Em um quarto banhado por uma luz solar ilusória, uma mulher repousa em um sono tranquilo. Do lado de fora do quarto, não há solo firme para pisar, nem flores ou árvores para admirar. Nenhum pássaro ou criatura habita além da residente solitária. Esse mundo é envolto por um silêncio perturbador.
No entanto, dentro desse espaço, há uma única janela. A habitante do quarto não tem conhecimento de sua própria identidade. Sem nome, memórias, amigos ou familiares. Além disso, ela não sente fome, não necessita de comida. Sua única necessidade física é o sono, nada além disso. Ela está presa em uma existência inexplicável, passando seus dias e noites existindo e se perguntando diariamente: "Quem sou eu?".
A mulher se encolhia de tristeza ao pensar que sua vida poderia ser mais do que existir e habitar aquela misteriosa dimensão, mas tinha medo de uma possível mudança. Como poderia lidar com tal? E será que seria algo bom? Mas ao fim, era mais fácil crer que seria ruim e não alimentar qualquer esperança. Mesmo sem ter lembranças, um sentimento de solidão lhe preenchia o peito, entretanto, ela era a única que poderia mudar algo, porém preferia se acovardar e se refugiar no reconfortante mundinho que vivia. Além do mundo ser um poço de infinitas dúvidas, já que só havia ela, e se continuasse seguindo nesse mesmo ritmo pelo resto da vida, então seu destino já estava mais do que escrito.
Em seu pescoço usava um cordão com uma chave pendurada, com ela poderia conseguir abrir uma porta, mas tinha receio de procurar por ela, algo dentro de si a impedia e sugava todas as suas forças quando pensava sobre o assunto. Além de nem saber como era uma porta, sua textura e sua forma. Apenas sabia em seu íntimo que a resposta de tudo que buscava se encontrava ao abri-la.
Enquanto estava suspensa no ar, pôde contemplar o portal e o céu infinito ao seu redor. Era como se estivesse voando, sentindo uma alegria e uma sensação libertadora que nunca havia experimentado antes. Aquele momento de liberdade preencheu todo o seu ser, e um sorriso brotou em seu rosto.
Ela repetia para si mesma "eu posso voar", sentindo-se leve e livre de amarras. Era como se tivesse encontrado o alívio de uma jornada cansativa, um descanso indolor após uma longa caminhada. Não sentia saudades do que nunca pertenceu a ela, pois ninguém sentiria sua falta se desaparecesse. Ela era como uma página em branco, pronta para escrever sua própria história.
No entanto, a incerteza sobre o que a aguardava do outro lado do portal ainda pairava em sua mente. Ela sabia que estava prestes a embarcar em uma nova jornada, cheia de desafios e descobertas. Mas, por enquanto, ela se permitia saborear a sensação de liberdade e de estar viva, voando em direção ao desconhecido.
Antes de poder alcançar o portal, o tempo desacelerou, deixando a mulher paralisada. Apenas sua mente permanecia ativa, enquanto seu corpo se tornava imóvel. Então, de repente, o tempo voltou ao normal e ela começou a cair. Ela rasgou o céu como se fosse papel, afastando-se cada vez mais de seu quarto e do portal. O céu azul foi substituído pela escuridão. Um vazio completo a cercava enquanto ela continuava a cair, sem parar.
Diferentemente do céu reconfortante, aquele abismo parecia gélido. À medida que ela descia mais fundo, a sensação de frio e sufocamento aumentava. A mulher da janela não sentia arrependimento, mas também não encontrava felicidade na situação. Ela estava prestes a enfrentar seu destino, o qual havia aceitado, mas o medo despertou o desespero em seu coração. Por um momento, ela temeu desaparecer e nunca mais poder voltar. O medo de se perder sem ter a chance de se encontrar a consumia.
No entanto, de repente, ela avistou uma pequena luz descendo em sua direção. Com as mãos em forma de concha, ela capturou a luz e a aproximou do coração. A pequena luz começou a brilhar intensamente, e um clarão foi a última coisa que ela se lembra. Quando recobrou os sentidos, encontrava-se novamente em seu quarto, deitada em sua cama. Tudo estava exatamente como deixara, nenhum traço do ocorrido.
Levantando-se bruscamente, ela olhou ao redor, incrédula com o que havia acontecido. O impensável aconteceu. Era excitante e, ao mesmo tempo, assustador o risco que ela havia passado. Ela não sabia o motivo de estar de volta, e em sua mente apenas duas possibilidades surgiam naquele momento: ter morrido ou cair eternamente. A resposta era reativa, mas não visível aos olhos, apenas percebida pela habitante do quarto. No entanto, aquele episódio deixou marcas profundas em sua alma, marcas que poderiam se curar ou se transformar em cicatrizes.
Conforme os desenhos se acumulavam em seu quarto, tornando-o quase intransitável, uma ansiedade crescente tomou conta dela, impedindo-a de dormir e deixando seus dias cada vez mais inquietantes. Ela esperava por algo, embora não soubesse exatamente o quê. Lentamente, seus ombros foram se tornando pesados, mas ela não conseguia encontrar alívio no sono e sua angústia estava prestes a consumi-la. Descobrir a verdadeira identidade daquele homem se tornou uma questão de grande importância para ela.
Dias se arrastaram, e a mulher sentia-se cada vez pior. Não saber a identidade da pessoa do portal era algo que pairava como incertezas em sua mente, como se a falta de conhecimento não fosse suficiente. A dúvida era sua maior inimiga, enquanto a curiosidade se tornava uma aliada controversa. Foi então que ela se lembrou de que possuía uma chave em seu pescoço. Acreditava que aquela chave poderia abrir qualquer porta, mas não conseguia se lembrar como era uma porta. Mesmo assim, ela não desistiu. Reuniu uma força de vontade que nem sabia que possuía, revirou todo o seu quarto em busca de algo que se assemelhasse a uma porta, mas não encontrou nada. Decidiu então tentar dormir, porém passou a noite em claro. Seus olhos fechavam, mas sua mente não permitia descanso, funcionando como um mecanismo implacável. Ela tentava abrir e fechar os olhos, bocejar, esticar o corpo ou realizar uma série de exercícios até cansar-se, mas nada surtia efeito.
Passaram-se dias e mais dias, quem sabe desses tantos dias desde o início não havia se passado anos, décadas ou séculos? Parecia uma eternidade. Será que o fim existia? Por que ainda estava ali? Um ser humano normal já teria sucumbido à ruína, mas como não aconteceu com ela, questionava sua própria humanidade. "Quem sou eu?" A melancólica dúvida atravessava sua cabeça como um disparo. Sua única certeza era a montanha de questionamentos que a assolava constantemente, a todo momento surgindo novas perguntas, mas nunca encontrando respostas. A garota já não conseguia se olhar no espelho nem para pentear seu cabelo. Na verdade, sentia-se incomodada com sua aparência. Nunca tinha dado muita importância a isso, mas desde aquele dia do salto, algo havia definitivamente mudado dentro dela. Achava-se estranha e desconectada de seu próprio corpo.
Não tinha reclamações com nada antes, apenas existia. Ela estava errada de alguma forma. Por que essa nova pauta? Já sentia que tinha conflitos suficientes para uma única mente. Ela nasceu e cresceu naquele corpo, vivia nele, era vista através dele. Então, por que se sentia deslocada do mesmo? Um novo atrito sobre sua identidade.
Curiosamente, seu coração agora batia como o de uma pessoa normal, ela estava viva de novo. Era um pequeno tambor bombeador de sangue. Sua aparência, antes pálida, agora parecia que a cor voltou, dando-lhe uma aparência considerada mais saudável. Ganhou mais disposição. Gradualmente, sua angústia diminuiu e o mundo ao seu redor mudou conforme ela mudava.
Um dia choveu. Tal coisa nunca havia acontecido antes. Estendendo o braço para fora, sentiu as gotas molharem sua mão. Eram gotas refrescantes e suaves. O céu estava cinza, e as nuvens, antes brancas, se apresentavam em um cinza escuro. A chuva começou leve e agradável, mas depois foi engrossando e ficando intensa. Mesmo assim, era belíssima, com raios e trovões participando daquela intensa festa no céu. Ela teve medo à primeira vista, mas o medo se transformou em fascínio. Ao final, vislumbrou um lindo arco-íris roubando a cena como o novo protagonista daquela peça teatral denominada clima.
Na outra semana, o calor estava mais forte que o normal, como em um dia de verão intenso. Ela mal aguentava ficar vestida, então ficava somente de calcinha, se abanando com um leque improvisado feito de papel. Sentia o suor escorrendo por sua pele, mas, em contrapartida, uma súbita energia também surgia. Não gostava dessa sensação. Implorava aos céus para que a chuva retornasse e pudesse se refrescar, mas sua prece não foi atendida.
Passou-se um longo tempo e começou a nevar. Os flocos eram brancos e pequenos, trazendo consigo o frio, que se revelou bastante aconchegante, pois sua cama se tornava o lugar mais prazeroso para se estar e se aquecer. No entanto, naquele dia, ela desejou um abraço, para aquecer onde as cobertas não alcançavam.
Tantas mudanças haviam ocorrido, e ela se perguntou sobre a porta, se a encontraria agora, mas também falhou. Tinha certeza de que olhou em todos os cantos de seu quarto, mas não havia uma "porta" lá. Era frustrante, especialmente quando colocava empenho em algo. Seu único refúgio era a soleira da janela e o portal do mundo exterior, além do homem com o rosto borrado. Mesmo sem saber quem ele era, ela podia sentir muita paz, como se ambos fossem amigos de longa data.
À medida que o tempo passava, ela continuava evitando se olhar no espelho, e meses se passaram dessa maneira. Ela simplesmente não conseguia fazer isso, tentava entender melhor seus sentimentos a cada dia, mas eles eram complicados e não tinha ninguém para pedir conselhos. Conseguia compreendê-los até certo ponto, mas se sentia feia por dentro e por fora. Além disso, olhar para seu guarda-roupa só aumentava sua insatisfação e desânimo. Aquelas roupas não a representavam mais e não a deixavam confortável ao usá-las. Ela se perguntou como conseguia vesti-las antes e fez uma comparação com Rapunzel, a princesa de longos cabelos presa em uma torre solitária. No entanto, a palavra "princesa" a incomodou, então trocou para "pessoa presa na torre", parecendo combinar melhor com seu eu atual, mas ainda sentia que faltava algo.
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