De dentro do trem, saiu um jovem rapaz de cabelos pretos cortado bem abaixo das orelhas e olhos azuis bem fortes. Ele estava com o olhar focado nas páginas de um livreto que possuía. Apesar de ele já ter viajado de trem antes, aquela era a primeira vez que ele viajava sozinho, então era mais do que óbvio que ele estava nervoso. A partir de agora, ele estava sozinho, por conta própria, mas ele havia prometido a sua família que iria se cuidar, portanto não queria enchê-los de preocupações.
“Certo… o melhor a si fazer agora é ir até os dormitórios para ver a situação da bagagem que eu enviei. Tomara que nada tenha corrido com minhas malas… Depois, eu vou tentar me manter o mais apresentável possível e vou…”
Os pensamentos do ansioso rapaz foram rapidamente cortados quando ele sentiu alguma força tomar posse de seus óculos.
“Quê? Magia?”
Ele tentou levar as mãos até os óculos para segurá-los, mas eles foram puxados por uma força mágica.
- Ei!
O seu rosto começou a se tingir de vermelho, o estresse da viagem se misturando a raiva de estar sendo importunado por alguém logo no primeiro dia!
- Quem foi o merdinha que fez isso?!!! – Ele esbravejou, sem nem ao menos saber a quem se dirigia, mas disposto a brigar se a situação requisitasse – Quando eu te pegar, eu vou fazer…
- Licença, esses óculos são seus?
Uma voz foi até ele e fez-lhe uma pergunta. Era uma voz fina e baixinha, mas por ser assim fez um contraste com a voz do rapaz e lhe chamou a atenção. Mesmo com sua visão borrada, ele foi capaz de identificar algo que se assemelhava a um óculos em cima do que parecia ser um par de pequenas mãos. Ele emitiu um “com licença”, pegou os óculos e os experimentou. Sua visão clareou-se, aqueles óculos eram mesmo os deles. Também, graças a recuperação de sua visão, ele pode ver quem havia sido a pessoa que lhe havia sido gentil: uma garota de cabelo castanho trançados e olhos tão escuros que ficava difícil saber onde sua íris terminava e sua pupila começava. Ela estava usando o uniforme de Avalon e, assim como ele, usava óculos. “Uma gracinha” ele pensou “Que nem a voz…” e seu rosto, por mais que já não estivesse com raiva, continuou enrubescido.
- Obrigado… – Ele agradeceu, sentindo-se tímido.
- Não foi nada. O-olha, eu não sei como os óculos saíram voando…
“Merda, merda, merda!” Ele praguejou mentalmente “Eu assustei ela! Ela deve pensar que eu sou um delinquente!”
- Ah, não se preocupe! Eu tava com raiva, mas não estou mais. Principalmente não de você. Quando eu gritei “quem foi o merdinha”, eu não tava gritando com você, você sabe, né?
“Ai, que vontade de me enterrar num buraco e só sair daqui a 200 anos… Nem pra isso tudo ser só um sonho vergonhoso… Eu vou só me apresentar para pelo menos dizer que eu não fui completamente ruim.”
- Eu sou Ozul Tanwen – o rapaz deu seu nome.
- Eu sou Amaris Ph… – Na hora de falar o sobrenome, Amaris havia se embananado – Welemir! Prazer em conhecer você, Ozul!
Amaris estendeu sua mão para Ozul, que retribuiu o gesto e apertou a mão dela. Ele sentiu a vergonha de antes ir embora com o vento, porém agora ele não fazia ideia do que dizer em seguida. Talvez fosse melhor se retirar até que tivesse assunto para conversar.
- Eu… preciso ir até os dormitórios para ver as malas – Ozul fez um aceno com a cabeça, como se estivesse dando tchau, e voltou a caminhar.
- Eu posso te mostrar o caminho se quiser – Para a surpresa de Ozul, Amaris se ofereceu e caminhou ao lado dele.
Ozul queria dizer que não precisava e que só bastava ele seguir um grupo de veteranos que ele acharia os dormitórios, porém o seu estômago foi mais rápido que o pudor dele e pôs-se a roncar.
- Você sabe onde eu posso comprar comida?
Amaris não se importou em mostrar para Ozul o caminho até o Balad. Não só mostrou-lhe o caminho como também o acompanhou o trajeto inteiro, entrou no restaurante com ele e sentou ao lado dele no balcão! Ozul ficou desnorteado com a permanência de Amaris, mas ele não tinha nenhum desejo de mandá-la embora. Todavia, ele se sentia embaraçado pelo silêncio, então, logo após ter seu pedido anotado, ele tentou puxar assunto.
- Então, Amaris, de qual ano você é?
- É o meu primeiro ano aqui.
- Sério?! – Ele se surpreendeu – É que você se ofereceu para me levar para os dormitórios e me mostrou esse restaurante que eu acabei pensando que você fosse minha veterana.
- Ah, não! Eu cheguei a Norwill ontem. Esse é o único lugar que eu provei a comida, por isso que eu te trouxe aqui. Eu não sei como é a comida dos outros lugares, mas eu juro que a daqui é boa!
- Não se preocupe. Eu fico grato mesmo assim. No final, eu fui precipitado e presumi que você que era veterana ao invés de ter te perguntado de que ano era. Espero não ter acabado sendo um incômodo para você.
- De jeito nenhum! Eu me ofereci para te ajudar antes, não foi? Não é a toa que você pensou que eu era uma veterana. Mas isso é bom! Isso quer dizer que eu pareço ser confiável!
- Sim, parece muito…
Amaris riu com satisfação. Ozul não pode evitar achar a risada dela fofa.
- Já que você também é do primeiro ano, a gente vai acabar se vendo bastante – Amaris continuou falando – nesse caso, se quiser, a gente pode passar um tempo junto entre as aulas. O que você acha? Tudo bem pra você?
- Sim, claro, tudo ótimo!
“Seja lá quem foi que fez aquela pegadinha sem graça com os meus óculos, só dessa vez, eu vou deixar passar… Mas o que é que eu estou pensando?! Não é porque eu acabei conhecendo uma garota que quer falar comigo que eu deva fazer vista grossa pra quem tiver tirando sarro de mim!”
Enquanto Ozul tentava pôr seus pensamentos em ordem e se recompor, tanto o seu pedido quanto o de Amaris haviam sido entregues. Amaris havia pedido um bolinho de chocolate com uma pequena xícara de café, diferente de Ozul, que havia pedido um café da manhã de se encher o prato com uma generosa porção de café.
- Puxa, – Ozul coçou a nuca – vendo a diferença entre o tamanho dos nossos pratos, fiquei até com vergonha.
- Ah, fica com vergonha, não! Eu já tomei café da manhã antes de ir pra estação de trem, então resolvi experimentar esse bolinho.
Após falar, Amaris pegou o seu bolinho e deu-lhe uma mordida, avaliando e aprovando o gosto e maciez. Ozul começou pegando sua xícara e levando-a a seus lábios. Quando o café tocou sua língua, foi como se o corpo dele tivesse sido eletrizado.
- Ah – ele suspirou – sinto como se eu estivesse voltando a vida!
- Então você gosta de café, é? – Amaris perguntou, após engolir o bolo alimentar.
- Amo! E esse daqui está uma maravilha, mesmo não sendo de uma cafeteria!
Assim como as pessoas perdem as inibições quando ingerem bebidas alcoólicas, Ozul perdia as inibições quando bebia café. Se antes, ele se sentia constrangido pelo tamanho de seu prato em comparação ao de Amaris, agora ele estava comendo calmante.
- É muita comida… – Amaris murmurou quase que inaudível – Não havia nada para comer no trem?
- Havia, sim, mas essa foi minha primeira vez andando de trem sozinho, então eu fiquei tão nervoso que não comi nada a viagem toda.
E lá estava Ozul Tanwen, confessando coisas que ele, a minutos atrás, estaria com vergonha de admitir. E tudo isso por causa de um golinho de café.
Enquanto eles comiam, Ozul e Amaris foram conversando. Ozul falou de sua família, em especial de sua irmã mais nova, que se chamava Nina, e da cidade que morava, Tromoa, que estava situada em um relevo montanhoso. Amaris contribuiu para a conversa, falando sobre a cidade litorânea que ela morava, Juar, da sua família e da loja de poções que seus pais tinham. Ela também falou que tinha um irmão mais velho, porém ela gaguejou enquanto pronunciava o primeiro nome, mas depois se corrigiu e disse que o nome dele era Jay.
Ao finalizar a refeição, Ozul parecia ter mais disposição do que antes. Amaris já havia terminado de comer a muito tempo, então eles pagaram a conta e saíram do restaurante. Como Amaris havia prometido antes, ela acompanhou Ozul até os dormitórios e deixou-o lá para que ele pudesse se preparar para a cerimônia de entrada.
Quando Ozul estava finalmente em seu quarto e completamente sozinho, ele finalmente se permitiu esboçar um sorriso bobo. Nunca que ele iria esperar que o seu nervosismo por estar sozinho e a brincadeira de mal gosto de algum metido a comediante iria levar-lo a tomar café com uma garota. E uma tão gente boa! E ainda por cima, essa garota queria continuar conversando com ele! Mas mal ele sabia que seu encontro com Amaris fora orquestrado pela amiga dela, que havia sido responsável por fazer os óculos dele sairem voando.
De qualquer forma, ele nem se deu o trabalho de procurar o autor daquela pegadinha depois.
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