Chegando enfim a hora do almoço, John nos levou a um estabelecimento chamado “Restaurante e Hospedagem Balad”. O térreo, como o nome já indicava, era o restaurante que vendia refeições como café-da-manhã, almoço, jantar e sobremesas para os fregueses e hóspedes. No primeiro e segundo andar, ficavam os quartos de hospedagem. O restaurante tinha mesas com cadeiras bem posicionadas pelo andar, permitindo que os garçons se locomovessem sem dificuldade. No fundo, encontrava-se um comprido balcão de madeira, com o dono do estabelecimento atrás, bem ao lado do caixa. Também ao fundo do estabelecimento, estava uma porta que levava à cozinha e depósito e somente os funcionários podiam entrar. Ao lado da parede, estava a escadaria que levava para a hospedagem.
Erina, John e eu nos sentamos em uma mesa ao lado da janela. Em pouco tempo, uma garçonete se aproximou para anotar nossos pedidos, dirigindo-se a John com uma certa familiaridade. Provavelmente, em seus anos como estudante, meu irmão tenha comido bastante aqui. Após anotar nossos pedidos, a garçonete se retirou e John começou a puxar conversa comigo.
- Então, como tem sido as coisas para você nesses últimos tempos?
- Ah, tem sido boas! Eu estive aprimorando meus feitiços e também ajudei bastante na loja da mamãe e do papai, tanto na confecção de poções como na entrega delas pela cidade. Só que eles contrataram um funcionário para fazer as entregas e cuidar da loja quando nenhum dos dois não estão presentes, então estou tendo mais tempo e eu tô aproveitando pra ler muitos romances! Ah, é claro, eu também passei algumas temporadas com a Erina na mansão da família dela e participei de sociais e dos treinamentos dela!
John escutou atentamente, acenando com a cabeça esporadicamente para demonstrar que estava prestando atenção.
- E a mãe e o pai, como estão? Está tudo bem entre você e eles?
- Mamãe e papai estão bem. Estão saudáveis e também estão sempre esperando ansiosamente por suas cartas! E está tudo ótimo entre eu e eles, por que não estaria? Que pergunta estranha, maninho!
- Hehehehe… – Ele riu, coçando a nuca, mas logo voltou para a conversa e, dessa vez, se dirigiu a Erina – Esses treinamentos que a Amaris faz com você, Senhorita Erina… Eu ouvi dizer que eles são bem rigorosos.
- É verdade que eu recebo um treinamento rigoroso, mas Lovelia, minha irmã mais velha e treinadora, adaptou o programa de exercícios para a Amaris, então, por mais que estejamos treinando juntas, não estamos fazendo a mesma coisa na mesma intensidade.
- Assim eu fico menos preocupado… – John suspirou.
Nesse momento, a garçonete de antes voltou com uma bandeja com nossos pratos, uma jarra de suco e três copos. Após nos servir, a garçonete se retirou e voltou a atender os demais clientes. Com nossos almoços em mãos, continuamos a conversa e, desta vez, eu que tomei a iniciativa.
- Maninho, mesmo você tendo se formado ano passado, você continuou aqui em Norwill e só foi se tornar professor agora. O que você tem feito nesse último ano?
John, que estava prestes a colocar uma garfada na boca, desistiu da ação e olhou para mim e para Erina com um olhar sério. Eu sentir meu coração bater mais forte em antecipação.
- Como você deve se lembrar, pelas cartas que eu te enviei, ocorreram ataques de monstros fora do comum durante meu período de estudante. Ao julgar pela força e pela organização dos monstros, foi possível chegar a conclusão de que foram ataques orquestrados por alguém ou por um grupo. Infelizmente não foi possível chegar a raiz do problema antes da minha formatura, então, após minha graduação, eu me voluntariei para participação de uma contra medida. Ou melhor, eu fui recrutado pelo meu veterano que já estava trabalhando nisso desde a graduação dele, Hugo Reignia.
O nome mencionado por meu irmão fez com que Erina quase engasgasse com a comida. Sem que percebesse, Erina havia se levantado da cadeira em um pulo e exclamou, estupefata:
- Hugo Reignia? O próprio Dragão Imperial Moderno?!
No passado, houve relatos de uma linhagem de dragões poderosos o bastante para colocar um império a sua mercê! Daí veio o nome “Dragão Imperial”. Atualmente, não se sabe se eles ainda existem. Ou se quer existiram! Mas acreditam-se que Hugo Reignia é um descendente distante dessa linhagem, por isso ele recebeu o título de “Dragão Imperial Moderno”. Mas não é como se tivessem feito um teste de DNA ou algo do tipo, então não tenho como confirmar isso. Pessoalmente, eu gostaria de ser amiga de um dragão imperial, todavia isso é sonhar alto demais para mim, que nem ao menos é amiga de um dragão comum!
John havia me mencionado sobre Hugo Reignia algumas vezes em suas cartas. Hugo era um veterano que estava dois anos na frente do meu irmão. John várias vezes o descreveu como um rapaz amedrontador que tinha um olhar perfurante. Em algum momento do primeiro ano de John na Academia, ele e Hugo se conheceram e, para a tristeza do pequeno John de 14 anos, Hugo viu alguma coisa de especial nele e o pôs em sua mira. E nem tinha como meu irmão evitá-lo, até porque a irmãzinha do Hugo estudava na mesma turma que ele! Apesar desse primeiro contato desconfortável, John se acostumou com a presença de Hugo e perdeu o medo, tanto que nas cartas mais recentes, ele mencionava-o de maneira casual.
Voltando a Erina, todos no recinto olharam imediatamente para ela quando ouviram sua voz de surpresa. Acho que aquilo era uma visão inédita para eles: uma nobre que possuía uma aparência de que nada a atinge estava agora chocada. Mas mesmo no susto, Erina ainda parecia uma moça cheia de dignidade e superioridade. Realmente ela tinha uma aura de nobre inata!
Vendo os olhares indesejados, Erina rapidamente se desculpou com o público e voltou a se sentar, em silêncio.
- Me desculpe – Ela novamente se desculpou, dessa vez a mim e a John.
- Não precisa se desculpar – John a tranquilizou – Mas, respondendo a sua pergunta, sim, é ele mesmo. Como eu havia dito, Hugo havia me recrutado para ajudar com a contra medida e eu aceitei. Então eu passei esse último ano fazendo missões, caçando monstros e realizando testes.
- Testes? – Erina e eu falamos ao mesmo tempo.
- Isso mesmo. Hugo me mandava testar tudo que era coisa: táticas, armas, escudos, poções, itens mágicos, equipamentos mecânicos… E foi o que eu mais fiz nesse tempo!
- “Equipamentos mecânicos”? – Indaguei – Isso quer dizer que há a possibilidade de que os equipamentos que utilizarmos na academia terem passado por sua mão antes?
- Creio eu que sim. Mas vou te falar, viu: o Hugo não tava pra brincadeira com aqueles testes! Era sempre “Dê tudo si e nada menos que isso!”. Se ele achava que não havia conseguido dados o bastante, ele me mandava fazer de novo mais tarde.
Erina esboçou uma pitada de interesse no Hugo.
- Então quer dizer que o Sr. Reignia é um perfeccionista?
- E como! Mas é um bom homem, então eu não me importo tanto com ele me pedindo para fazer os testes… – John parecia que estava perdido nas próprias palavras e parecia que ele continuaria falando por horas, mas de repente, ele parecia estar desconcertado e queria terminar logo a conversa – Bem, e-e agora eu sou professor também! Hehe. Queiram me desculpar, acabei falando demais, não foi?
Eu gesticulei com as mãos que ele não precisava se preocupar com isso e disse-lhe:
- De forma alguma, maninho! Esse momento é pra colocar a conversa em dia! Até porque, a partir de amanhã, eu vou estar estudando e você vai estar trabalhando, então ficaremos mais ocupados.
A menção de seu trabalho fez com que o rosto de John, cuja a expressão já havia suavizado, voltasse a ficar sério. Ele havia se lembrado de algo que ele precisava dizer, mas que não o fez pois havia se perdido no momento agradável da nossa conversa.
- Sobre a sua matrícula, Amaris, há algo que eu preciso te falar – ele disse, tomando um gole de suco em seguida – Por uma questão de sigilo, você foi matriculada em Avalon com um sobrenome diferente.
Fiquei em silêncio, o garfo em minha mão incapaz de chegar até meus lábios. Eu não fazia ideia de que eu havia sido registrada com outro sobrenome. Isso não é algo para avisar com antecedência? Por que eu só fui saber agora? E eles podiam fazer isso, pra início de conversa?
John, ao ver minha reação – ou ausência de uma –, ficou nervoso, se prontificando para explicar.
- Não entenda errado! Não é que eu estivesse envergonhado de você ou coisa do tipo! Mas somos irmãos e eu vou ser professor na escola que você estuda, então isso pode levar a algumas situações incômodas para nós dois, por isso que você foi registrada com o sobrenome de solteiro da mãe, Welimir, para que escondamos nosso parentesco.
Tive que segurar o riso quando eu ouvi ele tentando se justificar no começo. Ele achava que eu pensei que ele estava com vergonha de ser visto comigo. Nem havia pensado nisso! Eu só estava preocupada com o fato de que eu descobri a mudança de sobrenome de ultima hora, mas agora entendo que John não está com más intenções.
- Te entendo, irmão. Você não quer que eu seja pressionada a dar cola pro pessoal nas provas teóricas porque sou sua irmã.
- Exato. – Ele assentiu, com uma voz séria – eu também temo que os outros alunos acabem maltratando você por acharem que está aqui por causa de nepotismo.
- Eu mesma não gostaria das suas futuras admiradoras me perseguindo, fazendo perguntas como “Ele tá solteiro?”, “Qual é o tipo dele?” e “Ele não se importa de ter uma namorada mais nova, né?”
- E-eu não acho que isso vá acontecer… – a voz séria de John falhou e ele coçou a nuca, envergonhado.
- Também não acho… – Erina murmurou, como uma namorada enciumada. Em resposta, eu encarei ela com um olhar que significava “Eu tava me referindo a VOCÊ também!”
Mesmo tendo sentido constrangimento no final, John parecia estar mais calmo. Aparentando já ter falado tudo que queria comigo, ele passou a olhar para Erina, fazendo suas bochechas rapidamente ganhar uma coloração rosa.
- Tem uma coisa que gostaria de pedir a você, Senhorita Erina. Já que eu vou ter que fingir que não tenho parentesco com a Amaris, eu queria que você protegesse ela pra que nenhum engraçadinho chegue perto dela. Espero não estar pedindo demais a senhorita!
Os olhos de John estavam tão tenros e sua voz tão suave quanto o melhor veludo do mundo. Ele estava com um charme extremamente apaixonante, do tipo que você seria incapaz de negá-lo nada! E, com isso, Erina estava rendida e derretida nas mãos de John.
- Imagina! Não é pedir demais. Já que você pediu com jeitinho, você pode contar comigo! Sua irmãzinha está boas mãos.
- Muito obrigada, Senhorita Erina! Agora estou mais tranquilo sabendo que você está com ela.
Dessa vez, apesar de ainda soar amigável, a voz de John já não tinha aquela suavidade charmosa e sedutora. Não parecer ser involuntário… Isso quer dizer que ele mudou a voz de propósito para Erina fazer o que ele quiser! Ele seduziu a Erina só pra ganhar um favor dela! Meu querido irmão, eu sei que você cresceu e já é um homem, mas eu sinto falta da sua falta de malícia de quando você era criança!
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