Correndo pelo mercado movimentado, Darka procurava por Miko entre as muitas tendas da rua. Encontrou o luziwurmo tentando negociar um pacote de doces com outro luziwurmo.
— Miko! Precisamos ir, agora! — Sem esperar concluir a compra, Darka pegou em sua mão e saiu arrastando-e até o beco.
— A-Aconteceu alguma coisa?
— Ainda não, mas vai acontecer se eu não fizer nada. Aqueles dois pentelhos estão aqui também e dessa vez querem derrubar a cidade inteira.
— De novo? Eles sabiam que você viria para cá?
— Não faz diferença agora. Eu vou tentar impedir eles, mas preciso de um plano... — Darka ficou pensativo por alguns momentos. — Já sei! Miko, quero que soe o alarme de enchente da cidade. Ninguém desobedece esse negócio, então se pelo menos o pessoal sair da cidade já evita um desastre.
O Rio Marue nascia em uma montanha. O derretimento da neve e chuvas no cume acabava fazendo o rio transbordar e enxurradas aconteciam com certa frequência, então a cidade teve que instalar um sistema de alarme para evacuação em último caso. O dia estava muito nublado, então soar o alarme era a melhor chance que tinham.
— É só seguir até o final da rua principal e virar à direita que você vai ver o prédio com as sirenes. Tenta entrar despercebido e disparar o sinal, tá bom? Enquanto isso eu vou tentar procurar eles nas galerias. Captou tudinho?
— Capti, senhor! — Miko fez uma pose de continência, com certa animação. — Agradeço por me deixar ajudar dessa vez!
Darka sorriu e abraçou Miko. Estava feliz de ter alguém do seu lado nisso tudo, e a ideia de perder uma pessoa preciosa assim deixava ele mais determinado ainda a evitar uma catástrofe. Ele se levantou e voltou para o mercado, enquanto Miko corria na direção contrária para as sirenes de Caadis.
As entradas para as galerias eram escotilhas que ficavam em pontos estratégicos da cidade e Darka lembrava vagamente de algumas delas, devido a missão onde teve que sabotar uma fábrica clandestina de corantes tóxicos muitos quilômetros rio acima. O incidente sobre "transformar o Rio Marue em sangue" veio daí, já que no dia da missão a fábrica estava fazendo corante vermelho.
Assim que encontrou uma das entradas próximo à ponte que levava à rua principal, Darka ouviu o alarme soar pela cidade inteira. O efeito dele foi imediato, pessoas começaram a fugir e mercadores recolhiam o que podiam, correndo em um verdadeiro caos.
— Caramba, Miko conseguiu mesmo! Mas ainda preciso abrir essa porcaria...
Ele tentava abrir a pesada escotilha de metal enferrujada, quando um arrepio passou pela sua nuca. Uma sensação familiar que fez ele se virar sabendo que tinha alguém indo em sua direção. Mas dessa vez era diferente, havia uma hostilidade quase palpável no ar.
— Maldito...
Katarina andava pela ponte, contrária à multidão que fugia. Seus olhos brilhavam como brasa e fuzilavam Darka com um ódio insano.
— Mas o que... aquela é a Katarina?
— Eu sabia que se esperasse e te seguisse, você iria direto me mostrar para onde eu precisava ir. Dessa vez não vou errar. Não vou sair daqui sem seu coração nas minhas mãos, Impronunciável!
— Katarina, olha, a gente já sabe que isso não vai dar em nada, né? — Darka tentava se afastar dela. — Nenhum de nós quer causar danos aqui, essa cidade não é exatamente estável... Se não tomar cuidado, vai tudo rio abaixo!
— E esse é seu objetivo, não é?! O selo de meu antepassado Angelus Aurea bloqueia a corrente mágica que flui debaixo desse lugar! Eu sei que o sei plano sujo é destruir os bloqueios para retornar o fluxo de magia para a intercessão onde sua mãe desprezível está enterrada!!
— Calma! Eu já disse que não fui eu que...
Darka foi interrompido por um ataque da paladina, que cruzou a distância entre eles em um piscar de olhos. Ele quase não conseguiu desviar do golpe vertical da espada dela, saltando alguns metros para longe. Havia algo diferente em Katarina dessa vez, e ele notou isso. Um fogo selvagem ardia na alma dela, mas não de uma forma saudável. Não era o fogo de uma guerreira focada em derrotar seu inimigo; estava mais para uma sede de sangue que só seria saciada com uma morte extremamente tortuosa. Darka sabia que se não tomasse cuidado e levasse a luta a sério, seria morto de verdade.
— Vai ser do teu jeito então, pelo visto. — Darka rosnou.
✰★✰★✰
Correndo o mais rápido que podia, Miko fugia de volta para a rua do mercado. Mas assim que virou a esquina viu Darka e Katarina lutando ferozmente, notando também como a paladina estava diferente. Os golpes dela, antes precisos e elegantes, agora eram brutos e ferozes. Seu amigo também parecia estar mais sério e concentrado, na maior parte do tempo desviando das investidas de Katarina. Algumas pessoas ainda corriam tentando fugir tanto da suposta enchente quanto da briga que acontecia.
— A senhorita Katarina veio para cá também... Desse jeito o Darka não vai conseguir fazer nada...
Miko tentava pensar em como ajudar, quando um vulto passando por cima dos telhados chamou sua atenção. A forma e as cores das vestimentas eram familiares, e logo reconheceu como sendo a garota que viu no pátio em chamas, Dia.
— Aquela pessoa... — Ile rapidamente se pôs a seguir a figura. Apesar de pequenos, luziwurmos eram ágeis, fortes e rápidos, então não foi difícil para Miko subir pelos canos das paredes e alcançar Dia. Assim que conseguiu se aproximar o bastante, se jogou na direção da garota e a empurrou de cima do telhado onde estavam. A queda dos dois foi amortecida pelos toldos e cabos que cruzavam o beco onde caíram.
— Mas que diabos... — Ainda caída, Dia baixou o capuz e olhou em volta tentando entender o que havia a atingido. Sua máscara estava jogada a alguns metros dali partida ao meio. — O que pensa que está fazendo, luziwurmo?!
— Estou ajudando meu amigo! — Miko se levantou, limpando um fio de sangue que escorria de um machucado em sua testa. — Vocês são dois idiotas e eu não vou deixar estragarem tudo e colocar a culpa nele de novo!
Dia pareceu surpresa com a atitude do pequeno ser à sua frente, mas logo sua expressão mudou para irritação. Ela levantou e virou de costas para Miko, indo atrás de sua máscara, mas antes mesmo de dar um passo sentiu algo bater em sua cabeça com muita força.
— Volta aqui, eu ainda não terminei com você! — Miko havia jogado uma pedra em Dia para chamar sua atenção.
Se virando lentamente, Dia agora estava furiosa. Miko notou como mesmo irritada, a garota tinha um rosto muito bonito.
— Você não sabe o que está fazendo, luziwurmo. Estamos aqui para ajudar o mestre a trazer a Lady Yrina de volta! Você deveria estar do nosso lado! Seu sangue é como o nosso, das terras do Oeste, de Fearaniar!
— Não sei do que está falando, senhorita Dia, mas eu não ligo! Isso foi há centenas de anos e não significa absolutamente nada! Eu nasci aqui e essa aqui é minha terra, eu não vou deixar vocês destruírem ela!
A expressão dela fechou mais ainda.
— Eu não tenho mais tempo para perder com você.
Rápida como um raio, Dia avançou em direção à Miko, atacando com um chute e derrubando-e no chão. Com a mão esquerda ela prendeu seu ombro, enquanto a direita puxou um pequeno canivete e o levantou em direção a criança.
Miko tentou se debater sem sucesso, enquanto via a expressão de Dia ir da raiva a um sutil vislumbre de tristeza, que se foi tão rápido quanto apareceu.
— Adeus, luzi...
Dia foi interrompida por um forte chute na cabeça que a jogou inconsciente em uma pilha de lixo ali perto.
— Você está bem?
Uma figura se abaixou para ajudar Miko, oferecendo sua mão. Madeixas rosas emolduravam um rosto delicado, com olhos dourados como âmbar ostentando uma expressão preocupada. Miko sentiu como se devesse conhecer aquela pessoa, mas nunca tinha visto ela na vida.
— E-Eu estou... sim, estou bem, agradeço!
— Vem, vamos sair daqui. — O garoto pegou a mão de Miko e começaram a correr. — A enchente pode chegar a qualquer momento!
— Espera, meu nome é Miko! E eu não sei por que, mas acho que eu deveria saber seu nome!
O jovem estranhou um pouco a apresentação, mas respondeu sorrindo.
— Pode me chamar de Amara.
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