— Senhorita Daena, aquele ali não é o seu...
— Pai?! — Ela quase engasgou. — Sai daí agora! Você não pode contra eles!!
Se ele sequer ouviu o apelo da filha, ignorou completamente. Avançando pelo pátio enquanto desviava dos escombros, o governador não tirava os olhos do jovem que continuava desferindo golpes contra a dupla encapuzada. Cada movimento liberava uma rajada da energia azul acumulada que parecia jorrar do corpo dele.
— Noite, ele está bem bravo com a gente. — Dia conversava casualmente com seu irmão enquanto desviava dos poderosos golpes. — Mas acho que não muito porque está pegando leve nos ataques.
— Ele deve estar nos testando. Concentre-se, Dia, e não o decepcione!
— Certo!
Dia então se preparou para um contra-ataque. Darka parou quando viu a pequena encapuzada fazendo uma pose de ataque, estranhamente parecida com a de um famoso ninja de um famoso anime que levava seu nome. Uma corrente de magia se concentrava na sua mão.
— Nem ferrando que ela vai soltar um Raseng...
— Morra, maldito! — Ele ouviu a voz do governador, que corria em sua direção brandindo o grande sabre. Ainda estava relativamente longe, pois desviar do rastro de destruição do incêndio o atrasava, mas já dava para ver seu semblante de ódio o encarando.
Darka percebeu que estava em apuros. A energia do incêndio que ele absorveu já estava transbordando e tinha que ser direcionada logo, antes que explodisse em uma onda para todos os lados. Além disso, com Dia atacando de um lado e o governador do outro, se ele saísse do caminho o encontro entre o sabre e a magia claramente acabaria com alguém ali, muito provavelmente o pai de Daena.
Sem pensar muito, ele apenas avançou contra Dia, focado na esfera de energia que aumentava na mão dela. Com um movimento rápido, Darka puxou o braço da garota direcionando o golpe para outro lugar. Ela o encarou com uma expressão confusa, logo substituída por surpresa quando se sentiu sendo jogada com muita, mas muita força na direção de Noite. Ele ainda tentou segurá-la, mas a velocidade com que ela o atingiu empurrou os dois contra uma parede que desabou com o impacto.
"Eita, acho que joguei com muita força." — Darka pensou. — "Ótimo."
Um estrondo chamou a atenção dele, vindo de cima. Ele se virou a tempo de ver metade de uma das torres, destruída pelo golpe desviado de Dia, cair em direção ao homem que ainda estava tentando alcançá-lo. O grito de Daena foi o gatilho para Darka finalmente direcionar seu ataque, praticamente desintegrando os escombros segundos antes deles atingirem o governador.
— Pai! Se machucou? Está ferido? — A garota correu até ele preocupada, seguida por Miko. Ele havia caído de joelhos com a onda de choque da explosão e estava apoiado em seu sabre.
— Estou em perfeito estado, minha filha, e vou terminar isso ago... — Quando viu que seu pai estava inteiro, o semblante de Daena mudou e ela desferiu um soco no rosto dele.
— Ai! Daena! O quê...
— O senhor é idiota?! Como que vai se meter em uma briga dessas, não viu que era perigoso?!
— Eu apenas segui meu coração, Daena! E ele me disse para lutar!
— Seu coração quer é te matar! Um ataque cardíaco seria uma forma menos cruel de você morrer!
Depois de perceber que os dois haviam fugido, Darka apenas bufou frustrado e se aproximou do governador e sua filha. Ele ainda estava receoso em ser empalado com o sabre do guerreiro, então tentou não chegar perto demais.
— Caramba, dá pra ver de quem a Daena puxou o temperamento. O senhor tá bem? Foi mal pela explosão, não tinha muito o que fazer sobre isso. — Miko correu até Darka e entregou sua capa. — Ah, valeu, Miko.
O homem, que ainda estava esfregando o nariz, se virou para ele imediatamente levantando sua lâmina e se pondo na frente de Daena.
— Você... seu...
— Demônio? Maldito? Escória? Estrupício? — Darka enumerava os possíveis xingamentos que viriam. — Qual vai ser dessa vez?
— Traidor! Eu confiei em você!
A fala pegou todos ali de surpresa, principalmente Darka. Lauren não lembrava de ter encontrado o governador pessoalmente durante qualquer parte do jogo, mesmo em "Tempo e Grandeza", missão em que passou uma semana inteira em Talphen ajudando na reforma da torre do relógio da catedral da cidade. Missão essa que inclusive terminou com o atentado mais famoso de Darka: a explosão da dita torre.
— Pera aí. Do que exatamente você tá falando? Eu nunca te vi antes, sempre que vim aqui você tava enfiado no seu gabinete e não saía por nada!
— Vai fingir demência agora? O nome "Estephan" não te lembra nada?
Lauren lembrava de Estephan. Não tinha como não lembrar, ele era um personagem importante e muito presente em "Tempo e Grandeza". A missão começava com Darka aceitando um pedido de ajuda de mão de obra para a reforma da torre da catedral, e o responsável pelo planejamento e execução era Estephan Evelot. Lauren gostava bastante daquele NPC pois ele agia como um "paizão", era muito simpático e sempre preocupado com todo mundo, o que lembrava seu falecido avô. Naquela época, a má fama de Darka ainda não havia chegado a Talphen e não haviam cartazes com seu rosto espalhados por aí, então poder fazer uma missão com alguém que não queria matar seu personagem era até reconfortante.
Uma das características de Estephan era usar uma máscara parecida com aquelas de gás, então fazia sentido Darka não reconhecê-lo. Ele nunca mencionou sua identidade como governante, e parando para pensar bem, isso fazia algumas peças daquela missão se encaixarem, como o fato dele estar sempre acompanhado por dois guardas e constantemente reclamar de ter dois empregos.
— Como você pôde destruir o relógio?! Você sabia o que ele significava para mim! Fora que dezenas de pessoas quase morreram naquela explosão!
— Opa, peraí! Eu posso explicar, mas muito provavelmente você não vai me escutar, pelo menos não enquanto estiver agindo como um brucutu irracional. — Darka cruzou os braços, encarando o homem.
— Pai, não foi culpa dele, foram aqueles dois que estavam aqui! Eles planejaram tudo, estão tentando colocar a culpa no Darka!
Estephan olhou para a filha, tentando resolver seu conflito interno sobre acreditar que ela não havia sofrido lavagem cerebral para falar aquilo. Ele respirou fundo e baixou seu sabre.
— Explique-se.
Darka ficou surpreso com a facilidade que ele cedeu. Parecia que Daena era o seu ponto fraco, e pensar na relação dos dois causou um pouco de inveja em Lauren. Na vida real, a relação dela com o pai era muito diferente daquilo.
— Você me mandou buscar as peças pra consertar o gerador do relógio da torre, eu peguei as peças e entreguei pro pessoal da reforma. — Darka começou a se explicar, gesticulando. — Aí no fim do dia um dos engenheiros pediu pra eu voltar e checar se a caldeira estava desligada, voltei lá e além de estar ligada ela também tava tipo, muito sobrecarregada, acho que entupiu alguma coisa importante, enfim. Foi quando eu tentei desligar, mas antes que eu sequer chegasse perto dela, ela explodiu.
— Mas a caldeira era nova! Eu havia instalado ela pessoalmente uma semana antes!
— Sim, mas agora que sei que tem aqueles dois moleques tentando queimar minha imagem eu consigo ter uma ideia do que houve com a caldeira. Devem ter espalhado que fui eu quem causou a explosão. — Ele pausou, ficando um pouco mais sério. — Eu nunca destruiria de propósito o relógio que sua falecida esposa criou. Eu nunca esqueci do quanto você repetia que a amava. Você me disse que aquilo era a coisa mais preciosa que ela havia deixado pra você, depois de sua filha.
Dessa vez foi Daena quem ficou surpresa. Ela não sabia que o relógio era algo relacionado a sua mãe, e se soubesse antes nem teria se dado ao trabalho de deixar Darka vivo quando se viram a primeira vez.
— Eu não quero ressuscitar a Yrina e não quero destruir nada. Esse tempo todo eu só fiquei fazendo missões aleatórias e achei que tava ajudando com coisas, mas na verdade descobri que tava sendo feito de bode expiatório. Não sei se vai acreditar em mim ou não, mas eu tô falando a verdade. No momento só quero encontrar um amigo meu ali na vila de Olsid e nada mais. Eu realmente sinto muito, de qualquer forma foi indiretamente minha culpa também, mas não foi intencional.
Estephan ainda processava tudo, sem saber o que falar. A voz de Katarina já podia ser ouvida novamente, gritando ordens e aparentemente voltando ao pátio. Miko puxou a mão de Darka.
— Senhor, a Katarina está vindo para cá. É melhor sairmos.
— Você me salvou agora há pouco, não foi? Quando a torre caiu. — O governador recuperou a postura. — Por isso, o deixarei ir. Com isso, ficamos quites.
Darka sentiu que não precisava dizer mais nada para Estephan, pelo menos não ali, então ele apenas se abaixou e fez sinal para Miko subir em suas costas.
— Bom, então vou indo antes que eu seja empalado pela espada sagrada daquela mulher doida. — Ele saiu correndo em direção a parte do muro que estava quebrada pelo impacto dos garotos. — Desculpa aí pela bagunça!
Katarina chegou bem a tempo de ver Darka saltando pelo buraco, mas assim que correu na direção dele foi interrompida por Estephan.
— Chega, Katarina. Deixe-o ir.
A mulher olhou para ele como se tivesse levado uma facada pelas costas. Daena nunca tinha visto a tia tão ofendida na vida.
— Deixá-lo ir? O que deu em você, Estephan?! É o Impronunciável!
— Eu falei para deixá-lo. — ele levantou a voz. — Está me desafiando, senhorita Aurea?
A paladina apenas encarou seu irmão por alguns segundos, antes de virar e se dirigir de volta ao portão do pátio. Daena podia jurar que viu um relance de brilho vermelho nos olhos dela.
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