“Ei,” alguém chamou a atenção de Mine. “Cê tá sozinho?”
Assim que ouviu seu nome ser chamado, Mine virou a cabeça para identificar a origem da voz. Apesar da penumbra em tons de roxo e azul, ele reconheceu a pessoa e apoiou a mão no queixo. “E esperando o momento exato pra ir embora,” ele riu, enchendo sua taça com vinho tinto. “E você? O que você tá fazendo aqui, Addai?”
Addai riu e sentou-se na cadeira próxima de Mine. “Tive a gentileza de oferecer minha presença ilustre, e é assim que você me trata?”
Mine riu e deixou que Addai ficasse ali mesmo. Ele estava sozinho afinal de contas... e Addai poderia ser sua rota de fuga daquela festa entediante.
O jovem professor de Mana Impuro estava vestido com camisa social branca e um par de calças sociais pretas e bem arrumadas (sem nenhuma dobra ou amassado) exalando uma vibe não muito chamativa – ao contrário do terno surpreendentemente colorido de Soleil, todo estampado com flores. Mine pegou na manga da blusa de Addai e emitiu um barulho de aprovação.
Falando em festa, o evento realizado pela Universidade de Magia celebrava os vários prêmios recebidos e os professores indicados na premiação, bem como o aniversário de fundação da instituição naquele mesmo dia – um bolo de coisas numa festa só.
A maioria dos professores estavam entusiasmados, mas nem todos. No início do dia, Mine tinha planejado diversas maneiras de recusar educadamente o convite que Soleil lhe entregou – mesmo ele sendo um dos professores premiados naquela noite –, mas Abannak fez o favor de, além de lembrar o pessoal da festa, dizer que a presença de todos era de fundamental importância. A maioria dos professores, então, confirmou a presença, mesmo aqueles que Mine tinha certeza de que não iriam, como Lydia, Fani e Aarush – cada qual com sua desculpa bem elaborada e nenhum prêmio a receber, exceto Lydia, mas como o prêmio era dividido com a professora Hera... ela tinha alguém para representar a dupla.
Mine teve dois tipos de treco, mas não encontrou nenhuma desculpa e ninguém poderia receber o prêmio por ele... então ele teve que ir apesar de detestar esse tipo de comemoração e detestava mais ainda ser colocado em um pedestal frágil feito de ouro.
Mine virou o copo de vinho e estalou a língua, fitando seu colega. “O mais novo professor teve a ousadia de aparecer esta noite...” sorriu com pitadas de provocação. “Quem diria que você teria coragem de aparecer numa festa dessas.”
Antes todo charlatão, Addai fitou Mine com uma expressão um tanto sombria, como se todo o brilho se esvaísse naquele instante. Seus olhos transpareciam que ele também não queria ter vindo e estava contando os segundos para ir embora.
“Sr. Soleil veio todo radiante, então eu não pude dizer não..." Addai suspirou.
Mine cruzou os braços e provocou. "Então você tem um fraco por sorrisos..."
“Só para alguns deles,” Addai o provocou de volta com uma piscadela e um sorriso.
"Ugh, isso foi nojento", Mine riu. “Quem poderia adivinhar que um sorriso é a fraqueza do Grande Addai... interessante.”
“As pessoas magníficas também têm falhas,” Addai disse com entonação alegre.
“Pare de tagarelar,” Mine ofereceu um pouco do vinho para Addai que prontamente pegou a sua taça.
A bebida alcoólica estava começando a fazer efeito em Mine, que insistiu em terminar uma garrafa de champanhe que dividia com o Sr. Shire mais cedo. Seu corpo estava cada vez mais sonolento e seu rosto começava a ficar quente.
Addai pegou a garrafa antes que Mine pudesse virar o líquido e a colocou fora do alcance de Mine, que resmungava sobre como Addai roubou a sua bebida. Mas o professor não deixou o outro de mãos abanando, ele deu uma garrafa de água com gás para Mine, que agradeceu mesmo querendo o champanhe.
A música, antes lenta e monótona, aos poucos tornou-se cada vez mais agitada. As luzes também mudaram de nuances, tornando-se mais quentes e alaranjadas, combinando com o ritmo envolvente e alegre da música. Mine estava farto de ouvir essas mesmas músicas toda vez que Woltz e Aarush tocavam, mas ouvi-las com a pista de dança disponível, aquela iluminação envolvente e o ambiente animado... dava uma sensação totalmente diferente.
Mine rapidamente examinou suas vestimentas. Elas poderiam rasgar? Talvez. Ele suaria muito? Sim, mas como seu cabelo estava preso... não iria incomodar muito.
“A pista de dança tá pegando fogo hoje, hein,” Addai olhou para os professores animados (até demais).
“Né...” Mine pousou a mão em seu queixo e sentiu a euforia da música tirar o efeito do álcool de seu corpo. Parece divertido.
Salsa, swing, foxtrote... As luzes dançavam conforme a música tocava, e os dançarinos se divertiam cada vez mais na pista de dança – impulsionados pela bebida misteriosa que Soleil trouxe. Mine também queria entrar na pista de dança. Ele adorava ver as luzes brilhando sobre ele, sentir a música permear seus membros e ouvidos, e sorrir enquanto as gotas de suor caíam no chão..., mas não conseguia arrumar coragem o suficiente, ou pelo menos assim pensava.
“Vai lá e torce o tornozelo,” Addai provocou assim sem mais nem menos.
Que audácia! Mine bufou e fitou-o. “Como se eu fosse cometer um erro de iniciante.”
"Aé?” Addai deu aquele sorrisinho cínico de sempre e Mine sentiu sua pele formigar.
Vou te ensinar um negócio. Mine sorriu de volta, mas não disse nada.
“O Grande Mine é tão poderoso assim-“ e Mine pegou uma das mãos de Addai e não tinha intenção alguma de soltar. “Ei, solte minha mão.”
“Vou te ensinar uma lição,” Mine puxou Addai, que saiu tropeçando.
Quando percebeu para onde Mine o arrastava, os olhos de Addai arregalaram-se e todo aquele cinismo e pose sumiu rapidamente. “Eu danço muito mal-”
“Shhh~” Mine colocou um dedo nos lábios de Addai, fazendo-o fechar a boca e fitá-lo confusamente. “Siga os meus passos e não torça o tornozelo.”
Jogando Addai e pegando-o novamente, Mine segurou sua mão com firmeza. Um sorriso travesso permeou seu rosto enquanto o outro professor estava assustado com a rapidez de seus movimentos. Ele riu e se divertiu, jogando Addai e pegando-o de volta novamente. Ele fez seu colega girar tal qual uma bailarina e o pegou de volta, ficando bem perto dele.
Era como se Mine o estivesse guiando pelas letras confusas, mas o ritmo permanecia claro e cristalino o suficiente para que ele seguisse os passos que sua mente ia desenhando no chão. No ritmo da música, Mine colocou a mão direita de Addai e a colocou perto de seu ombro, mas um pouco mais abaixo, em suas costas. Satisfeito com a posição de suas mãos, Mine começou a orientar seu parceiro de dança temporário.
“Passo, passo, um passo para o lado e fecha,” Mine guiou e Addai assentiu.
O movimento que seus pés fizeram foi desleixado no início, uma vez que Addai não conseguia processar os passos com clareza. Depois de uma rápida discussão, Mine o ensinou como fazer isso direito.
Um passo, um passo, um passo para o lado e fecha. Devagar, devagar, rápido, rápido.
De novo. Um passo, um passo, um passo para o lado e agora se aproxime! Devagar, devagar, rápido, rápido.
A música estava alta demais para se ouvirem, então a mão de Mine esfregou suavemente o ombro de Addai e sorriu, dizendo-lhe com os olhos que ele estava indo bem. Addai desviou o olhar, mas não conseguiu evitar o olhar fixo nele, que observava seus movimentos, rosto e expressões.
Quando o ar-condicionado não esfriava mais a eles ou a ninguém na pista de dança e suas roupas começaram a ficar úmidas, foi uma indicação mais que suficiente para irem descansar um pouco.
“Viu? Não foi tão ruim assim,” Mine posou com orgulho, abanando-se com as mãos e, felizmente, nenhum tornozelo havia sido torcido naquela noite.
“Eu quase desmaiei...” Addai abanou-se com um feitiço de vento.
“Você pisou em meus pés duas vezes,” Mine provocou. “Então, ainda sou o melhor.”
“… vou deixar você vencer desta vez”, Addai riu. “Sem álcool, você precisa de água,” e tirou a garrafa de champanhe quente de Mine.
O cansaço começou a consumir o corpo de Mine e seus olhos o denunciavam. Para piorar as coisas, almas curiosas acabaram vindo conversar com Mine sobre seu prêmio e como ele se sentia sendo o professor mais jovem da universidade.
Sensações sufocantes, desconfortáveis e de dar um nó no estômago perturbaram seu sorriso, que se exibia para todos naquela festa como uma máscara de porcelana cheia de rachaduras. Cada elogio parecia um espinho, cada sorriso parecia um tiro e cada aperto de mão o entorpecia. Ele queria esquecer tudo, ficar anestesiado... talvez a bebida de Addai pudesse ajudar.
"O que eu te disse?" Addai se aproximou.
“...Huh?” Mine o fitou, confuso. Desde quando você saiu da mesa?
“Você tá com olheiras terríveis”, Addai notou. “É da contaminação por miasma outro dia?” perguntou, aproximando-se um pouco mais para verificar melhor.
Mine sorriu despreocupado. “Eu vou sobreviver, não se preocupe.”
“Aqui, beba mais água,” Addai ofereceu, enchendo o copo de Mine, “e chega de álcool,” sentou-se novamente, com as mãos cheias de copos de plástico.
“O que é isso?”
“Trouxe algumas sobremesas da mesa principal,” Addai sorriu orgulhosamente.
Havia chocolates de todos os tamanhos, formatos e sabores – pelo menos de cinco a sete dentro de cada copo plástico que Addai colocou sobre a mesa – acompanhados de alguns pratinhos com pedaços de torta de morango e um bolo de ameixa. Addai só não conseguiu pegar mais nada porque sua mão não conseguiria carregar tudo ao mesmo tempo... e aparecer sempre na mesa de doces levantaria as suspeitas de algumas crianças que também faziam a mesma coisa que ele.
“Não acredito que você pegou eles!” Mine riu maravilhado, já pegando um chocolate pequeno e redondo. “Peraí, quando você foi lá pegar?”
"Você estava muito ocupado falando tão bem de si mesmo para os outros que tive tempo para brigar por eles," Addai explicou, colocando os docinhos no prato de sobremesa. “Seu discurso foi interessante, humilde e tudo mais... ah, gostei quando você falou sobre-”
“Não amargue nossas preciosas sobremesas com a sua tagarelice”, Mine impediu Addai de continuar a importuná-lo sobre como ele conversou de maneira embaraçosa com algumas pessoas antes.
“Ha ha ha! Vou ficar calado...” e os olhos de Addai repousaram nos braços de Mine, mais especificamente no que ele escondia, “... se você me der o pedaço de bolo que está tentando esconder sorrateiramente.
Com o bolo quase inteiramente escondido perto de Mine, ele resmungou. “... por que você não come a torta ali?”
“Considere um pedaço do bolo como taxa de transporte,” Addai sorriu.
"... ah, vai-" Mine resmungou, dando uma colher de bolo para Addai.
Quando Addai estava prestes a saborear outra mordida no delicioso bolo de ameixa, uma jovem apareceu inesperadamente. Ela parecia delicada, mas elegante e parecia ter a mesma idade que a minha. Sua mão esquerda segurava uma xícara da bebida misteriosa de Soleil enquanto a outra mão estava sobre o decote de seu vestido, sugerindo uma sutil timidez ou desconforto neste ambiente desconhecido.
"Com licença... Eu queria falar com o Sr. Karawaga, tipo... você é minha inspiração!"
Mine sentiu seus ouvidos sangrarem e começou a procurar sua máscara de porcelana para colocar em seu rosto. A jovem gaguejou antes de se sentar ao lado deles e puxar conversa com Mine - enquanto Addai tentava se misturar ao fundo. À medida que a conversa avançava, a bateria social de Mine se esgotava rapidamente tal qual a bateria de seu telefone – que estava descarregando em seu bolso. Ele procurou uma maneira de encerrar a conversa educadamente, mas a mulher continuou falando... e falando... e falando...
“Soleil está chamando você,” Addai disse para a professora.
“Ah! Ok, obrigada!" Ela sorriu e se virou para Mine. "Foi um prazer te conhecer."
Ela estendeu a mão para Mine apertar – como saudação final da noite – e ele, naturalmente, estendeu a mão também. Suas mãos eram delgadas e macias ao toque, e suas unhas eram bem polidas e bem cuidadas, o que exigia que ela tirasse um tempo naquele dia para fazer as unhas. Quando eles estavam prestes a apertar as mãos, Addai foi mais rápido e pegou a mão de Mine, olhando furtivamente para a professora. Ela fingiu pegar o copo de volta, brincando com a xícara.
"Foi um prazer também, Sra." Addai sorriu e olhou para as unhas, que a professora escondeu no colo. "Tenha uma noite agradável e encantadora," apertou ainda mais as mãos de Mine.
Mine não havia percebido antes, mas Addai estava usando uma luva de couro preto, que ele reconheceu como o modelo de prática para feitiços mais agressivos feitos com a mão sendo o “instrumento” de canalização de mana. As luvas eram requintadas e ásperas, mas suas mãos eram macias e quentes, contrastando com o que as cobria parcialmente.
"V-você também", ela se levantou e rapidamente desapareceu no meio da multidão.
Assim que a jovem partiu, Addai voltou sua atenção para Mine e lentamente soltou suas mãos. Addai parecia falar algo, sim... ele estava falando algo... mas Mine estava tão cansado e sua bateria já estava quase que esgotada que ele só sentia o corpo existir... uns segundos naquele mundinho ia ser o suficiente para recarregar a bateria de emergência.
Enquanto Mine fixava seu olhar em Addai, ele observou como as pupilas de seu colega contrastavam de maneira diferente com a escuridão do salão. Elas eram finas e uma pequena linha vermelha brilhante cruzava uma parte da íris – que contrastava mais com o lado azul do que com o lado dourado-
"Você me ouviu? Ela ia tocar em você com um feitiço," Addai avisou e Mine assentiu, ainda mudo e olhando para seus olhos.
Que engraçado... Mine pensou ao ver que as pupilas de Addai ficaram maiores e dilatadas.
Além disso, as cores ficaram mais brilhantes por um motivo, como se o ambiente não se misturasse com as cores originais da íris. Eles brilhavam, cintilando como uma leve tinta neon. Talvez Mine estivesse cansado demais para refletir sobre isso, então ele se concentrou mais no fenômeno do que nas palavras de Addai.
“O que foi?” Addai perguntou, sentindo seu rosto pinicar.
“Hm?” Mine voltou da brevíssima viagem. “Ah, desculpe, você poderia repetir o que disse antes?”
“Que você precisa ter cuidado com certos sorrisos."
Desta vez Mine prestou atenção ao que Addai disse e, cruzando os braços ele riu, "Tipo o seu?"
"Hm", Addai bufou e sorriu, "sim, como o meu."
"Sua cara feia fica melhor quando você sorri. Você até parece uma pessoa decente, parabéns.”
“Não posso dizer se você está falando sério ou não,” Addai riu.
“Oh,” Mine disse depois que seu celular tocou uma notificação do aplicativo ‘agenda’. “Nossa reunião mensal de tutoria é daqui a dois dias,” lembrou-se ao ver os informes em seu celular. “Vamos procurar um bom café e não esqueça de aparecer.”
"Ah..." Addai suspirou profundamente, enchendo a boca com um bombom. “Não vou esquecer…” lamentou.
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