Fiquei curiosa. O que uma carta do Elbern estaria fazendo ali? Quando foi que ele me mandou essa carta? Já que era para mim, não havia problemas em abri-la, então fui até a escrivaninha, tirei a carta do envelope e comecei a ler:
“Minha querida Amaris,
Espero que esta carta a encontre em boa saúde – e como a mais nova estudante da Academia Avalon.
Estou escrevendo para lhe parabenizar por sua aceitação. Apesar de que quando esta carta estiver em suas mãos eu já vou ter lhe dado minhas congratulações pessoalmente, há sentimentos que são melhor expressados na forma escrita.
Já nos conhecemos há um bom tempo, não é? Eu me lembro do dia que eu fui até a sua casa pedir para ser o aprendiz de seus pais. Você era apenas uma criancinha com uma vida inteira a sua frente. Era inconsequente e agia em prol da própria satisfação, porém era possível ver que você tinha potencial para crescer.
Quando havia chegado o dia da minha partida, você se agarrou a minha perna e pediu-me para lhe ensinar magia. À princípio, eu fiquei receoso, pois eu nunca havia sido tutor antes e sabia que tinha pessoas mais qualificadas, mas você me disse “Por favor, fica! Eu quero ser uma maga poderosa e é você que vai me ajudar! Por favor!”. Nesse momento, eu senti de que eu deveria atender sua vontade e dizer sim. E não arrependo dessa decisão. Você pode ter sido uma das meus primeiros alunos, mas você é uma aluna de dar orgulho.
Nós conhecemos a 11 anos. Para um elfo, isso é como uma gota no mar, porém, ver você crescer e se desenvolver em um piscar de olhos me fez sentir o tempo pela mesma perspectiva que os humanos.
Tudo bem, acho que isso é o bastante sobre o passado. Só de escrever, estou me sentindo um velhote. Isso é cedo demais para mim.
Vou ser sincero contigo: quando recebi a notícia de sua aprovação, eu não fiquei surpreso. Lamento por não poder te dar os olhos arregalados e brilhantes de surpresa, mas, considerando seu progresso e determinação, era mais que evidente que você seria reconhecida e entraria na academia. Portanto, erga sua cabeça!
Boa sorte em Avalon! Dê o seu melhor. Mostre a todos sua capacidade! Mas não vá se sobrecarregar, você precisa tomar conta de si mesma. Mas eu sei que você irá se sair bem, então minha consciência está em paz.
Ah, e não vá chamar outros garotos de “bonito” assim como você me chamava, tá? Esses garotos apaixonados podem acabar se tornando problemáticos para você. Você não é mais criança, suas palavras agora carregam mais peso e nem todo mundo é tão compreensível como eu era.
Desejo o melhor para você!
Do seu tutor,
Elbern”
Confesso que, ao ler essa carta, minhas bochechas ficaram coradas. Todos esses sentimentos transmitidos no texto, tão doces e gentis, fizeram-me sentir um calor no peito. Isto é, até eu ler o que estava escrito após a assinatura.
“P.S.: Tomara que você tenha aberto esse grimório na hora da aula. Eu adoraria ver sua cara explicando o porquê de ter a carta de um homem escondida no seu grimório! Hahahahahahaha”
Ora, seu!!! Então tudo isso era uma armação! Nem acredito que eu me emocionei pra nada… Mas, mesmo assim, não deixa de ser engraçado. Ele se esforçou tanto numa carta com o objetivo de me fazer sentir vergonha no meio da sala de aula… Hahahahaha, sonho seu, Elbern! Vai lhe levar mais 100 anos até chegar no meu nível! Porém, irei lhe dar o crédito pela criatividade, só tem que melhorar o timing.
Pelas palavras escritas por Elbern eu posso perceber que eu estou marcada em suas memórias, quer ele queira ou não, e isso por si só já me deixa satisfeita. Por mais que eu demonstre interesse nele, a verdade é que eu nunca tive a expectativa de que iria conseguir chegar a algum lugar com ele. E não é por falta de autoconfiança ou algo do tipo, mas sim porque ele é um elfo, uma espécie de alta longevidade. Com certeza ele me vê como uma criança, assim como o John vê a Erina.
Eu sei que eu sou uma homúnculo e que posso viver tanto quanto um elfo se tomar cuidado, mas Elbern acha que eu sou humana. Não há garantia que ele não me veria como nada mais do que uma mera serva se soubesse que eu sou uma homúnculo.
Portanto, se eu quiser um parceiro enquanto mantenho minha fachada, eu vou ter que focar em humanos ou em espécies com a mesma expectativa de vida que um humano, o que é chato e limitante, mas é a vida, né?
- Ooooiiiii! Amaris? Tá viva aí?
Levei um susto com a Erina batendo na minha porta e gritando. Guardei a carta em uma gaveta da escrivaninha e fui atender minha amiga.
- Tô viva, sim. E aí? Conseguiu arrumar as coisas? Tá precisando de ajuda?
- Coloquei o pude no armário e o que não deu ficou na mala. Que saco… – Ela suspirou – Mas não foi por isso que eu vim aqui. Já tá dando a hora da janta e a gente tem que arrumar um lugar pra comer – Ela pegou sua bolsinha de dinheiro e a balançou um pouco – Eu já tô com o dinheiro, então bora dar uma volta na cidade.
Concordei com a Erina e sai do meu quarto, fechando a porta atrás de mim. Juntas, descemos as escadas, com Erina na minha frente balançando a bolsinha de dinheiro em frente ao seu rosto e sugerindo que encontrássemos algum restaurante chique para comemorar nosso primeiro dia em Norwill. Ela até deu a ideia de chamar o John, mas eu tive que negá-la prontamente, pois isso acabaria estragando meu disfarce.
Quando descemos até o térreo, nossas narinas foram invadidas por um aroma muito convidativo.
- …Parece que é uma sopa – Conclui.
- Pô! – Erina resmungou – fizeram comida e nem pensaram na gente! Que falta de consideração! – Seu rosto rapidamente se encheu de determinação e ela agarrou meu braço – Vem comigo! Vamos dar uma espiadinha.
Seguimos o rastro do cheiro até uma larga porta de madeira. Eu abri uma fresta lentamente e Erina e eu espiamos por ela. Vimos longas mesas de madeira acompanhadas por cadeiras do mesmo material com apoio para as costas. Atrás das mesas, haviam longas janelas com suas cortinas abertas, deixando que a luz do luar entrasse no cômodo. Estávamos espiando a sala de jantar. Entretanto não conseguimos ver pessoa alguma, então nós abrimos mais a fresta da porta para que possamos olhar mais afundo. Na extremidade do cômodo, vimos uma divisória que separava a sala de jantar da cozinha. Dessa vez, pudermos ver uma jovem mulher com um uniforme de empregada de costas para nós. Era a Lanie. Ela estava olhando para um fogão, até que ela o desligou e, com as mãos enluvadas, pegou uma grande panela que estava fumegando e a colocou no balcão central da cozinha. Por ter se virado, Lanie foi capaz de nos ver espiando e abriu um sorriso.
- Ah, oi, meninas! Entrem! Chegaram em boa hora!
Erina e eu nos entreolhamos e entramos no cômodo, atravessamos a divisória e indo para a parte da cozinha. Por estar mais próxima, pude perceber que o rosto da Lanie estava corado e suado por causa do vapor.
- Como vocês chegaram antes do esperado, não tínhamos uma refeição planejada, mas eu improvisei uma sopinha de última hora – Ela falava enquanto abria um armário e tirava dele umas tigelas – Não é nada chique, mas eu garanto que é uma delícia! Vão querer?
O cheiro da carne, legumes e do caldo da sopa faziam-nos salivar. Era óbvio qual foi a nossa resposta. Seria idiota recusar uma boa comida feita com tanta consideração. Erina e eu concordamos com a cabeça. Lanie sorriu em reposta e nos convidou a sentarmos na sala de jantar. Em pouco tempo, ela veio até nós carregando tigelas e talheres e os posicionou em frente a nossos assentos e no assento paralelo aos nossos. Em seguida, ela trouxe a panela com uma colcha e as pôs na mesa, servindo a nos e a si mesma a sopa.
Eu peguei uma colherada da sopa, assoprei um pouco e experimentei. O calor, o sabor e a textura da carne, dos legumes e do caldo tocaram rapidamente minha língua e saboreei o alimento até engolir, dando o meu decreto:
- Que delícia!
Erina também disse a mesma coisa. Seus olhos estavam brilhando e ela começou a comer com mais animação. Lanie riu de satisfação.
- Que bom que gostaram!
Continuamos a comer completamente deleitadas pela habilidades da Lanie quando se pede um improviso. A sopa despertou um apetite inesperado em mim e eu me vi repetindo a sopa junto com Erina. Nosso jantar se concluiu sem nenhuma intercorrência. Nossas barrigas foram preenchidas com boa comida e nossa opinião sobre Lanie tornou-se positiva. Se isso havia sido uma tática dela para que gostássemos dela, eu tiro meu chapéu.
Seguido da refeição, Erina e eu fomos para nossos quartos passar o tempo antes de tomar banho para dormir. Sozinha, decidi fazer os preparativos para amanhã: deixei meu uniforme a postos e arrumei minha mochila com o tudo que eu considerei necessário – Eu não sabia se os professores iriam dar assunto logo no primeiro dia, mas é melhor prevenir do que remediar.
Sentindo que não havia mais nada para ser preparado, decidi pegar meu kit de banho e pijama e me dirigir ao banheiro. Antes de ir, fui bater na porta do quarto de Erina e perguntei-lhe se queria tomar um banho também. Após a minha pergunta, ela pediu para que eu esperasse e, um minuto depois, ela abriu a porta, carregando consigo as mesmas coisas que eu, e fomos para o banheiro. Lá dentro, entramos, cada uma, em uma cabine de chuveiro e, enquanto nos lavávamos, Erina comentou que queria ter uma oportunidade para poder exibir suas habilidades com a espada, demonstrando para os estudantes que ela era uma força que eles não deveriam tentar importunar. Eu compartilhei a ela que também tinha o mesmo desejo. Eu queria ter oportunidades de mostrar meu repertório de magias de cura e suporte para mostrar ao corpo estudantil que eu era um recurso valioso que deve ser preservado e protegido.
Depois de termos tomado banho, vestimos nossos pijamas e voltamos para nossos respectivos quartos. Agora era só descansar até a hora de dormir. Fiquei na dúvida entre ler o meu grimório ou o livro que eu comprei hoje na livraria. No fim, optei por ler meu grimório e revisar seu conteúdo até a hora de dormir. Acho que ele tem algum tipo de poder reconfortante em mim. Quando finalmente o sono chegou até mim, guardei o grimório na prateleira e fui para cama, com um pensamento rondando minha mente enquanto adormecia:
“Seja o que for, um demônio carmesim ou uma academia de magia, eu não pretendo me render!”
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