverem no conforto, então por que estão caçando por mais? Isso é ridículo”
- Então seu nome é Gregório Callister.
Alguém havia interrompido o momento de silêncio de Gregório. Ao abrir os olhos para ver a identidade do responsável, ele se deparou com uma aluna de olhos verdes e longos cabelos loiros que estavam soltos e ornamentados por uma tiara vermelha. “Quando você pensa que conseguiu se livrar de todos eles…” Gregório suspirou.
- Perdão, mas não lhe informaram que geralmente se inicia uma conversa com uma saudação ou perguntando o nome da pessoa? – Ele perguntou com sarcasmo.
A garota, por sua vez, mostrou-se bastante cortês.
- Eu ia perguntar-lhe pessoalmente o seu nome, mas eu acabei descobrindo-o no caminho.
- Certamente.
- …Você não vai me perguntar meu nome?
- Se apresentar ou não fica ao seu critério.
- Então lhe darei a gentileza de dizer meu nome – e fazendo uma reverência, a garota se apresentou – Me chamo Erina Banloros. É um prazer conhecê-lo.
O sobrenome de Erina soou familiar para Gregório.
“Banloros… ah, já ouvi falar. É uma família de ricos mercadores que a poucas décadas atrás compraram um título de nobreza. O responsável por elevar o status da família foi Henrique Banloros, o atual líder da família, casado com 4 esposas legítimas e pai de 18 filhos. Então ela é uma de seus filhos. Mas qual filha ela é? A maioria dos filhos do Henrique são homens, então sabe-se pouco sobre as filhas dele. Eu ouvi falar de uma das filha dele está no exército, mas com certeza não é essa garota aqui. A filha em questão é mais velha…”
O raciocínio de Gregório foi interrompido pelas leves risadas de Erina.
- Se você quiser, eu te dou um retrato meu pra você levar no bolso! – Ela provocou enquanto mexia nos cabelos.
- Recuso.
- Você me prefere pessoalmente, não é?
“Presunçosa! O que é ela quer? Por acaso o pai dela a mandou aqui para criar uma aliança com a minha família? É possível, considerando que, como os Banloros são parte da nova nobreza, os nobres mais tradicionais não os vêem com bons olhos. Ou talvez não, já que ela revelou que só descobriu meu nome hoje, mas também tem a chance de ela estar mentindo para se fingir de inocente. De qualquer forma, eu tenho que barrar suas intenções comigo. E eu preciso ser rápido, senão ela irá tomar controle da conversa novamente!”
- Você veio aqui porque quer algo de mim, então seja direta e diga.
- Já que insiste… – Erina se aproximou de Gregório – Fiquei sabendo que você é bom de esgrima.
“Não sabe, nada! A prática da esgrima é comum entre os nobres. Você só está jogando verde!”
- E você veio aqui para mostrar o que descobriu?
- Hehehe, claro que não, bobinho! – Ela ficou mais próxima dele – Eu quero que você duele comigo.
Gregório foi pego de surpresa. Ele estava esperando que ela pedisse para vê-lo praticando. Ao julgar pela aparência dela – tão bem cuidada e patricinha – não era possível saber se ela era boa com espadas ou não.
A surpresa de Gregório era exatamente o que Erina queria.
- Eu também fui treinada na arte da espada, então eu gostaria de ver suas habilidades enquanto duelamos – o sorriso de Erina se tornou mais travesso – Acho que seria uma boa experiência para nós dois – Tendo dito que queria dizer, ela se afastou de Gregório – Pense um pouco. Responda-me quando estiver pronto. Estarei a espera. Até um outro dia, gatinho!
E Erina foi embora, não dando a chance de Gregório responder.
“Um duelo? Por que ela iria querer justamente um duelo? Ela é por acaso uma fanática por batalhas? Era só o que me faltava…” Gregório suspirou. Seu rosto expressava frustração, mas de repente seus olhos se arregalaram “Um momento… ela me chamou de ‘gatinho’?!” Ele levou a mão até o rosto, cobrindo suas bochechas “Droga! No final, ela deu um jeito de controlar a conversa!”
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