Já estava começando a esquecer o incidente do vampiro quando fui descobrir quem era a tal mulher que salvei. Ela se chamava Alma Oliveira, trabalhava como auditora para uma agencia bancaria em São Paulo, morava em uma cidadezinha pequena, a apenas alguns minutos de carro da capital, chamada Montes Solares.
Seu escritório ficava na fronteira do território onde costumava caçar. Longe o suficiente para não ter problemas na maioria dos dias, mas perto o bastante para que, em uma noite como a do ataque, ela se visse obrigada a parar o carro em ruas mais distantes e pouco utilizadas.
Em nossas conversas, ela me contou que havia parado mais longe que o de costume quando não haviam vagas próximas, de forma que poderia passar por um pequeno mercado que ficaria no caminho para o carro.
Sim, isso mesmo: conversas. No plural.
Após aquela primeira visita ao abrigo, Alma voltava para me ver sempre que podia. No inicio, com a Srta. Gabriela rodeando e incentivando o encontro, que consistia em quatro pessoas sentadas ao redor de uma mesa de escritório, comendo algumas bolachas água e sal e tomando café aguado – Ugh! Não pra mim, obrigado. –, eu achei que a moça estava apenas devolvendo um favor para mim. Que Gabriela a havia convencido que reconhecimento por meus atos "heróicos" iria, de alguma forma, me incentivar a seguir um bom caminho na vida. Afinal, já estava com quase dezesseis anos de idade. Não faltava muito para eu ser "solto no mundo".
Mas, conforme Alma voltava uma e outra vez para me ver – sozinha, ainda por cima – comecei a realmente prestar atenção naquela mulher que insistia em uma conversa unilateral comigo. Ela me trazia doces, que eu deixava para as outras crianças do abrigo comerem, e mostrava fotos de sua família.
– Esse é o Daniel? – perguntei um dia, quando já não aguentava mais ficar quieto e escutar, apontando para a foto na tela de seu celular. Era um pequeno garoto que brincava de pintar com tinta guache em uma grande cartolina branca, no chão do que parecia ser uma área externa da casa deles. Bom, se era para conversarmos, eu podia muito bem matar a pouca curiosidade que tinha.
Ela parou de falar por um instante, sorrindo para mim, me deixando um tanto quanto incomodado em perceber o quão pouco eu contribuía para nossas interações. Mas logo, ao assimilar o que eu havia perguntado, sua expressão caiu.
– Como você... Quem... – Ela balbuciou e parou, respirando fundo e se acalmando. – Não importa... Não realmente. Este não é o Daniel, ele não está mais... – Se remexeu, desconfortável. – Este é o Leo, meu filho mais novo. – Emendou, sem realmente terminar sua resposta inicial. – Ele tinha só três anos quando tiramos essa foto. Já esta com cinco agora.
Podia ver, em seu rosto, como havia lhe entristecido com minha pergunta mas, ainda assim, aguentou firme e prosseguiu com a conversa, gentilmente desviando o assunto. Fingi não perceber que minha pergunta não foi respondida. Certos assuntos não eram para ser divididos com qualquer um. Sabia disso muito bem.
Continuamos olhando as fotografias que ela tinha em seu celular, até nos depararmos com uma em que Alma, seu filho e uma outra garota, mais ou menos da minha idade, sorriam para a câmera, todos com encapotados com roupas de frio, sentados em uma pequena mesa de um restaurantes simples, ao redor de um bolo de chocolate. Uma vela no formato do número cinco permanecia acesa, precariamente fincada na massa fofa e doce.
– É o aniversário dele? – Perguntei.
– Sim! Saímos para comer hambúrguer naquela noite... – Ela então me olhou pensativa. – E você? Quando foi o seu aniversário?
Senti como meu rosto corava e meus olhos arregalavam. Até aquele momento só havíamos falado sobre ela. Como era seu dia a dia. Seu trabalho, colegas o transito que enfrentava para entrar e sair de São Paulo pelas manhãs. Como gostava de sair para escolher e comprar frutas e legumes, mas que ultimamente andava dando preferência aos alimentos que já vinham prontos, pela praticidade.
A PRIMEIRA TENTATIVA DE REESCREVER O LIVRO TERMINA AQUI
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