Enquanto a mulher dormia profundamente, ela sonhava com possíveis rostos para seu amigo, a quem agora chamava de Theo. Esse nome lhe agradava muito, parecia pertencer a alguém que vivia uma vida simples, porém repleta de amor. Ao dar um nome ao seu amigo, sentia-se bem consigo mesma, como se tivesse feito algo positivo. Era como se tivesse estabelecido uma intimidade com ele. A presença da sombra ainda estava presente em alguns cantos, observando-a, mas ela já não sentia mais medo como antes. Isso parecia incomodar a sombra, que exibia uma expressão vingativa. "Isso não vai durar muito", parecia dizer, enquanto se mantinha distante e batia impacientemente os dedos na madeira.
A residente do quarto passou a se observar no espelho com mais frequência e notou que, dia após dia, sua aparência começou a mudar de uma forma que ela não podia imaginar. Não era o tempo que seguia seu curso normalmente, mas seu corpo que passava por uma metamorfose. Sem perceber, ela estava construindo seu próprio casulo, preparando-se para uma transformação.
Seu rosto ficava a cada dia mais quadrado e comprido, e suas feições antes delicadas agora estavam mais masculinas. Da mesma forma, seu corpo ficava mais musculoso e seus seios diminuíam, o que a fez temer estar se tornando uma aberração. "Eu sou uma mulher, mas por que não me sinto como uma? Por que aos poucos estou perdendo de vista como deveria ser? Sou suja, sou horrível." Não entendia o que estava acontecendo. Sabia que não se sentia bem como antes, mas o que poderia pensar sobre o que aconteceria agora? Se ela nasceu mulher, deveria viver como tal; aquilo não era natural. Por que não poderia ser normal? No espelho, observava atentamente todas as mudanças que aconteciam gradualmente. "Será tão ruim assim querer não ser normal?" Com o semblante visivelmente preocupado, era o cenário perfeito para o inimigo se aproveitar. E lá dos cantos, fora da luz do sol, surge a sombra. Ela estava se divertindo com aquilo, rindo incessantemente. "Ora, ora, se não é a coisa mais horrenda que meus olhos já viram. Por que tenta normalizar tal absurdo?" A mulher se reprimiu ao ouvir tais palavras, com as mãos ao redor dos braços, finca levemente suas unhas e sente que está prestes a chorar. "Por que me dirige palavras tão maldosas? Eu nunca te fiz nada." A sombra arregala os olhos, séria, vai até a mulher e segura seu maxilar para que olhe para o espelho. "Você existir já é um motivo para mim."
Ele ficou de pé na soleira e se preparou para pular novamente, agora sabendo que conseguiria. Aquele céu infinito nunca sairia de suas lembranças.
Antes que pudesse pular, Theo sentiu uma mão pequena segurando seu tornozelo esquerdo. Era a sombra, no entanto, o olhar dela estava diferente, inseguro. Theo não demonstrou medo. Ambos se encararam, e aquele ser não parecia mais uma ameaça, mas sim frágil. Theo tinha um semblante sereno. "Você é o medo que habitava em meu coração, mas agora peço que seja minha coragem. Eu não vou deixar você para trás, não desejo que sinta a mesma solidão que um dia eu senti." A figura o encarou por alguns segundos antes de sorrir e se transformar em um tom amarelo-claro, assumindo a forma de uma criança. A sombra soltou sua perna e estendeu a mão, que Theo segurou. A figura foi absorvida por ele, e Theo sentiu coragem pulsar em seu peito. Nesse momento, seu quarto também começou a desaparecer.
Theo olhou para frente, respirou fundo e saltou. Mas não caiu, e o tempo não parou. Ele pisou em algo sólido e sentiu um chão transparente como vidro se formar sob seus pés, criando um caminho até a porta. A luz que ele havia visto quando caiu no poço veio em sua direção e acompanhou seus passos até chegar à porta, em silêncio. Finalmente, era hora de usar sua chave. Ao chegar em frente à porta, Theo a retirou de seu pescoço e a utilizou para abri-la. Antes de entrar, despediu-se da pequena luz, dizendo: "Adeus e obrigado por me mostrar o caminho." A luz respondeu calorosamente: "De nada!", movendo-se eufórica. Agora Theo poderia sempre ouvir o que seu coração tinha a lhe dizer.
Enquanto atravessava a porta, Theo se lembrou do dia em que pulou pela janela e das palavras que ecoaram em sua mente: "Ouça-me, sinta-me e ame!". Eram palavras ditas pelo seu coração. Coisas tão simples, mas que muitas vezes se perdem no meio dos problemas que o cercavam. Assim que passou completamente pela porta, o mundo que deixava para trás se desfez por completo, era como se fosse um conto de fadas chegando ao fim.
Quando Theo recobrou a consciência, ouviu um som de bip ao seu redor. Abriu os olhos lentamente e deparou-se com um teto branco. Movendo a cabeça, observou o ambiente ao seu redor. Era um quarto de hospital, e na cadeira ao lado de sua cama, uma jovem de aproximadamente 25 anos segurava sua mão e dormia inclinada sobre a cama. Theo sentia-se um pouco dolorido, mas estava bem. Com o polegar, acariciou a mão que estava sendo segurada. A moça despertou com o toque e olhou para Theo. "Bem-vindo de volta", disse ela.
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