O sol de rachar no céu (para não dizer que era infernal) ... a falta de nuvens... o vento que parece uma Air Fryer... a falta de protetor solar... e a vontade doida de tomar sorvete. Fani e Aarush estavam ajudando Lydia - a professora especialista em Herbologia - a cuidar de suas mais novas Florentias, uma planta rara que se originou de um deserto gelado e nevado que desde então se transformou em um deserto árido.
A plantinha era linda, pequena e delicada, com pontos azulados em suas pétalas alvas como a neve e que também tinham a sensação de neve por serem naturalmente geladinhas.
“A gente já tá aqui faz tempo...” Aarush se abanou com um pequeno leque colorido.
“Lydia... anda logo... eu vou derreter!” Fani lamentou, segurando um pacote de pó de fada esmagado.
“Onde que Mine está? Ele disse que ajudaria,” Aarush perguntou, abanando o grupo como podia.
“Ah, ele tá ocupado lá na arena. Alguns alunos estavam brigando e ele foi lá intervir,” Lydia deu de ombros e deu tapinhas na terra ao redor da flor que acabou de colocar no buraco.
“E VOCÊ NOS FEZ ESCRAVOS AQUI!!” Fani zangou-se. “A gente podia estar vendo o show de luzes!!!”
POOF
A estimada professora de transfiguração se transformou num pequeno coelho peludo e, sem perder mais nenhum segundo, correu – ou melhor, foi pulando – em direção à arena deixando seus amigos perplexos não só pela audácia, mas também pela sacola que ela carregava quase que foi desperdiçada se Aarush não tivesse pegado antes que o desperdício ocorresse.
“Obrigada Aarush!” Lydia suspirou, aliviada.
“Não esquenta,” ele sorriu e colocou o saco no chão. “Fani é... Fani.”
“Ai ai... queria dar um tempo pra ela relaxar a mente, pegar na terra sabe? Mas aquela garota bagunceira...” ela riu e quase colocou a mão suja de terra na cara. “Já estou terminando aqui e mais tarde a profe Hera vai checar a temperatura dessas belezinhas,” sorriu e tirou a luva.
“A profe Hera vai se divertir muito, com certeza,” Aarush riu, lembrando-se da época que a tal professora passava mais tempo cuidando das plantas do que na sala de aula (justo).
“Ah! Venha Aarush! Tem mais uma planta pra gente cuidar pro Sr. Gard, ele tá esperando na estufa principal,” Lydia animou-se ao ver a mensagem do outro professor em seu celular.
“É aquela nova...?” ele perguntou com certa admiração.
“Sim! Agora use isso aqui... e mais isso,” ela foi dando-lhe roupas especiais, imbuídas de mana Divino enquanto Aarush lentamente empalidecia até começar a ver tudo girar.
Realmente o dia estava bem quente.
Calor, gritos e areia jogada no ar. A arena de treinos estava uma verdadeira bagunça!
Dois estudantes cabeça-quente estavam se enfrentando com suas espadas e escudos feitos de mana, um duelo (arriscado e até mortal) como nos velhos tempos. Um feitiço cruel aqui, um gesto proibido ali, eles quebravam o Código de Ética da Universidade a cada interação e feitiço.
Raiva cegante.
Manchas de sangue.
Areia úmida de suor, saliva e sangue.
A “plateia” tentava lançar feitiços neutralizantes para amortecer alguns golpes e feitiços, mas não obtiveram muito sucesso. Uma tentativa de lançamento de um feitiço de atordoamento por uma estudante foi até facilmente evitada pela dupla, que respondeu rapidamente com um outro feitiço que fez a garota cair no chão, desacordada. Sorte que seu companheiro veio para seu socorro a tempo, enquanto os outros estudantes gritavam por socorro para qualquer um fora da arena e nos blocos próximos.
O primeiro professor a atender ao chamado chegou a tempo, ficando embaixo da dupla encrenqueira no ar e admirando o quão estúpidos os feitiços eram. Ele tirou a varinha dos bolsos e logo emergiu no ar com um feitiço de levitação, fazendo as areias espalharem-se no chão, levantando poeira. Os alunos notaram a sua presença, sim, precisamente. Não eram tão bocós e cegos de raiva assim...
Mas antes que pudessem agarrar no pescoço do intrometido, em um movimento incrivelmente rápido precedido de um breve clarão, o professor colocou a mão, em sequência, no ombro, testa, pescoço e estômago de ambos, fazendo com que uma dormência repentina e completa – tipo cãibra – se espalhasse por seus corpos.
O professor parecia severo e não muito feliz. "Você acha que aqui é Harry Potter por acaso?" Mine sibilou, observando que o feitiço de levitação dos alunos começava a acabar. “Ai ai...” ele suspirou e mirou sua varinha na dupla.
Com um aceno de sua varinha, o professor lançou um feitiço de proteção sobre a área, garantindo que nenhum dano aconteceria aos alunos quando caíssem na caixa de areia. Pousando novamente no chão de areia, Mine ajoelhou-se ao lado dos dois estudantes desmaiados. Ele tocou suavemente em suas testas e curou pequenos cortes e hematomas.
“Hm?” Ele murmurou e percebeu algo de errado em um dos alunos.
Mine levantou as mangas rasgadas do aluno híbrido lagarto e encontrou uma espécie de matéria de cor escura que se espalhava pela pele e reluzia pequenos pontos vermelhos. Terminando de rasgar a manga já rasgada, Mine apalpou o braço do aluno e viu muitos cortes menores escorrendo um líquido vermelho escuro e pútrido. Tinha uma certa viscosidade e, por isso, não havia escorrido nas areias e nem misturado nelas ainda.
“Tem miasma ao redor deles,” alguém se aproximou e ajoelhou-se.
"O quê?" Mine virou-se para a pessoa.
O professor ao lado de Mine levantou-se após fazer um breve reconhecimento nos dois alunos. O jovem usava um longo manto marrom escuro com detalhes prateados nas mangas e botões que, infelizmente, não combinava com os acessórios do professor, como seus finos óculos dourados e uma joia parecida com Jade no colar.
“Olha as mãos deles,” o professor mostrou como a mão de um deles estava escura. “Eles já estavam infectados com miasma. Ainda bem que eles eram péssimos com feitiços, senão iam dar muito trabalho.”
“Que que cê tá fazendo aqui, Addai?” Mine cruzou os braços.
“Nenhum ‘obrigado’ pelo meu trabalho duro?” Addai também cruzou os braços. “Tava tendo uma gritaria e eu acabei ficando curioso, por isso eu vim.”
Passos mansos. Respiração pesada. Os professores interromperam suas brigas, agora habituais, quando ouviram a aluna que se aproximava. Ela estava vestindo roupas elegantes e ostentava um lindo grampo de cabelo, um enorme corte no braço esquerdo fazia com que toda a sua elegância fosse manchada pelo carmesim de seu sangue e pelo miasma que estava na dupla. Antes que pudesse dizer algo, ela cambaleou e Mine rapidamente a segurou.
“Professor... eles começaram a brigar por besteira. Não sabemos como eles ficaram insanos,” ela agonizou um pouco antes de tossir.
“Deixe-me curar sua ferida primeiro,” Mine se preocupou e cuidadosamente pegou o braço dela, curando o tal ferimento que parecia ter sido obra da lâmina de mana.
"Ei, vocês três", Addai chamou um grupo de alunos. "Leve-a para a enfermaria. Cuide para que ela não desmaie no meio do caminho", e ofereceu a pequena bolsa que cheirava a uma erva amarga.
"Obrigada, Sr. Karawaga e Sr. Addai" ela se curvou e foi apoiada pelo trio.
Mine virou-se para os alunos caídos e começou a ponderar enquanto Addai examinava os alunos que ficaram expostos à dupla. As marcas de miasma eram significativas: a pele ainda apresentava manchas escuras que, apesar de contidas, o líquido fétido ainda estava ali presente. Além disso, pequenos símbolos estavam gravados na palma das mãos. Era vermelho vivo e Mine nunca havia visto um sinal parecido antes.
“Isso aí é a confirmação de que eles mexeram com miasma,” Addai informou, colocando um sigilo neles. “Você não precisava nem pensar muito” caçoou.
“Aé?” Mine olhou para Addai. “Já que você é bem sabidão das coisas, você deve investigar esse caso.”
Addai não sabia que emoção usar dentre as que ficam no rol de “amargas”, mas ele escolheu uma adequada: revolta. “Mas eu tenho aula! Só vim porque tinha um tiquinho de tempo livre-”
“Tanto faz. Vou esvaziar a sua agenda pra você ficar aí,” e aquilo foi o suficiente para silenciar o incrédulo Addai. “Relaxa que eu dou a sua aula, mas só hoje e não me faça essa cara feia.”
Santo Deus. Aquele professor pitoco e nada humilde – o garoto mais orgulhoso que ele já viu – estava lhe dando nos nervos. Ok, ele não foi muito gentil na sala comunal dos professores no outro dia, mas a forma com que seu tutor era exigente era, no mínimo, notável. Mine encheu o professor novato com livros e artigos sobre suas aulas como se ele fosse formado para isso! Mine era o professor de Mana Puro, não o de Miasma e Mana Impuro!
Quanto mais Mine falava, mais Addai tinha que fingir um sorriso e engolir cada palavra amarga que queria cuspir. No momento que Mine virou a cabeça, um momento fugaz se apresentou para que ele pudesse liberar suas emoções e ser tão amargo quanto queria ser, ou pelo menos parecer ser (mas silenciosamente).
“Ah...” Addai suspirou profundamente. “Ok, eu vou ficar,” resmungou (de praxe).
“Muito bem, a polícia-”
“Mas só se você marcar um duelo comigo mais tarde,” Addai interrompeu, com visível aborrecimento em sua voz. “Quero ver se meu tutor é tão bom assim como o pessoal diz,” ele cruzou os braços, olhando para Mine.
“Claro,” Mine assentiu calmamente e Addai estendeu a mão, “mas não me interrompa mais” e deu um tapa na mão de Addai. “Além disso, não precisamos desse cavalheirismo idiota. Estou atrasado para a aula e preciso ajudar uma amiga que desmaiou no meio do caminho”, informou, conferindo a mensagem de Lydia sobre Fani.
"Como quiser" e mais uma vez Addai engoliu um livro de amargura e xingamentos, mascarando-os com um sorriso e uma breve reverência enquanto Mine se afastava. "Sua Majestade."
Felizmente, a última frase não foi dita em voz alta.
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