Woltz já tinha ido embora, mas Mine ainda estava lá na estação esperando o trem chegar... é, ele devia ter ido junto com seu amigo. E o trem demorava... demorava mais um pouco... e demorava tanto que Mine decidiu ir a pé mesmo. Bem, um poço dos desejos viria bem a calhar.
No caminho até a sua casinha, Mine encontrou uma livraria simples que tinha uma seção só de livros de segunda mão (o famigerado sebo) e ele não poderia perder essa tentação!!
Lógico que ele entrou e, andando pelas prateleiras cheia de livros uns mais interessantes que o outro, uma senhora se aproximou. Seus cabelos grisalhos certamente já tiveram cores vibrantes em seus fios, que combinariam com seus chifres avermelhados em sua testa. Ela indicava os livros mais novos e os mais intrigantes e Mine ouvia com muita atenção até que um outro barulho chamou sua atenção e da senhora.
Um barulho de sino, harmônico e agradável, ressoou algumas vezes quando a porta abriu.
“Meu jovem! Há quanto tempo!!" A senhora sorriu largamente para a pessoa que acabou de entrar na livraria. “Só um minuto, querido,” ela sorriu para Mine, que assentiu e observou-a se afastar.
“Sra. Stella! Eu diria que viria,” uma voz aveludada e gentil cumprimentou a senhora. “Eu te trouxe isso,” acrescentou e Mine ouviu o barulho de sacolas plásticas.
“Isso é tão fofo... obrigada,” ela agradeceu e Mine ouviu sinos mais agudos vindo do que quer que a senhora estivesse segurando. “Minha gatinha vai adorar. Ela vai vir mais cedo porque o sol está bem forte hoje.”
“Ah...” a pessoa suspirou e que voz meus amigos... ela estava um pouco rouca e a voz era naturalmente grave e aveludada. “Umbra também está por aí. Espero que ela não tenha se aventurado no asfalto.”
“Umbra é bem durona- ah! Olha ela,” a senhora riu suavemente e um miado suave encheu os ouvidos de Mine.
Mesmo entre as prateleiras, Mine conseguiu ver que uma gata de pelagem preta e brilhante entrou pela portinha dos gatos e começou a ronronar alto para seu dono, que a carregou nos braços, fazendo-a miar ainda mais intensamente.
“Addai cuida bem de você, né?” a senhora riu baixinho.
Ó céus. Quem quer que estivesse trabalhando no departamento do destino nesses últimos tempos certamente merecia um aumento. Se bem que, dessa vez, as coisas pareciam muito mais interessantes.
Mine não sabia que Addai tinha uma gata, muito menos que poderia cuidar dela tão bem ao ponto de que ela ronronava daquele jeito. E não é que aquele sujeito era capaz de amar alguma coisa?
“Bom, não vou te incomodar mais por hoje. Sinta-se à vontade, querido, tem livros novos,” a senhora se animou.
“Obrigado, Sra. Stella,” Addai sorriu e Mine se espremeu por entre as prateleiras para vê-lo, mesmo estando escondido. “Mas Umbra e eu vamos para casa mais cedo hoje, né Umbra?” ele sorriu novamente e esfregou o rosto em sua gata.
Um sorriso doce e fácil. Mine se viu admirando aquele sorriso e as covinhas surpreendentes que apareceram nas bochechas de Addai. Ele já havia ouvido conversas sobre as covinhas do tal professor, mas nunca levou muito a sério já que ele só conhecia o bico e a cara de emburrado de Addai.
Oh-oh.
A teoria que os seres humanos sentem quando estão sendo observados parecia verídica, já que Addai casualmente virou-se na direção que Mine estava... e Mine já não conseguia mais se esconder.
“A,” Addai vocalizou, olhando para Mine.
“A,” Mine também vocalizou, olhando para Addai.
“A gente já falou sobre isso, mas... você tá me seguindo?” e aquele rosto sorridente morreu tão rapidamente quanto uma borboleta que levou um tapa brutal.
“De novo com isso?” Mine resmungou e saiu do meio das prateleiras. “...” ele fitou Umbra e a gata também o encarou, “essa gata é sua?”
“Sim, o nome dela é Umbra,” Addai disse com sua gata ronronando em seus braços e fitando Mine. “Quer andar? Pode ir,” ele riu quando a gata lambeu sua mão e a colocou no chão.
Mine ficou encarando a gata, que se aproximou lentamente dele. “Oi,” ele sorriu e ela miou, já se esfregando em suas pernas. “Hahahaha, você é bem amigável né?” acariciou as orelhas da gata que parecia ter encontrado algo mais interessante no balcão.
“Umbra é um doce,” Addai riu, olhando para sua gata pedindo petiscos para a senhora Stella. “Comprou algum livro?” ele perguntou, examinando o livro que Mine estava segurando.
“Ah, sim... ele... é de literatura,” e de alguma forma Mine parecia envergonhado pela pergunta, tanto que suas mãos começaram a esconder o título do livro. “É... bem bobo. Eu queria comprar ele faz muito tempo, mas não tinha dinheiro para comprar. Ele é bem baratinho, mas... enfim,” ele riu uma risada um tanto forçada.
Addai fitou-o e suas expressões faciais estavam mais suaves que o normal e, não só isso, mas suas pupilas, sempre finas e afiadas, estavam mais mansas e arredondadas. “Livros são caros. Não se sinta envergonhado por não ter conseguido comprar antes,” e um de seus dedos deslizou na capa do livro que Mine segurava.
Mine observava esse comportamento com muita curiosidade. Era como se uma pessoa totalmente diferente estivesse ali em sua frente. A voz era mansa e isso combinava muito com ele, bem como seu olhar sereno e as pupilas dilatadas das quais Mine jurava que eram finas.
Aquelas palavras soaram surpreendentemente quentinhas.
“... talvez,” Mine sorriu levemente.
“Meus jovens, vai chover logo,” a senhora se aproximou dos dois, apontando para o céu lá fora, onde nuvens escuras começaram a substituir o céu azul e o sol brilhante em questão de segundos. “Deixe-me arrumar o livro para você, querido,” ela sorriu para Mine.
“Obrigado,” ele devolveu o sorriso.
Addai parecia pensativo por alguns segundos enquanto sua gata o escalava novamente. “Se você quiser um livro e não conseguir comprar, me avise,” ele disse e Mine fitou-o.
“Sério?” Mine perguntou, um pouco confuso e um pouco feliz.
“Hm hm,” Addai assentiu, acomodando a gata dentro de seu casaco.
“Quem diria... você sendo gentil,” Mine riu baixinho e antes que Addai pudesse responder, um trovão assustou a ambos.
Respingos começaram a molhar a porta de vidro e na rua as pessoas corriam para se abrigarem debaixo de alguma coisa ou dentro de alguma loja. Mine fitou a gata bem acomodada em Addai e viu que Addai não parecia ter um guarda-chuvas em mãos.
“Eu trouxe meu guarda-chuvas, se precisar... a gente pode só cobrir Umbra pra ela não se molhar. Eu não me importo de me molhar.”
“Está tudo bem, ela fica dentro do meu casaco mesmo,” Addai riu e Umbra miou em resposta, já bem escondidinha e apenas com a cabeça para fora, observando o mundo exterior.
Addai tirou um guarda-chuva de sua mochila e abriu-o, com as bochechas levemente coradas por causa da estampa de lírios. Bom, era o único guarda-chuva que ele achou então... melhor do que nada.
“Ah! Estamos combinando!” Mine sorriu, tirando da sua mochila um guarda-chuva verde com detalhes de sapinhos.
“Oh,” Addai vocalizou, fitando-o.
“Não precisa se envergonhar, né?” Mine sorriu e Umbra miou, como se estivesse concordando.
Addai sorriu daquele mesmo jeito que fizera mais cedo e ajudou Mine a colocar o livro em sua mochila. “Mas vamos esperar um pouco, senão elas vão virar tulipas,” ele riu preocupado ao ver a intensidade do vento lá fora.
“Claro, meu pobre sapinho não aguenta tudo isso,” Mine riu.
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