“ESPERE!!” alguém gritou.
Quando Addai se distraiu com a voz, a criatura aproveitou de sua distração e o atingiu com um feitiço repelente. Por sorte, Umbra conseguiu proteger suas costas no momento em que ele foi arremessado contra a parede.
Correndo livre e desesperadamente pelos corredores, a sombra esganiçou com um feitiço que a pessoa do início do corredor lançou em sua direção.
“Cara... seu-” Addai enfureceu-se quando a pessoa tocou em suas costas, mas logo as chamas da indignação foram apagadas quando reconheceu tal pessoa.
“Você tá bem?” Tal pessoa perguntou, com olhos de íris rosa com manchas vermelhas.
“Mine?” Addai piscou, confuso, enquanto Mine o ajudava a levantar.
“Eu estava terminando a purificação do novo corpo que chegou e... aquela coisa saiu dele,” Mine apontou para a sombra se debatendo no chão contra o feitiço de aprisionamento. “Preciso fazê-lo voltar para o corpo,” e tossiu, limpando algo no canto da boca em seguida.
Apesar da pose confiante e determinada, tinha alguma coisa errada com seu tutor e Addai podia perceber o quão pálido ele estava. Então, ele não pôde deixar de perguntar algo. “O que houve com você?”
Mine sacudiu a cabeça e fitou a sombra. “Não importa. Me ajude a colocar essa sombra no frasco e te deixo em paz.”
Addai, como de costume, bufou e se posicionou próximo à criatura que arrebentava as correntes de mana. Do outro lado, Mine materializou dois círculos de mana na palma de cada mão e outras escrituras preencheram seu braço como uma tatuagem luminescente. Seu cabelo brilhou em verde claro com mechas douradas e, antes que Addai pudesse perguntar alguma coisa sobre tal fenômeno, Mine então gritou:
“Agora!!!”
Ambos os feitiços lançados pelos professores conseguiram colocar as sombras à força em uma pequena jarra de vidro que Mine tinha em mãos e fechou com uma rolha de cortiça. Com um último feitiço, a criatura se tornou em uma matéria viscosa escura e, finalmente, se acalmou.
“Obrigado...” Mine agradeceu e seu rosto parecia... meio... verde?
“PERAÍ,” Addai rapidamente captou o sinal e agarrou seu tutor pelos ombros até o banheiro mais próximo.
O professor de Mana Puro tombou na cabine mais próxima e deixou suas entranhas fazerem qualquer barulho que quisessem, e como quisessem, não se intimidando com os sons horríveis que saíam dele. Quando terminou, levantou-se cambaleando e encostou-se na pia, que tinha água corrente pois Addai abriu a torneira e começou a lavar o rosto de Mine.
Addai dizia alguma – ou várias coisas – mas Mine estava tão distante quanto o necrotério do prédio, e quando menos Addai esperava, Mine colocou dois dedos na garganta e cuspiu mais alguma coisa que Addai teve que desviar o rosto de quão horrível era a massa escura que logo desceu pelos canos. Fraco e pálido, ele cambaleou um pouco mais.
“Que diabos?!” Addai exasperou, segurando Mine.
“Eu... me distraí,” Mine tossiu e segurou-se em Addai. “Contaminação... de miasma...”
“Mas você não é o professor de equalização?!” Addai o fitou, incrédulo.
"E o que eu acabei de fazer, seu idiota?" Mine rosnou, e Addai quase o deixou cair no chão, mas engoliu tal desejo.
Addai suspirou profundamente e secou o rosto de Mine com os guardanapos da pia antes de perguntar, “Onde estão suas coisas? Você deve ir para casa. Deixe a garrafa comigo e eu encontrarei-”
“Não”, Mine interrompeu, “preciso terminar e você nem sabe como fazer isso direito”.
Ai o nervoso. Seria seu tutor um masoquista?!
“Argh!” Addai irritou-se. “Por que você tem essa tendência estranha-”
"Só... certifique-se de que eu não desmaie," Mine interrompeu novamente.
E, mais uma vez, Addai quis jogá-lo no chão para que ele pudesse engolir seu orgulho, mas novamente ele resistiu ao impulso e obedeceu ao seu “queridíssimo” tutor.
O necrotério – localizado no térreo do prédio Miasma – estava uma bagunça. Os corpos estavam caídos no chão e parecia que uma breve batalha aconteceu com muita emoção.
Até a atmosfera estava mais tensa e sombria do que o normal.
Mine pegou o frasco e incorporou o líquido na sombra no corpo seco que estava deitado na maca. Addai o observava de longe, encostado na porta e de braços cruzados enquanto algumas de suas invocações organizavam o local e os corpos no chão, devolvendo-os às suas respectivas gavetas.
Quando o outro professor finalmente terminou o que tinha que fazer, ele estava pálido da cabeça aos pés e até a cor de seu cabelo estava mais acinzentada. A visão de Mine estava turva, os sons abafados e ele mal sentia os membros, mas conseguiu alcançar a porta. Addai suspirou, não acreditando em tal teimosia e masoquismo e agachou-se em sua frente.
“Venha,” Addai fez o sinal para que Mine subisse em suas costas.
Mine parecia ofendido e o fitou da cabeça aos pés, “Não...?”
“Pare de ser teimoso e suba! Você chegará ao chão em três passos e eu fingirei que o necrotério tem mais um corpo para ser dissecado.”
“... ok,” Mine relutantemente subiu nas costas de Addai, que o carregou e acomodou suas pernas, certificando-se de que as mãos de Mine estavam travadas em seus ombros.
"Assim você só usará o poder das mãos, economizando energia,” Addai pegou sua mochila e girou a maçaneta da porta. “Vou te levar até a sala dos professores. Tem elixir e remédio para contaminações," ele informou, dando os primeiros passos.
“Hm… obrigado,” Mine apoiou o queixo no ombro de Addai.
"Ei. Não se atreva a me fazer cócegas", Addai irritou-se.
“Eu nem tenho forças para responder. Brigue sozinho,” Mine resmungou.
"Não vomite em mim também."
"Sabe, agora estou com vontade de fazer isso só para te irritar," Mine riu baixinho e apoiou a cabeça na nuca de Addai, sentindo seu corpo bem mais leve que o normal.
Addai foi buscar uma garrafa de líquido verde-musgo em um frigobar aberto com um feitiço específico. Mine estava tão cansado que queria se deitar, mas o colega o proibiu, dizendo que precisava ficar consciente. Resmungando e bocejando, Mine permaneceu sentado no sofá incrivelmente confortável e convidativo para um cochilo proibido, observando como Addai administrava o líquido intrigante e não muito... gostoso de beber.
A garrafa era intrigante, mas seu conteúdo era mais fascinante. O cheiro de limão com notas de algo amadeirado - e pedaços de algo mofado - era formidável. Mine se perguntou com todas as letras possíveis se ele seria capaz de bebê-lo no momento em que Addai colocou a garrafa em uma caneca preta com estampa de gato e misturou-a com outro líquido que tirou do armário da copa.
"Beba de uma só vez. É menos ruim assim", aconselhou Addai e entregou a caneca para Mine, que relutantemente a pegou.
Que os deuses intercedam por mim. Mine rezou e engoliu o líquido.
Mine ficou todo arrepiado. Ele não conseguia descrever o quão ruim era a coisa que ele enviou pelas entranhas. Addai já estava preparado com a lixeira posicionada na frente de Mine, que felizmente conseguiu fazer com que aquele líquido horrível permanecesse em seu estômago – até porque se ele desperdiçasse o remédio, teria que tomar novamente e em dose mais concentrada.
O outro professor pegou um termômetro e ficou de tempos em tempos verificando a temperatura de Mine, que estava um pouquinho alta por conta da contaminação. Além disso, ele analisou o rosto delicado de seu tutor para atestar se havia ou não sinais de possessão ou algo do tipo, mas nada disso foi encontrado, só a palidez.
O espírito ensandecido era de uma entidade que dominou uma certa aldeia de uma só vez e, fracionando sua alma em diversos pedaços, dividiu-a entre seus demônios subordinados para que eles levassem a sua glória adiante após a sua inevitável morte. A universidade conseguiu a posse do corpo do último demônio que tinha não só um fragmento, mas a grande maioria deles em sua carcaça vazia. Por conta de toda uma história macabra por detrás daquele simples corpo, a Secretaria de Segurança Pública decidiu que a universidade era o melhor lugar para deixar o corpo e, consequentemente, os fragmentos presos a ele.
Histórias à parte, enquanto Addai terminava de fazer alguns testes rápidos de possessão, Mine olhava diretamente nos olhos dele, observando cada detalhe em seu rosto. Da pinta na ponte do nariz e outra no lábio inferior e como seus olhos eram... intrigantes. As cores eram bastante interessantes e de alguma forma combinavam, e as pupilas de Addai estavam estranhamente dilatadas naquela ocasião.
Suas pupilas não eram... finas? Mine se pegou pensando enquanto fitava seu colega.
E o inevitável contato visual foi feito.
Como se estivessem em transe, não disseram nada um para o outro além de ficarem se encarando e quietos. Addai notou como os olhos de Mine eram rosados, mas não qualquer tipo de rosa chiclete - como um aluno dele que insistia em ajudá-lo durante as aulas - A cor dos olhos de Mine era mais clara, e a pupila estava bem definida e tão dilatada quanto as dele.
Queixo, olhos e boca. Esse foi o caminho que seus olhos inconscientemente fizeram até que travou novamente nos olhos.
Mine, quebrando o transe, sorriu nervosamente e suas bochechas começaram a queimar. “P-Por que você está fazendo essa cara?” perguntou, sentindo seu rosto pinicar.
“Essa é a única que tenho”, Addai respondeu, limpando a mancha de remédio na bochecha de Mine com o polegar.
“O-ok, chega de olhar para o meu rosto. Senão vou achar que preciso limpar tudo o que você achou estranho nele", Mine colocou a mão no rosto de Addai, virando-o lentamente para o lado e quebrando o contato visual.
Seu coração batia rapidamente. Aquilo era perigosamente perigoso – escrito em tal redundância porque Mine já tinha o cérebro transformado parcialmente em gelatina.
“... Desculpe,” Addai disse em tom baixo e Mine pôde ver de relance que seu rosto também estava um pouco... corado?!
Senhor do Destino, o que é isso?! Ele ficou corado? Eu quero ver!!!!
Mine tinha um plano para saciar sua curiosidade, apesar de ir contra todo o código de conduta que ele mesmo fez sobre como lidar com seu subordinado. Bom, segundo a teoria do caos interno de Mine, as regras foram feitas, sim, mas se a sua curiosidade fosse grande o suficiente... ele poderia as quebrar.
Não faz mal... não é?
“Addai, v-você me ajuda a moldar minhas energias?”
“... claro,” Addai respondeu, e virou-se para Mine, pegando suas mãos.
Que visão. Como esperado do nosso queridinho da universidade. Mine ponderou. Ele ficou encarando Addai por alguns segundos em silêncio. Sua curiosidade estava satisfeita muito bem, sim senhor..., mas o seu pedido não era apenas para satisfazer a sua bela curiosidade pois ele realmente precisava realinhar suas energias.
As mãos de Mine estavam um pouco geladas e seus dedos delgados eram tão macios quanto a palma de sua mão, que tinha um símbolo que Addai não tinha certeza do que significava, mas que havia visto vagamente em algum lugar. O outro professor estava calmo e respirando regularmente. Com os olhos fechados e a cabeça baixa, gotas luminosas caíram por suas bochechas e atingiram o chão, mas não o molharam nem mancharam. Addai achou intrigante a maneira como Mine moldou suas energias de volta e como, usando um canal (Addai), ele as fez fluir melhor e mais rápido. Realmente, ele era digno dos olhos dos mais altos escalões do mundo bruxo.
“Feito,” Mine disse e todas as escrituras desapareceram de seus braços e rosto. “...” ele olhou para Addai, que o fitou de volta.
“...” Addai soltou suas mãos.
Mine começava a se hipnotizar novamente pelos olhos de seu colega quando o último fio de consciência lhe deu uma bela sacudida em suas ideias. "... tem merda na minha cara?" Mine perguntou e efetivamente quebrou o transe.
"Sempre", Addai riu, e Mine fez o mesmo depois de dar um leve tapa no ombro de Addai. "Vou acompanhá-lo até a estação. Você precisa descansar", ele decidiu e se levantou.
"Você não sai do meu pé, não é?" Mine riu baixinho. “Então não reclame que estou ‘seguindo você’,” ele cruzou os braços.
“Sempre vou reclamar”, Addai pegou a mochila de Mine e colocou nas costas, "mas só estou fazendo isso porque tenho um bom coração", ele se curvou e Mine riu.
"Você é um verdadeiro cavalheiro", Mine curvou-se.
Comments (2)
See all