Até um certo momento atrás, as ruas de Culleir estavam cheias de barulho, carroças tremendo com as estradas irregulares e cheias de pedras e bosta, pessoas em suas barracas de produtos de baixa qualidade gritando para seus clientes, transeuntes pisando com seus calçados de couro e animais latindo ou miando em busca de comida nas lixeiras ou qualquer boa alma que lhes oferecesse ossos limpos ou restos de comida.
Mas agora, estava tudo quieto, ele era o único, ou um dos poucos, que ainda caminhava livremente pelas ruas, e para não chamar muita atenção dos jaquetas ou dos soldados de branco, ele se esgueirava pelos becos labirínticos daquela região da cidade.
Há uma maldita semana, o jovem havia chegado em Culleir, arr, quantas coisas boas ele havia ouvido sobre ela? A maravilhosa cidade próxima dos afluentes rio Iugara, uma cidade próspera e centro econômico da região. Venha para Culleir! Lá você terá prosperidade! Lá não faltam trabalhos para encher os seus bolsos! Porra nenhuma.
Desde que havia posto o pés na maravilhosa cidade mais próspera da região, tudo o que havia visto, ouvido e cheirado era feio e sem graça, as pessoas tinham olhos mortos e pareciam esconder um receio permanente com elas, e as únicas pessoas que ganhavam dinheiro realmente eram os grande comerciantes, donos de fábricas ou grandes lojistas, o resto da população não tinha mais que o suficiente para sobreviver, e os produtos disponíveis eram muito mal distribuídos, agora diga-me, quem em sã consciência havia dito que todos os que vinham de fora eram bem vindos? Apenas no caminho até aqui, o mal-humorado e beberrão jovem havia encarado quase que um bando inteiro de saqueadores estranhamente seletivos, entrar na cidade custava taxas tão altas que quase o faliram, e ninguém estava disposto ou sequer poderia empregá-lo num trabalho de alta classe, o deixando quase na mão com trabalhos informais menores e mais casuais.
Claro, sua vida não poderia ficar ainda pior quando percebeu que ao invés da guarda da cidade oficial enviada pelo grande e “competente” império de Krista, aparentemente a cidade era “protegida” pela merda de uma trupe de bandidos, agiotas e arruaceiros.
Sim, Culleir era realmente o paraíso do ganho fácil.
Entrando num beco, o jovem decide ignorar o cheiro de resto de comida apodrecendo e de vômito recente e buscou atravessá-lo, em busca de um buraco onde poderia dormir a noite ou pelo menos um lugar onde poderia comprar uma garrafa de álcool de baixa qualidade. Suspirando, ele olhou para o céu por cima das paredes de tijolos dos prédios onde passava, pensando seriamente em vazar daquele lugar em busca de uma cidade próxima menor, mas suas economias já estavam por um fio, e já fazia um bom tempo que não enviava dinheiro para ela, ela poderia começar a ficar preocupada, talvez já estivesse, e a última coisa que queria era voltar agora.
O peso destas preocupações o fez desejar arduamente ter algo para se embebedar, então como se desistisse de querer pensar, ele sentou naquele chão úmido que não via uma vassoura a séculos e se encolheu em sua capa, se protegendo do ar frio que passava por aquele beco.
Mais uma cidade, era apenas mais uma cidade, era o mantra que repetia para si mesmo quando as coisas não andavam bem, e apesar de ser verdade, no fundo, ele se questionava a mesma coisa: e até quando? Até quando seria mais uma cidade? E mais uma? E mais uma? Einh? Até quando sua vida se resumiria em vagar de cidade em cidade? Einh? Até quando passaria a viver como um maldito nômade em busca de dinheiro sem nunca encontrar o lar que tanto deseja? Einh? Einh?
Então sua atenção se foca na presença.
Era um som imperceptível, mas real, e parecia proposital, que se aproximava do outro lado do beco ao leste, estava se aproximando, poderia ser um guarda ou outro jaqueta, se fosse um guarda seria problemático, e ele já estava cansado de jaquetas, mas se fosse um guarda talvez ele penas o confundisse com um mendigo e o deixasse em paz, mas não era nem um nem outro.
Para sua surpresa, quem entrou no beco pelo outro lado foi uma pequena silhueta familiar escurecida contra a luz que entrava pela outra entrada do beco.
Ele avançou para mais dentro do beco, e o jovem apenas observava encolhido em sua pequena capa, sem saber direito o que esperar, seus instintos não o avisavam de nenhuma ameaça, mesmo até quando a figura parou há alguns metros dele e o fitou claramente, com um sorriso desdenhoso no rosto.
Um garoto, o mesmo garoto de camisa abotoada justa e um capuz na cabeça cobrindo a maior parte dela, mas deixando escapar parte de seus cabelos loiro-pálidos, junto ao véu amarrado em sua cintura. E os seus olhos violetas profundos perscrutavam-no através dos olhos verde-claros do jovem o encarando de volta.
- Estava te procurando, senhor mendigo. Lembra de mim? – revelou o garoto.
- E como cacete você me achou? – questionou o jovem, erguendo seu rosto apenas para devolver o olhar sagaz da criança de volta. Apesar de parecer um kristano insolente, ele era muito bom com lâminas, e tinha um instrumento mágico. Ele não era qualquer um mesmo.
- Não foi nem um pouco difícil te achar, você fede a cerveja, sujeira e mijo. Consigo te farejar há quilômetros daqui.
- E você é um cachorro por acaso?
- Você não pode, sei lá, pelo menos dormir em lugares menos sujos? Como uma praça? É difícil ficar muito tempo nesses becos sebosos.
- Que porra você quer? Me dar esmolas? Fala logo ou então vaza. – Retrucou o jovem, perdendo a paciência.
- Certo, acho que eu não deveria fazer o senhor perder o seu precioso tempo, como se tivesse alguma coisa importante pra fazer, não é? Eu estava te procurando porque no nosso último encontro, vi que tem habilidades bastante boas de luta. Eu estou procurando justamente por pessoas fortes assim, e não têm muitas delas pela cidade com quem eu poderia contar numa situação hipotética.
- Pessoas fortes? Tá querendo matar alguém?
- Uma organização inteira pra ser preciso. – Soltou o garoto.
O Jovem é atiçado por aquela pontada, mas apenas a nível de curiosidade. A criança que repentinamente reaparece a sua frente quer a sua ajuda para um grande ato, o que estava planejando? Quem ele era realmente não importava, pelo menos até agora.
- Uma organização?
- Sim. Bem, eu vim até essa cidade para verificar como as coisas estavam indo, e o que vi foi um monte de merda acontecendo.
“Então ele foi outro trouxa que caiu no conto do vigário?”, pensou momentaneamente o jovem, mas descartando imediatamente a ideia, o garoto era kristano e tinha um instrumento mágico, claro que ele no mínimo, tinha que ter pelo menos uma estabilidade financeira razoável, não faria sentido se dirigir a Culleir para conseguir dinheiro. Talvez estabelecer um negócio? Dificilmente, ele enfrentou mesmo que por acidente um grupo de jaquetas com ele e os deixou ir para informar aos outros dele, suas chances de conseguir apoio de gente grande na cidade haviam caído drasticamente. Então o que estava acontecendo?
- Tá falando dos jaquetas?
- Sim, - Fyrr responde secamente – eles são um grande problema pra mim, estão por toda parte, e parece que não acabam. Têm também a guarda da cidade, mas acho que eles são mais uma buxa de canhão que qualquer outra coisa.
- Eu não diria isso, eles são a maior força que se pode enfrentar em uma cidade. – Cutucou o jovem.
- Não aqui, quem realmente tem o poder são esses gangsters de bosta. Se a guarda pudesse fazer qualquer coisa, eles não estariam aqui. Pelo menos eu acho.
- Acha?
- Meus instintos nunca falham. Mas infelizmente, eu não posso lidar com eles sozinho, quero dizer, não planejo detonar eles a força nem nada, isso nem deve ser possível, a guarda da cidade provavelmente uniria forças com eles e tudo ficaria muito mais difícil. Mas tem outras formas de se lidar com isso. Mas antes, eu vou precisar de um pouco de força pra quando eles chegarem até mim.
Então no final das contas, ele está almejando atacar a trupe. O jovem sorriu com desdém, olhando de baixo pra cima para o garoto a sua frente. Ele tinha olhos perspicazes e estranhamente confiantes, e falava com uma imponência apenas dele. Ele era singular, e convincente, mas não, isso ainda não parecia o bastante. Para realmente querer que o jovem passasse para seu lado, ele teria de fazer melhor, dar a ele o que ele queria.
- Pft, tem ideia do quão ridículo você está soando.
- Relaxa, eu não estou dizendo pra você fazer isso pra mim de graça, senhor... mendigo bêbado. Você deve imaginar que vou te dar algo bastante relevante em troca.
- Hmmm... então você tem mesmo dinheiro? Agora sim podemos falar sobre cooperação. – Comenta o jovem, ainda levemente descrente – claro, se você não estiver só me enrolando e meia dúzia de jaquetas de bosta estiverem me esperando do outro lado desse beco.
- Sabe que isso seria uma coisa bem idiota, e no final, eles também são um problema pra mim, você mesmo viu. – comentou o garoto, contente que o mendigo finalmente havia deixado claro o que queria em troca.
Não seria fácil arrancar dele uma boa negociação, mas ele realmente parecia ir ao pote com sede.
- Então, por quanto está disposto a cooperar?
- Huh, - sem nada a perder, o jovem se recostou na parede desbotada sorrindo vagamente – 5000 cruzeiros.
- Fechado.
- Hã? – murmurou surpreso o jovem, se inclinando e encarando o garoto, não era um lance inicial absurdo, mas ainda era muita coisa pra ser aceita tão facilmente. – Você não aceitou rápido demais? Agora estou desconfiado.
- E por que diabos você achou que dinheiro seria problema pra mim? – comentou o garoto, apesar da confiança absoluta que mantinha no olhar e no rosto, ele sequer sabia o valor do dinheiro na sociedade direito, mas isso não importava, já que o principal era sempre parecer ser verdade. Mas sua confiança ainda não foi o suficiente para apaziguar a desconfiança sutil do jovem.
- Se soubesse que seria assim, teria dado um lance inicial maior.
- Certo então, vou dobrar para 10000 cruzeiros, satisfeito?
- Porra, assim que é bom. Mas como diabos eu vou saber se vou realmente receber o dinheiro, moleque?
- Fácil, se me acompanhar até a estalagem onde estou residindo, vou te pagar a metade agora e o resto depois que cumprirmos o objetivo. Satisfeito?
- Hmm... – ele encarou fixamente para o garoto, seus olhos estavam estagnados, e brilhando com sua perspicácia, ele estranhamente não conseguia dizer direito se ele estava mentindo ou não, suas únicas evidências de que o dinheiro realmente existia era o fato dele ser kristano e seu instrumento mágico, que olhando de relance, ele chutaria como de rank médio... ponderando por alguns longos segundos, ele decidiu arriscar, sentindo uma aura diferente na criança. Ela era realmente estranha, mas apesar de tudo, ele ainda se garantia de que era muito mais poderoso que ele, e também que qualquer um da trupe que chegasse a enfrentar.
- Certo, me dê a metade e eu topo.
- Obrigado por aceitar, senhor mendigo bêbado.
- Enfia esse apelido naquele lugar. Meu nome é Nattan.
- Certo, Nattan, espero poder contar com sua ajuda até o fim. – E se aproximando alguns passos, o garoto estende seu pequeno braço até o jovem, que levanta lentamente do chão, arrastando as costas na parede, e sem limpar suas mãos sujas de terra úmida e sujeira do beco, aperta a mão do garoto.
- Realmente espere levar pelo menos uns tapas se estiver me enrolando, fedelho. – Ele ameaçou, expondo brevemente a espada oculta presa em sua cinta.
- Huh, certo, e meu nome é Fyrr, senhor Nattan.
- Vou lembrar.
Os dois se encararam por longos segundos segurando a mão um do outro, firmando o seu primeiro acordo, e sem saberem, selando o destino um do outro.
(...)
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