Varrer e varrer.
É o que Timmi vem fazendo a algum tempo, na teoria ele deveria estar fazendo isso para controlar sua ansiedade, mas isso só estava devorando sua paciência.
Já fazia duas horas desde que seu pai tinha saído e o garoto que motivou isso tinha desaparecido. Ele olhava ansiosamente para a porta esperando por seu retorno, ou pelo menos pela volta do empregado enviado pela senhora Hurd para procurar Fyrr com ele. Mas nada, nada em duas horas, nada.
Varrer e varrer, isso estava ficando muito cansativo.
A senhora Hurd então apareceu descendo as escadas direitas com sua bengala estalando contra o chão e madeira. Ela chegou na sala de recepção com alguma expectativa, e a viu desmoronar quando viu apenas o garoto varrendo o mesmo lugar de duas horas atrás, quase polindo o chão com apenas a vassoura de palha. Quando seus olhos se encontraram ela pôde ver a crescente tensão no rosto do garoto, e suspirou em concordância, apesar de que não tinha nada de estranho em demorar tanto. Os céus como se atendessem suas preces fizeram as portas de entrada se abrirem finalmente, depois de duas horas. O garoto saltou de susto e expectativa começou a encher seus olhos.
Mas mergulhou outra vez em decepção. Apenas o empregado mandado pela senhora Hurd havia voltado da busca, sem Fyrr com ele.
- O que houve? Não encontrou o garoto? – ela cobrou.
- Não senhora, procurei pelos arredores e busquei em ruas vizinhas perguntando a todos que conhecemos, mas ninguém soube dizer onde ele estava. – O garoto a conta, apreensivo.
- Hunf.
- Me desculpe, senhora Hurd.
- Tudo bem..., mas onde será que o garoto foi?
Desde o começo ela sentiu que a criança era estranha. Esperta demais na hora de agir, não apresentava medo contínuo e era muito suave no falar, ou foi ensinado uma etiqueta fina desde cedo, o que era difícil para comerciantes normais que poderiam ter sido alvo dos saqueadores, ou ele poderia apenas ter mentido o tempo inteiro, mas ela não sentiu uma aura de falsidade ao seu redor, ela olhou em seus olhos e percebeu que o garoto escondia coisas. Mas por ser uma criança ela o subestimou um pouco, teve de admitir. Crianças com doze a treze anos já podem ter um talento especial para fingir, apensar de ser bastante incomum.
- Senhora Hurd...
A voz de Timmi lhe tirou de seus pensamentos, olhando para o lado, percebeu que ele a fitrava com apreensão e determinação no rosto.
- Tudo bem se eu for ajudar a procurar por ele? Talvez eu consiga encontrar seu eu...
- Não precisa, garoto. Quando seu pai voltar, ele vai reclamar com você se souber que não fez nada a manhã inteira a não ser perder tempo com besteiras. Sinceramente, por que tanto nervosismo? Se o garoto fugiu, é porque estava mentindo o tempo inteiro e já tinha alguém esperando por ele em algum lugar.
- Mas...
- Timmi, fique calmo. Já disse, quando seu pai voltar, vamos conversar sobre isso.
- ...
Se segurando sob o olhar da criança, ela encarou as portas semi-abertas outra vez, para a luz de fora que entrava na sala mal iluminada e refletiu mais um pouco sobre a criança que tinha pedido abrigo no dia anterior.
“Sinceramente, Leonir, você é coração mole demais. Melhor que esteja bem, para perder tempo procurando pessoas que podem nem existir...”, ela pediu.
Mas do outro lado da cidade, suas preces foram colocadas em jogo. Porque por lá, andava uma criança de cabelos loiro-pálidos e olhos violetas que não gostava do que via.
Depois de passar pelo beco após uma briga feia com os jaquetas e o mendigo espadachim, ele seguiu praguejando pelo caminho indicado pelo vendedor de kebabs até que entrou realmente numa grande avenida. Uma rua superaberta com calçadas espaçadas e uma estrada do tamanho de uma rua inteira. Os prédios daquela região possuíam grandes escadarias e eram cercados por um pátio próprio, espaçando entre si em intervalos regulares. A circulação humana era curiosamente bem mais baixa que no resto da cidade, e carroças eram o que mais se encontrava, estacionadas em cantos especialmente feitos para isso atrás de alguns prédios, carroças entrando e saindo de estalagens com armazéns nelas. Aquele devia ser um distrito mais burocrático e rico.
Não importava muito, pois Fyrr seguiu em busca do prédio que estava em busca, naquela rua larga e distinta não deveria ser difícil encontrar a alfandega. E assim ele seguiu, com um sorriso confiante no rosto.
Sua jornada estava sendo bem mais tranquila do que imaginava, apesar do contratempo com os jaquetas. Era a primeira vez que se meteu numa luta até a morte com outras pessoas, e foi a primeira vez que se bombardeou com aquela quantidade de adrenalina, que cá entre nós, ele gostou bastante depois. O êxtase de ver tudo ao seu redor de uma perspectiva mais agitada fora maravilhoso, assim como a sensação de poder que a espada lhe trouxe ao fazê-lo lutar como um mestre contra eles. Era algo que ele gostaria de sentir mais vezes, por isso caminhava pela rua com um sorriso no rosto.
Pelo menos até uma certa parte dela, onde se esbarrou num corpo caído no chão. Por um segundo, temeu de se encontrar com mais um mendigo misterioso e habilidoso com a espada, mas ele reconheceu o corpo em seguida.
Era também a primeira vez que via e experimentava a instabilidade da violência de um lugar. Cidades eram como selvas, segundo os anciões da tribo, e ele via isso agora, olhando para o corpo do senhor Leonir completamente surrado e esborrachado no chão.
Estava morto.
Cheio de hematomas nos antebraços descobertos pela capa escura que vestia, e seu rosto estava inchado com manchas violetas já desbotando na pele. Apenas de olhar seus sentidos apurados percebiam que ele não respirava mais, e apenas para confirmar verificou o pulso. Não estava lá. E as pessoas continuavam passando por eles em volta, como se não vissem o corpo bem debaixo de seus narizes.
Há quanto tempo ele estaria largado ali? Uma hora? Duas? E todos continuaram com suas vidas ignorando um membro do mesmo povo caído daquele jeito?
Uma pessoa passava naquele instante guiando um elefante-anão com uma corda. Era uma boa chance de fazer um questionamento.
- Ei, senhor. – chamou a raposa, inexpressivo.
- Hmm? – o homem parou e olhou na direção do garoto, apenas por curiosidade.
- Sabe o que aconteceu com ele? – pergunta Fyrr, apontando para o corpo caído de Leonir.
- Hmmm? Não sei, estou passando agora... porque quer saber?
- Sabe... ele é meu pai.
- Ahh, hmmmmm... – desconfortavelmente o homem ponderou de olhos fechados até voltar a falar curtamente – bem, se ele foi arrastado até aqui, ele deve ter se metido com a gangue de Dokkan, ele é irmão do leopardo do martelo e manda nessa região. Esses caras espancam você só por olhar torto pra eles, se seu pai se meteu em alguma confusão por aqui, não me admira estar assim.
“Então foi isso. Leonir veio até esta rua pra perguntar pelos meus pais na alfandega e deve ter se esbarrado com os caras de preto...”, ele ponderou.
- Hahahahaha
- Hmmm?
- Hahahahahahahaha – voltou a rir a raposa, encarando o corpo morto do carroceiro.
- Ei garoto... não é meio mórbido rir assim da morte do seu pai? – questiona o estranho.
- Sabe... eu ouvi bastante sobre vocês dos anciões. Que tanto podem ser um povo unido que luta até mesmo contra as leis da natureza pra se ajudarem, ou que podem ser tão cruéis quanto demônios uns com os outros..., mas ver isso com os próprios olhos... é de deixar um sabor desagradável na boca...
- Hmmmmmmmmmm?
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