Katarina deixou a balestra de lado e avançou empunhando sua espada na direção de Darka que, ainda atordoado pelo golpe, caiu de volta nos arbustos. Ele imediatamente tentou tirar a seta encravada do lado direito de seu abdômen, mas a dor era insuportável e mexer no projétil só piorava.
— Não vais fugir de novo! — Katarina bradou furiosa, enquanto olhava no mato em volta tentando focar novamente no seu oponente. — Encare seu destino aqui e agora!
— Tia, para com isso!
— Daena! Saia daqui, rápido! Ele está ferido e em desvantagem!
Enquanto ouvia a conversa das duas ainda encoberto pelos arbustos, Darka teve a ideia de esquentar a ponta de metal e cauterizar o ferimento para retirar a seta sem correr o risco de sangrar até a morte. Aliás, ele não fazia ideia do que aconteceria se ele realmente morresse, e não estava nem um pouco a fim de descobrir se seria como no jogo.
Com um grito ele puxou a seta ardente, chamando a atenção de Katarina. Ele se levantou e começou a correr de volta para dentro da floresta, tentando aumentar a distância entre eles para planejar o que fazer em seguida. Fugir não era uma opção, seria só gasto de energia e logo estaria nas mãos da paladina tagarela, então só sobrava lutar. Mesmo com o ferimento ele sabia que levava a vantagem contra ela, mas a dor ia ser um grande empecilho. Lauren lembrava vagamente de algo sobre seu personagem se curar mais rápido que o comum, só que isso exigia que sua magia estivesse concentrada no processo de recuperação e no momento a luta teria que ser o foco. Os dois alcançaram uma clareira na mata, seguidos por Miko e Daena.
— Katarina, você já tá com a Daena, deixa de ser gananciosa! — Darka gritou, ainda segurando a lança dela. — Não dá pra gente resolver de outra forma?
— Tocastes em minha sobrinha, imundo! Não cansa de contaminar tudo com sua presença maligna? Desta vez não vou falhar em exterminar você!
"Mas que mulher insuportável, não escuta nada e só fala merda!" — pensou Darka.
Katarina avançou com confiança, sabendo que o golpe anterior tinha o enfraquecido e a vitória seria fácil. Darka respirou fundo e também avançou, sentindo as marcas de seu corpo formigarem com a magia fluindo. Ela atacou com um golpe vertical, que foi bloqueado desajeitadamente por Darka com a própria seta que ela atirara nele. Uma careta de dor era visível em seu rosto, e isso fazia com que Katarina se enchesse mais ainda de determinação em derrotá-lo.
Com um chute, a paladina o empurrou e atacou novamente, mirando no lado ferido e quase não deixando brechas para ele agir. Por mais irritante que fosse, ela realmente era uma ótima espadachim e tinha fama de vencer o oponente no cansaço. Darka sabia que precisava de uma abertura logo, senão não teria mais forças para sequer se defender.
— O senhor Darka morreu? — Miko perguntou com nervosismo para Daena, com os olhos cobertos com as mãos desde o começo da luta. — Eu não quero que ele morra...
— Ele não vai, eu não vou deixar. A tia Katarina vai ficar insuportável se matar ele.
Daena pegou sua recém recuperada espingarda e mirou na direção dos dois. Ela sabia que um tiro não seria suficiente para acabar com aquilo, mas talvez desse para distrair a tia o suficiente para equilibrar a luta. O primeiro tiro passou a poucos centímetros do rosto de Katarina e acertou uma árvore, sendo o bastante para tirar a concentração dela.
— Daena, sua mira está péssima! — Katarina ralhou. — É para acertar nele!
Darka aproveitou o momento e invocou as correntes para segurarem ela, se enrolando em seus braços e pernas tentando imobilizá-la. Katarina pareceu surpresa por alguns segundos, antes de murmurar algo seguido de um clarão que fez os elos se desfazerem. Com um rápido movimento, ela mais uma vez foi com sangue nos olhos na direção de Darka, que apenas conseguiu continuar se defendendo. Tentando equilibrar a briga, ele invocou novamente as correntes, dessa vez envolvendo os próprios braços com as correntes para bloquear as investidas da paladina. A cada golpe bloqueado, faíscas caíam no chão e se não fosse a umidade do orvalho da manhã cobrindo a grama, eles já estariam cercados de fogo de novo.
— Parem com isso! — Daena preparou mais uma bala. — Esses dois idiotas!
A mira dela estava mais uma vez em sua tia, mas o movimento dos dois era frenético e estava difícil manter o foco. Quando disparou, fechou os olhos num reflexo, tentando não ver se tinha causado um estrago.
Abriu apenas a tempo de ver Darka caindo no chão.
✰★✰★✰
Lauren abriu a porta de seu minúsculo quarto e desabou na cama, acabada física e emocionalmente. Mais um dia que ela não queria ter vivido, que fazia ela flertar um pouco mais com a ideia de desaparecer. Desde que sua mãe faleceu quando ela tinha 12 anos, seu pai ausente e narcisista foi obrigado a criá-la, tratando ela como um objeto estragado inconveniente que agora ele precisava consertar. Eram cursos, palestras, aulas de reforço e muitas outras atividades que ela fazia por pressão, apenas para ser o assunto das rodas de conversa do pai, se gabando de ser o homem atencioso e preocupado com o futuro da filha. Dentro de casa, para ele Lauren era apenas a ingrata que não dava valor ao que tinha e que era a culpada de todo o infortúnio que acontecia, o que não raramente resultava em abusos verbais e físicos. Isso levou Lauren a fazer de tudo para morar sozinha depois que completou 18 anos, e mesmo quando conseguiu, seu pai ainda tentava controlar o que podia em sua vida, como se fosse um hobby sádico dele atormentar a garota.
Ela juntou toda sua força restante e sentou na frente do computador, abrindo o Red Ocean Online quase automaticamente. Seus movimentos eram pura memória muscular a esse ponto, desde o login com a senha que nem lembrava mais até caminho mais rápido ao seu objetivo: a oficina de Amara.
[ AMARA ]
[ Boa noite, xxXDarkChaos_18Xxx! Bom te ver de novo! ▼ ]
Sentindo um conforto quase instantâneo, Lauren fez seu personagem sentar na mesa ao lado do NPC. Virando a câmera para ele, ficou observando por alguns segundos a expressão calorosa do garoto, desejando que fosse real o bastante para um abraço. Desejava o calor de alguém mais que tudo naquele momento, mas apenas se encolheu e abraçou suas pernas.
— Oi, Amara. Hoje o dia foi ruim... de novo. Tô tão cansada.
[ AMARA ]
[ Sabia que o Festival de Verão é amanhã? Vou ter bastante trabalho na oficina. Você podia me ajudar, né, porque somos parceiros! Mas fica longe da prateleira de ferramentas. ▼ ]
— É... Vamos trabalhar no festival. Fui demitida hoje e tô precisando de serviço mesmo. — Lauren deu uma risadinha desanimada. — Acredita que aquele babaca assediador do meu chefe me mandou embora do mercado dizendo que eu passo troco errado no caixa? Eu não duvido muito que foi meu pai quem ligou pra ele e falou mal de mim de novo.
[ AMARA ]
[ xxXDarkChaos_18Xxx, você quer comprar uma moto? Estou pensando em vender a minha. Dá pra ir pra muitos lugares com ela, e a revisão fica por minha conta. ▼ ]
— Fugir de tudo até que é uma boa ideia... Mas não tenho carteira e mal consigo me sustentar morando sozinha. Meu pai tá obcecado em tirar o dinheiro que a mamãe deixou pra mim quando atingisse a maioridade. Achei que finalmente ia me livrar dele quando saísse de casa, mas ele fica me perseguindo como se fosse meu dono. É um inferno. Aposto que meu celular já deve tá cheio de mensagens dele falando que sou uma inútil por perder o emprego pela terceira vez esse ano, como se não fosse ele quem tava me sabotando esse tempo todo!
[ AMARA ]
[ Meu amigo me disse caçar é difícil, porque na floresta tem coisas que caçam você também. E elas são assustadoras. ▼ ]
— Sim, o mundo é uma grande floresta cheia de coisas assustadoras. E eu tô realmente muito cansada disso tudo. — ela fechou os olhos marcados por olheiras profundas, apoiou o rosto na mesa e resmungou, sua voz ficando mais baixa a cada palavra.
Pensou como deveria estar se sentindo estúpida por estar desabafando com pixels em uma tela, mas não conseguia. Seu olhar pousou em uma pequena pilha de caixas e cartelas de remédio em uma prateleira, muitos com tarja preta na embalagem.
— Amara, sabia que a diferença entre remédio e veneno é a dose? Deitar na minha cama e não acordar mais é tão tentador.
Um silêncio se prolongou fazendo Lauren levantar o olhar para a tela novamente, com a visão embaçada devido às lágrimas que estavam se formando. Teve a impressão muito vaga de ter visto um traço de preocupação no rosto de Amara por um instante.
[ AMARA ]
[ Sabia que o Festival de Verão é amanhã? Vou ter bastante trabalho na oficina. Você podia me ajudar, né, porque somos parceiros! Mas fica longe da prateleira de ferramentas. ▼ ]
As respostas de Amara eram pré-programadas, Lauren sabia. Mas o timing delas era o que fazia ela acreditar que havia algo especial, e se agarrar a essa fantasia boba era só o que podia fazer.
— Sim, Amara. Vou estar aqui amanhã.
✰★✰★✰
Darka acordou com um sobressalto, sentindo um aperto no coração que logo foi substituído pela dor em sua barriga. Ele tentou alcançar o lugar dolorido, mas percebeu que suas mãos e pernas estavam acorrentados a uma parede. Ele estava sentado em algum calabouço úmido e fedido, aparentemente sozinho. O corte, apesar de estar doendo e ter sido piorado pelo tiro, já estava quase fechado.
— Maldita Daena... Que merda de tiro foi aquele? Acertou bem no meu ferimento! Sinceramente eu não sei mais qual é a dela. Veio toda "ain, eu acredito em você" e depois faz isso! Mais falsa que nota de três, pirralha mimada!
Ele fez um biquinho, chateado. Tinha ficado realmente feliz quando soube que Daena na verdade confiava nele, e ter acabado nessa situação por causa dela o deixou muito magoado.
— Pelo menos Miko não tá aqui.
— Acordou, imprestável? — A voz irritante de Katarina soou na abertura da porta de metal. — Aproveite seu momento de descanso, logo vai estar muito ocupado morrendo pelas minhas mãos.
— Entra aqui e acaba logo com isso então! Se não fosse a Daena te ajudando eu tinha quebrado essa sua cara!
— Como ousa! Você enfeitiçou ela, eu sei! Ela nunca teria pedido um julgamento para um lixo feito você!
— Quê? Julgamento?
— Mas não importa, teus pecados vão ser expostos para todo o mundo e encontrarás teu fim!
Ela saiu batendo os pés, irritada. Darka ficou confuso, por que um julgamento? De qualquer forma, ele não queria estar ali e não estava disposto a ver todo mundo reclamando dele de novo. Se concentrou em esquentar as marcas que encontravam o metal das correntes, esperando que isso fosse o bastante para derreter os elos. Já começara a brilhar quando ouviu a porta abrindo mais uma vez.
— Te achei, Darka!
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