“Sr. Shire, sente-se.”
“Oh. Claro, Abannak,” Shire sorriu e sentou-se, colocando sua bolsa sob o colo.
Abannak Moreau, o vice-diretor de origens misteriosas da Universidade de Magia. Tudo o que sabia sobre a sua pessoa- quer dizer, sobre o seu ser era que humano ele não era e nem elfo, mas isso não vem ao caso, já que ele estava organizando algumas pilhas de papéis em sua mesa e separou uma em específico.
“É sobre o Addai Lee-Hobb,” ele informou, entregando alguns papéis da pilha selecionada para Shire.
“Oh? O novato?” Shire o fitou, confuso.
“Precisamente,” Abannak apoiou-se na mesa, segurando alguns papéis. “Ele não é nada mau, e até passou no segundo teste de admissão, mas... tem alguma coisa nele que me deixa intrigado,” e ele foi pegar um livro na prateleira atrás de sua mesa.
Enquanto procurava pelo seu livro, Shire lia as páginas de anotações que o próprio vice-diretor fez sobre o mais novo novato e prodígio do corpo docente da universidade. Raros eram os talentos notáveis e Addai, além de Mine, Lydia e Blanche, era mais um que entrava para o grupo seleto de professores dignos de títulos dourados.
A desconfiança do vice-diretor era, no mínimo, a ser considerada, já que Addai tinha e ganhava relativa relevância.
“O que seria capaz de deixá-lo inquieto, Sr. Abannak?” Shire perguntou respeitosamente.
“Não sei ao certo, mas tem alguma coisa naqueles olhos,” Abannak ponderou alto enquanto ainda procurava pelo tal livro. “Sr. Shire, você sabe que o nosso ponto vital de mana depende de diferentes órgãos. Veja bem, o meu fica em meus chifres e o seu está em seu peito, mas o de Addai...” ele suspirou brevemente, “... o de Addai muda de um lugar para o outro.”
Shire franziu o cenho e olhou para Abannak confuso. “Como isso é possível?”
“Duas hipóteses,” Abannak gesticulou com as mãos, sentando-se na cadeira. “A primeira é que ele tem maestria e a segunda... é que ele não é humano e finge ser,” e entregou um livro para Shire.
Shire pegou o livro e folheou as primeiras páginas. “Talvez ele seja apenas uma pessoa habilidosa e isso é raro hoje em dia,” tentou raciocinar enquanto lia a página marcada com um marcador rosa.
“Ainda tenho as minhas desconfianças,” Abannak coçou o queixo. “Recentemente notei flutuações no campus e comuniquei o Diretor Soleil e, coincidentemente, desde que Addai foi admitido às oscilações começaram e Blanche desapareceu.”
“Hmm... isso é muito peculiar, eu diria... bom, levaria algum tempo extra depois das aulas noturnas, mas...” e Shire entregou o livro de volta para Abannak, “... mas posso ficar de olho nele e suas teorias parecem estar quase certas.”
“Obrigado, Asmodeus.”
Shire sorriu desconcertado. Era como se aquele nome proferido em voz alta lhe causasse um tremor pelo seu corpo inteiro, como se fosse, de fato, proibido – que nem o tal “você-sabe-quem” do Harry Potter.
“Ai ai esse nome...” Shire riu baixinho, ainda desconcertado. “P-por favor, apenas ‘Shire’ é o suficiente.”
“Ah, desculpe. Eu esqueci,” e Abannak realmente parecia ter esquecido.
“Tudo bem. Você e Soleil são os únicos que podem saber disso, mas usem apenas ‘Shire’,” explicou enquanto arrumava os papéis da mesa de Abannak.
"Vou me lembrar disso", ele assentiu e virou o grande monitor atrás dele, "então vamos começar nosso planejamento de segurança do campus com essas novas flutuações."
"Eu já quero um extra", Shire sorriu alegremente.
O prédio Miasma estava bem silencioso naquela noite. As decorações com temática gótica em um certo corredor davam um pouco de vida ao silêncio, já que estava acontecendo uma pequena comemoração que os alunos do último semestre estavam fazendo para o professor de Maldições, Ajal Jones. O barulho da sala onde acontecia a festinha quase perturbou a paz das salas vizinhas, principalmente a de Addai que tinha acabado de encerrar suas aulas do dia – ou melhor, da noite.
O professor novato caminhou pelos corredores já pensando no que iria jantar e com o cartão do metrô em mãos e suas frivolidades forma interrompidas quando um ponto tremeluzente no corredor chamou a sua atenção. A pequena luz rodeada por algumas sombras fugazes de alguma forma ria em sons agudos e distorcidos.
Addai guardou o cartão do metrô nos bolsos e tirou seu colar de lá, já colocando-o em seu pescoço e sussurrou para o nada. “Umbra, presta atenção.”
Mas o tal “nada”, na verdade, era sua sombra, que se distorcia a cada passo cauteloso que dava. O som deles era quase inaudível, como se ele estivesse pisando em nuvens fofas e etéreas e quando ele viu uma certa flutuação vinda das sombras, seus olhos brilharam em estranha excitação, refletindo o jade deslumbrante do colar pendurado em seu pescoço.
À medida que ele se aproximava da fonte dos sussurros distorcidos, os sons ficavam mais altos e distintos, podendo já identificar os timbres de vozes diferentes. Alimentado pela curiosidade, ele diminuiu cautelosamente o ritmo já moderado, certificando-se de não assustar a fonte da comoção. Ele parou a cerca de cinco passos da origem dos ruídos, prevendo ansiosamente o que estava por vir.
“Não era para ter estudantes nos corredores a esta hora,” ele disse com certa alegria na voz, fazendo com que os sussurros cessassem. “Qual é... se vocês não estiverem fazendo nada estranho-”
Interrompido por um feixe de luz, Addai cobriu os olhos, mas era tão forte que ainda conseguia ver a luz através das pálpebras. Ele ouviu um gato sibilando e a luminosidade intensa diminuiu.
Descobrindo os olhos, ele viu as sombras correndo pelo corredor, perdidas e livres enquanto a adrenalina lentamente tomava seu corpo e um sorriso... oh, sorriso... formava em seu rosto, revelando duas presas quase idênticas às da sombra ao seu lado. “Pode pegar, Umbra,” ele acenou para a sombra.
Como fumaça condensada, a silhueta de um grande felino se formou na frente do professor. O gato se endireitou, disparando em direção às sombras que corriam e riam loucamente pelo teto, chão e paredes do corredor.
Extintores de incêndio foram jogados contra o professor e seu gato, mas ambos se esquivaram dos ataques, e Umbra mordeu uma das sombras e a rasgou como se fosse feita de borracha.
Ah... Santa euforia...
Há quanto tempo ele não se perdia nessa tal euforia...
Há quanto-
Um golpe inesperado quase fez o professor desmaiar naquele instante se não fosse a Umbra absorvendo metade do impacto. Um vaso de planta foi jogado em sua direção pela sombra restante, que emitia ruídos indistintos de cliques. Addai cambaleou e pressionou a têmpora ferida enquanto Umbra lambia a fina mancha de sangue de sua testa.
Oscilante, a sombra foi então dividida em duas e depois em quatro.
Mitose.
Seu tamanho era quase tão alto quanto a altura do corredor.
Addai riu e afagou a cabeça de Umbra, esquecendo completamente onde estava. Aquilo... aquilo ali... era algo divertido. Ele merecia se divertir depois de trabalhar, não é mesmo?
“Faz um tempo que não me divirto assim,” ele abanou as mãos e a ponta de seus dedos foram escurecendo. “Cara... prometi que me comportaria aqui... bom, mas já que vocês não me dão escolha...”
Umbra foi absorvida com um só toque. A euforia e a estranha leveza começaram a tornar os movimentos do professor mais rápidos e cruéis, imbuídos do auxílio das sombras e dos feitiços relacionados ao miasma. Encurralando a tal sombra, ele quase captou sua essência, mas com um estalo, ela fugiu pelo espaço como se fosse o mais longe que pudesse alcançar, descobrindo um grande problema para si mesma.
“Hahaha! Veja Umbra, é o seu lanche,” Addai agachou e sorriu.
Névoa, fumaça, como você quiser chamar. O gato não era mais um gato. Era uma criatura escura e esfumaçada que tinha dois olhos vermelhos brilhantes olhando para o ser sombrio. Seu dono estava orgulhoso, satisfeito com a diversão de seu “gato”. Mas quando Umbra abriu sua boca que parecia um buraco negro...
“ESPERE!!” alguém gritou.
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