E lá estava ele, em frente ao seu destino.
Toda a rua parecia ter sido planejada para facilitar o encontro do prédio, que estava lá assim como o vendedor tinha falado. No final de uma larga avenida arborizada com sequoias altas sombreando a estrada dourada e aberta, estava um prédio imponente que beirava o tamanho de um palácio e refletia gloriosamente a luz do sol em seus domos de ouro. Mas infelizmente Fyrr não poderia observar a construção que tanto esperou ver mais perto do que estava, há cem metros dela, escondido entre uma das árvores. A escadaria que cercava a alfandega estava sendo protegida por vários jaquetas, alguns deles faziam ronda ao redor do prédio e dois deles resguardavam os portões de entrada com baionetas nas mãos.
Eles não eram apenas vagabundos aleatórios que faziam negócios nas sombras da cidade e atormentavam os outros, aparentemente. Já havia passado meia hora e nada de uma troca de nova ronda, não parecia que eles tinham esse tipo de organização, soava profissional demais para esses arruaceiros. Com um suspiro áspero, o garoto mudou para sua forma raposa e se afastou da grande rua para voltar outra vez até o início, retornando a forma humana e se misturando ao fraco tráfego humano que voltava a ganhar força, mas já não pretendia se esconder entre eles outra vez.
“Grande porcaria.”, as coisas se complicaram mais do que pensou, a cidade humana não era tão pacífica quanto achou, os próprios moradores dela viviam sob a ameaça, e os jaquetas pareciam ser a razão disso tudo, entrando numa rua menor junto com um carroceiro e alguns homens carregando grandes sacos de grãos, ele voltou a pensar no seu caso ignorando o cheiro desagradável de bosta e os latidos de cães de rua brigando por algum osso apodrecido ou coisa assim.
A alfandega é o coração de uma cidade, pelo que ele aprendeu na tribo, e deve ser a área mais protegida pela guarda da cidade, mas ela não estava em lugar nenhum, ao contrário dos jaquetas, que estavam em todo o lugar, e eram eles, os mesmos que espancaram um homem inocente que só queria uma informação sobre duas pessoas, que estavam guardando a entrada do prédio. Lá era onde o sistema burocrático funcionava, é difícil imaginar que estivesse realmente fechado, então apenas algumas pessoas com uma pré-ordem poderiam entrar? Provavelmente.
Suspirando, ele atravessou a rua se afastando dos homens e entrando numa movimentada avenida cheia de pessoas e carroças indo e vindo, e ignorando os barulhos e cheiros diversos estimulando seus sentidos apurados, seguiu por ela. Ir até a alfandega facilitaria demais seu trabalho, lá ele provavelmente conseguiria um mapa da região e saberia como exatamente poderia chegar na floresta Mahatma, aprenderia as estradas mais seguras, e com sorte a própria espada pudesse aprender e levá-lo até lá. Ele também poderia pegar muitas outras informações importantes e básicas sobre o reino onde estava e como os homens agiam atualmente. Não poder ir lá havia cortado e muito uma chance de economizar bastante tempo.
Realmente uma pena. Agora precisaria encontrar uma outra forma de conseguir estas informações, talvez continuando a ficar na estalagem que o senhor Leonir o levou e conversando com os funcionários ou os ajudando no trabalho de descarregamento de mercadorias e os perguntando coisas no meio, demoraria alguns dias para ele se estabilizar, mas funcionaria. Claro, também seria uma boa ideia voltar e talvez fingir que não havia passado pelo carroceiro, para que em algum momento todos decidissem sair para procurá-lo e se surpreender quando o encontrassem morto...
Diminuindo o passo, Fyrr desvia o olhar da rua seguindo pelo caminho sul, ao se tocar de algo; se as pessoas da estalagem encontrassem Leonir morto, eles o culpariam por isso? É uma possibilidade, Timmi parecia ser bem mais esperto que seu pai, mais emocionalmente desregulado também, é meio imprevisível saber o que pensaria dele, a senhora Hurd era uma pessoa mais ponderada, provavelmente não faria nada precipitado, mas ela já não confiava cem por cento nele, e ele sabia disso, ele havia escapado da estalagem sem falar a ninguém com confiança de que não precisaria mais voltar e deve ter sido pouco antes de o senhor Leonir sair também, para ajudar pessoas que nem existem com base em mentiras de uma criança desconhecida. Com certeza eles ligariam estes pontos de alguma forma depois do calor do momento.
“Argh! Que bosta! Será que eu não vou poder voltar até a estalagem?”, reclama a raposa, coçando o cabelo bagunçado, aquele era um questionamento bem válido que o corroía enquanto passava naquela calçada cheia de pessoas, ao lado de grandes prédios comerciais, ele poderia não ter agora nem onde dormir e com quem conversar, no pior dos casos, teria de enganar outro dono de alguma estalagem e pedir pra ficar e conseguir mais informações, agora tudo estava ainda mais complicado de se fazer.
- Droga de jaquetas... isso tem sido mais irritante do que complicado..., mas o que esses caras querem? Por que proteger tanto a alfandega daquele jeito? Quando eles avançaram contra aquele mendigo, pareciam estar procurando por ele há um bom tempo, mas o cara era muito forte para aqueles idiotas acharem que poderiam contra ele... será que...
Bruuuush!
Após o estrondo, ele olhou de olhos arregalados assustado pelo repentino boom, assim como todos os transeuntes que passavam, os animais saltaram sob duas patas, agitados e prestes a correr, arrastando seus donos pelas correias, suspiros de susto percorreram o ar entre cada uma das pessoas chegando as orelhas apuradas do garoto.
Seus olhos violetas se focavam na cena dos destroços se espalhando no ar e jogando poeira nos arredores enquanto o barulho cessava tão rápido quanto chegou, e processando aquela cena, ele via tudo ocorrer como se fosse em câmera lenta, vendo com todos os detalhes que podia a cena do corpo imenso de um jaqueta de pele escura saindo de dentro da fachada de um estabelecimento há vinte metros à frente da rua. Com seu corpo parrudo de mais de dois metros, ele simplesmente atravessou a entrada levando a porta e a parede junto, a destroçando numa passada só e jogando uma chuva de lascas de madeira em cima das pessoas assustadas que começavam a correr e se afastar da confusão.
- Essa merda de cidade não para mesmo! – reclama o garoto, se afastando, mas sem tirar sua atenção da luta que estava para ocorrer, e outra vez, envolvendo um jaqueta, aparentemente, eles seriam um problema em seu caminho nesta etapa inicial da aventura, e isso o desagradava bastante.
Mas continuando a observar aquela cena bizarra, em seguida, um outro corpo seguiu o gigante que saía inusual mente do estabelecimento, este saltando da nuvem de poeira e destruição deixada pelo jaqueta, saltando quase três impressionantes metros pra fora dela e se afastando do jaqueta enquanto o encarava minunciosamente, e não parecia nem um pouco assustado, uma visão inesperada para Fyrr, que observava a cena cada vez mais confuso.
O jovem que havia saltado pra fora do lugar pousou na rua deslizando na terra, agora, em frente ao seu oponente numa estrada sem tráfego, tirando algum elefante anão que havia escapado das correias. Sem lhe dar tempo de respirar, o leopardo do martelo estendeu seus braços atrás do ombro, agarrando o ar como uma ferramenta, e num piscar de olhos, com o seu desejo, uma luz incandescente surgiu no meio do nada e tomou a forma de uma grande ferramenta, um longo cabo apareceu entre as mãos do jaqueta e a luz se intensificou num último flash, antes de se transformar num grande martelo de guerra cinza-claro que agora, Hikkan segurava.
- O que? O que foi aquilo? Aquilo é... magia? – exclama o garoto, assustado e impressionado ao mesmo tempo.
Mas sem tempo de admirar a ação do leopardo ao evocar seu martelo, logo em seguida, o gigante arranca do chão escuro na direção do garoto, numa velocidade bastante inesperada para seu tamanho.
Hory apenas observou com uma calma assustadora o corpo avantajado do leopardo cada vez mais se aproximar, inclinando seu torso para preparar um golpe derradeiro com seu martelo.
A marreta estava erguida e pronta para acertar sua cara, mas o jovem esperou até o leopardo estar a poucos metros dele para saltar para o lado e desviar do golpe mortal, girando no ar sem tirar os olhos de águia do oponente, ele pousou no chão deslizando sobre a pista, e o do martelo sem esperar a reposta do alvo atacou de novo com um golpe seguido vindo do lado, almejando a cabeça de Hory, e em resposta, agilmente o garoto salta para trás, desviando do golpe alarmantemente rápido e forte, como diabos aquele troglodita conseguia ser tão rápido e cuidadoso em seus movimentos era um mistério sem significado que passou negligentemente pela cabeça de Hory antes de se agachar, fortificando sua base no chão, e então, estendeu com cautela seu braço na direção de uma carroça que estava descuidadamente estacionada na calçada, talvez tendo sido largada por seu dono para fugir da confusão envolvendo um dos leopardos, então Hory ativou inconscientemente sua magia, começando com uma simples ondulação no ar serpenteando por seu antebraço, distorcendo a imagem do cenário a sua volta como ar quente decolando do chão, e lentamente adquirindo um tom arroxeado e transparente. Aquela energia misteriosa percorreu até cobrir sua mão e seus dedos contraídos, o cobrindo como uma camada tremeluzente de um líquido espesso.
E em resposta a aquela energia misteriosa, o corpo inteiro de madeira cinzenta e torcida da carroça de três rodas começou a se cobrir com aquela ondulante energia, a cobrindo inteiramente como uma camada de ar quente a prensando em todas as direções, e ignorando aquela cena, Hikkan já estava acelerado em frente ao garoto com o martelo erguido pronto para um ataque vindo de cima, almejando esmagar o corpo de Hory. E desta vez, ao invés de tentar desviar, o garoto correu na direção do gigante cortando os três metros que o separava, e em reação instantânea. O leopardo atacou com o martelo descendo perigosamente rápido.
Hory estava tão próximo da cabeça da arma que poderia sentir a sua pressão esmagadora quebrando a resistência do ar, mas não cedeu àquela pressão até o fim e no último minuto desvia do golpe ficando ao lado do corpo curvado do gigante, o estrondo do golpe que exigiu todo o corpo de Hikkan movendo o martelo foi alto, e um círculo de destruição se elevou no meio da calçada, e Hory estava mortalmente perto do gigante, se afastando com um pulo para trás, ele movimentou seu braço encarando friamente o grande leopardo, o movimento de puxar que fez contra Hikkan com a energia em sua mão fez a carroça reagir e tremer, e de repente, ela salta do chão levando consigo as cordas que deveriam prende-la a um pequeno poste.
Hikkan arranca a cabeça do martelo que estava quase presa afundada no chão destruído por seu golpe, ainda bufando em fúria, e se virando para recuperar a visão do alvo, o que vê é uma grande carroça voando em sua direção e perigosamente rápida.
Surpreso, quase que instantaneamente seu corpo reage e com um golpe pesado ele destrói a carroça no ar, mas os seus destroços em parte ainda voavam em sua direção com violência, bloqueando parte de sua visão. Cobrindo o rosto com o braço ele esperou dois curtos segundos até que os destroços quicaram em seu corpo sólido e cessassem, mas então, quando olha outra vez para a rua em busca de seu alvo, ele vê dois postes com treze metros de altura cobertos pela energia ondulante arroxeada vindo em sua direção. E sem tempo de reagir direito, põe a cabeça do martelo na frente do torso em forma de defesa.
O primeiro poste o atinge no ombro o desestabilizando, e quase ao mesmo tempo o segundo o acerta no abdome, o derrubando, seu corpo pesado rola uma vez pelo chão antes que conseguisse se ajoelhar e se apoiar com o martelo no chão, tentando recuperar o ar perdido, a dor do golpe certeiro irradiava por seu ombro e estômago, e a energia que lhe fora arrancada a força por ele lentamente retornava, e tudo isso só o deixava com mais raiva. Rangendo os dentes, ele fitou na direção em que vieram os postes com as veias saltando ainda mais no rosto, e o que viu foi o palerma idiota o suficiente para o desafiar correndo em sua direção com um sorriso confiante. Ele realmente não esperava ver um mago estranho no bar que o desafiasse, mas com a ideia de que ele poderia ter sido o vagabundo que feriu seu irmão, uma fúria cega dominou ainda mais a cabeça dele.
- FOI VOCÊ NÃO FOI?! – Ele rugiu loucamente, se reerguendo do chão e levantando o martelo.
A dor irradiante já estava completamente apagada pela adrenalina correndo em suas veias, mas o ferimento em seu ombro ainda o estava alerdando sem perceber, e ignorando isso, sem esperar sequer Hory chegar perto o suficiente, ele levantou o martelo o mais alto que pôde e gritou seu encanto.
- Martelo Demolidor!
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