- Esse pesadelo que você teve… – Erina iniciou, enquanto desembaraçava meus cabelos – É aquele que vira e mexe se repete? Aquele da Mulher Carmesim que te mata?
Eu assenti com a cabeça.
“Mulher Carmesim”… Esse foi o nome que Erina havia dado a ela quando eu falei do sonho pela primeira vez. E eu tenho que concordar que esse é um nome bem apropriado, pois seus olhos e cabelos vermelhos eram os seus traços mais marcantes.
- Está cada vez mais claro que isso é uma premonição… – Erina afirmou – Até o Miguel confirmou que você foi agraciada por uma visão do futuro dada pela Deusa Ysabel.
Miguel era um aprendiz de sacerdote que vive na mesma cidade que Erina. Foi graças a ele e a sua conexão com o divino que fui capaz de descobrir o significado do sonho se repetir várias vezes. Obviamente que eu sou muito grata à ajuda dele, mas…
- …Mesmo que seja um presente da Deusa, porque logo eu tenho que ter um destino assim?! – eu lamentei, cabisbaixa.
- Ei, ei, ei, levanta essa cabeça! – Erina segurou meu queixo e ergueu meu rosto – Você teve uma visão, então você tem a oportunidade de mudar as coisas! E você tem feito por onde para contornar a situação!
Ela estava certa. Desde que eu tive essa visão, eu estive pensando em inúmeras formas de salvar minha vida. Como eu não faço ideia de onde e quando o ataque ocorrerá, eu busquei formas para me preparar para o enfrentamento. Já que o que me matou foi a perda de sangue causado pela ferida aberta pela demônio, então o melhor investimento que eu encontrei foram as magias de cura! É claro que eu também penso em outras prevenções como formação de aliados, mais a cura tem sido a minha prioridade e, modéstia a parte, depois de anos de estudo e treino, eu estou excelente!
- E você tem a mim, não tem? – Ela adicionou – Tá achando que eu vou deixar a Mulher Carmesim te matar, é?
- Você tá bem séria quanto a isso, né? – Eu perguntei retoricamente, rindo.
- Óbvio! Afinal, você é a única pessoa que eu sei que é uma reencarnação que nem eu! Ter você por perto é muito reconfortante!
Era esse o segredo que nos unia. Antes de sermos quem nós somos, éramos pessoas de um mundo diferente do que estamos vivendo, porém acabamos morrendo cedo sem ter feito algo grandioso em vida. Entretanto, acabamos reencarnando e retendo memórias da nossa vida passada. Agora, eu sou Amaris Phenis, a “fisicamente frágil” filha de Cyrus e Ninfa Phenis – que são donos de uma loja de poções –, e irmã mais nova de John Phenis, enquanto ela se tornou Erina Banloros, filha de ricos comerciantes e abençoada com uma força e agilidade acima da média que a torna a candidata ideal para ser uma cavalheira. E, por algum, quem está destinada a ser atacada pela Mulher Carmesim sou eu! É ela que nasceu com as condições para resistir o ataque, não eu!
- Além disso, a gente tá entrando na Academia Avalon! – Erina continuou. Geralmente era assim, ela tinha a capacidade de falar por horas e horas se deixar – A gente vai receber uma formação para a magia de qualidade e, como a escola também é responsável por formar vários soldados, o treino em combate também é excelente! E, mesmo que a gente não siga uma carreira militar, o nome da academia no nosso currículo vai nos garantir ótimos trabalhos! E as oportunidades de criar conexões lá dentro, nem se fala! Basicamente vamos estar com a vida ganha depois de graduarmos!
As palavras de Erina eram otimistas, mas eram o que eu estava precisando ouvir. Em seu rosto estavam visíveis a determinação e a esperança, uma visão deveras acolhedora, porém logo sua expressão facial se tornou uma pervertida. Eu já sabia o que ela iria dizer e uma risada se formou em minha garganta em antecipação.
- E o mais importante: A Academia Avalon é onde se encontra os rapazes mais promissores, se é que você me entende! É o lugar perfeito para eu achar candidatos para meu harém! Eu já consigo ver… – Ela fantasiou enquanto arrumava meu cabelo. Nem quero saber o que ela esta vendo na cabeça dela – Ai, que visão do paraíso! Assim meu coraçãozinho não aguenta!
- Você já tem ao Zacarias e ao Miguel e ainda quer mais? Você tá que tá, hein! – Eu comentei, finalmente soltando a risada que estava esperando o timing perfeito.
- Claro! Meu pai tem 4 esposas, então eu não preciso me limitar a somente dois maridos! Ele até me disse que, se eu amar e respeitar todos, sem exceção, eu posso ter mais maridos do que ele tem esposas, então o sinal tá verde pra mim!
Nesse novo mundo, poligamia e poliandria são permitidos por lei e quando Erina tomou ciência disso, ela começou a idealizar o próprio harém dela. Atualmente, ela tem dois noivos: Zacarias e Miguel. Zacarias é o primeiro noivo dela, terceiro filho do Conde de Levan. De um ponto de vista superficial, até parece que é meramente um noivado de negócios, porém Erina e ele mostraram ter atração mútua. É bem evidente quando eles estão dançando juntos. E o Miguel é o segundo noivo e, como eu havia dito antes, ele é um aprendiz de sacerdote. Como o culto a Deusa-Mãe não proíbe uniões conjugais aos membros do templo, o noivado dele com Erina é validado.
Quanto a mim, eu nunca parei para pensar em casamentos. Nem sei se quero um cônjuge, o que dirá mais de um!
- Só não vá se esquecer de manter contato com seus dois noivos, senão eles vão ficar com ciúmes! – Aconselhei em meio a risadas.
- Claro, claro, mas nem pense que eu me esqueci de você!
- Oi?
- Como a academia tem muitos rapazes de qualidade, essa é a nossa oportunidade de achar um boy pra você!
Eu engasguei com minha própria saliva quando ela disse isso.
- Qualé, Amaris! Vai me dizer que você não pensou nisso? Diz aí: qual é a sua preferência? Alto? Baixo? Magro, gordo, musculoso? Cabelos curtos ou compridos?
- …Se eu te falar, você vai tirar meu sossego.
- Ai, vamos! Entra na brincadeira! – Para a minha surpresa, a expressão de Erina rapidamente ficou entristecida – Eu não quero que você fique obcecada com a Mulher Carmesim e acabe enlouquecendo…
- Tá bem, tá bem, não precisa fazer cara de cachorro sem dono – disse, virando-me para ela e afagando sua cabeça – Vejamos… Eu gosto de caras com cabelo comprido. Sabe, quando o vento bate no cabelo dele e seu coração erra a batida! Se tiver óculos, melhor ainda!
Erina, que há um segundo estava triste, voltou a ficar radiante.
- Ui, Ui, que tipo elegante! Vou ficar de olho, viu? Vou arranjar, pelo menos, dois para você!
Dando-me um piscadinha, Erina me virou de volta a posição inicial que eu estava e voltou a dar os toques finais no meu cabelo. Ela mudou de humor tão rápido… será que ela tava fingindo apenas para arrancar informações de mim? De qualquer forma, não é algo que eu deva me preocupar, o máximo que ela vai fazer é me arrastar pelo campus em busca de garotos com cabelo comprido.
- …E pronto!
Após Erina anunciar, eu analisei o resultado dos seus esforços: Ela havia feito uma longa trança no meu cabelo, amarrando apenas na ponta e deixando o começo solto. A fita que ela usou era lilás, que nem o meu vestido e foi amarrado em um firme e adorável laço. Erin não brincou em serviço, eu realmente estava muito linda!
- Muito obrigada! Você mesmo de me mimar, né?
- É que eu gosto de ver minha melhor amiga nos trinques! – ela comentou, admirando a si mesma e a mim no espelho.
- Nesse caso, que tal você me mimar com um café da manhã?
- Já estava pensando nisso! – Erina caminhou empolgada até o telefone, mas antes de ligar para o serviço de quarto, ela falou: – E também tava pensando: BORA PEDIR CHAMPANHE!!!
- Não – Recusei automaticamente.
- Nós já temos quatorze anos! Tá na lei! – Erina choramingou.
Outro detalhe curioso deste novo mundo, além da possibilidade de ter múltiplos maridos ou esposas, era que a idade mínima para consumo de bebidas alcoólicas era 14 anos. É bem surpreendente para mim, que veio de um lugar em que a idade mínima era 18 anos. Por mais que agora eu tivesse 14 novamente, eu tinha meus motivos para deixar a oportunidade passar.
- Mesmo assim, eu não quero estar embriagada quando formos ver o John. Ele disse que queria nos levar para almoçar, lembra?
John, como eu havia dito antes, é o meu irmão mais velho. Ele graduou na Academia Avalon ano passado e agora está morando em Norwill, a cidade onde a escola é situada. Só a menção do nome dele foi o bastante para fazer com que Erina largasse a ideia do champanhe.
- Ai, o John! – Ela suspirou com o rosto corado – Meu futuro terceiro noivo!
- Eu nunca aprovei isso. – já a alertei de antemão – Ele tem dezenove, você tem quatorze!
- Daqui a cinco anos, você não poderá me impedir!
- Deixa o meu irmão em paz… E peça logo o café, por favor, que tô morrendo de fome.
- Fugiu do assunto… – Ela me provocou, porém não insistiu – mas eu também tô com fome, então você vai se safar… por enquanto…
Finalmente cedida a fome, Erina chamou pelo serviço de quarto e pediu café da manhã para nós duas. Minutos depois, nossa refeição foi entregue a nós e que café da manhã! Os pães macios e quentinhos, o café bem cheiroso, os cereais e frutas pareciam ter saído de uma pintura! Parecia que seria um desacato comer uma obra prima dessas! Essa viagem de trem tem sido só o luxo!
Enquanto comíamos, eu percebi que Erina murmurava o nome do John. Ela era interessada no meu irmão, mas foi por causa de uma acidental influência minha. Isso aconteceu a cinco anos atrás, quando a gente havia se conhecido e tínhamos descoberto que ambas eram reencarnações. Nós começamos a dar opinião sobre nossas vidas sob a perspectiva de uma reencarnada, aí eu tinha dito que o John parecia muito com protagonistas de livros de fantasia. Dito isso, Erina me perguntou se seria um livro para crianças ou um livro mais maduro e, na maior inocência, falei que parecia mais um livro adulto. Foi nesse momento em que ela me olhou com malícia e me perguntou “Então ele vai ser um gostoso quando ficar mais velho, né?”. Nessa hora, a ficha caiu e eu tentei por um fim no assunto, mas aí ela me encurralou com a pergunta “Se você não tivesse reencarnado como irmã dele, você pegaria ele?”. Infelizmente, eu fui honesta e disse que sim. Até hoje me arrependo. Eu deveria ter mentido!
De qualquer forma, eu estava feliz que poderia rever o meu irmão. Ele continuou em Norwill depois da formatura, porque ele resolveu virar professor lá. “Como será que ele está agora?” Era o que eu me perguntava.
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