- E depois de tudo isso, quase com as articulações destruídas, ele ainda ousou dizer que não tinha se rendido ainda, hahahaha. – Zombou Kaian.
- Mesmo com os dois braços quebrados, eu ainda conseguia dar cabo de você.
- Pft, inteiro e com saúde você não chegava aos meus pés, Comandante de chumbo. Você sempre foi esse personagem todo duro e insistente. Achava que era legal posar de indesistível?
- Essa palavra nem existe.
- Foda-se.
- Bem, se eu não desistisse, você teria de fazer isso, então no final das contas, eu ganhei e ponto final, certo? – retrucou o comandante. Bebendo mais uma dose de sua cerveja.
- Hahaha, onde aprendeu a devolver as pessoas assim, aqui? Estou surpreso agora.
- Você não me vê a um bom tempo e acha que ia ficar o mesmo, Kainan? Se bem que não dá pra dizer o mesmo de você...
- Hunf, você também não tem ideia de onde eu andei, senhor comandante.
- É... – Divagou Amta, com um olhar abstrato – muita coisa aconteceu desde a escola de Krista, não é?
- Sim... - respondeu seu amigo no mesmo tom – Tudo mudou. Nós e o mundo também. Mas parece que as mudanças não foram tão agradáveis do seu lado, não é?
- É... – Responde, mudando sua expressão para algo mais sério – as coisas não andaram bem ultimamente. O ponto em que não posso mais fazer meu trabalho sem ser contraproducente. Você entende isso, Kaian?
- Talvez... foi por isso que me chamou aqui?
- Sim...
- E não se importa dos nossos discípulos ouvirem?
- Vou deixar o seu a seu critério.
- Certo, ele é confiável. Então, pode me dizer o que foi que chegou a quebrar sua força de vontade tão invejável?
- Não se trata de tê-la quebrado, se trata de inutilizá-la a um ponto preocupante... as coisas ficaram assim há pelo menos cinco anos, quando o reitor da cidade foi deposto por irresponsabilidade. Até aí estava tudo ótimo, eu trabalhava aqui como um mero soldado de alta patente e ver que as coisas estavam melhorando foi ótimo. Mas acho que eu subestimei demais o destino, não é?
- Como assim? – indagou Kaian – achei que Culleir fosse a cidade mais próspera dessa região, estou enganado?
- Não, não está. O crescimento da população e da economia são reais. Mas o custo deles é o real problema. O novo reitor é membro de uma família nobre poderosa em Krista, boatos que ouvi dizem que ele meio que foi afastado deles até aqui. Mas seja o que for, ele chegou com uma base política muito poderosa usando seu nome, e começou a criar mudanças básicas grandes na forma como trabalhamos. Produção e quantidade acima de qualidade de trabalho e taxas extremamente protetivas. Basicamente, esta cidade colocou todas as outras num estado de refém, mas se fosse só isso ainda seria melhor que o que ainda acontece.
- Ele planeja usar a cidade pra avançar na nobreza, e por isso tá ferrando tudo? – indaga repentinamente Hory.
- Não sei, e sinceramente não me importo, - respondeu o comandante – só sei que o trabalho dele está colocando as pessoas de Culleir em perigo.
- É tão ruim assim a regência dele?
- Não, mas a forma com que ele a usa sim. Os aliados problemáticos que ele está usando por debaixo dos panos para artificialmente aumentar a prosperidade da cidade é o real perigo que ele representa. – O comandante cruza os dedos sobre a mesa, encarando o nada com intensidade, um costume antigo e típico dele – há quatro anos, ele trouxe para a cidade a trupe dos leopardos, você conhece?
- Já ouvi falar, são uma trupe de saqueadores estranhamente organizada que vinham atacando cidades e vilas sem parar no passado, certo?
- Sabia que ouviria isso, mas eles costumavam agir bem mais ao sul, eles mudaram repentinamente suas ações pra cá. Mas ao invés de pedir ajuda a guarda nacional e destruir eles... ele os trouxe pra cá e se aliou com eles. Há mais de quatro anos, a trupe dos leopardos vem agindo na cidade pelas sombras, fazendo extorsões injustas com os comerciantes e donos de estabelecimentos grandes como este restaurante.
- Mas pensei que os impostos daqui fossem bem suaves. – Questionou Hory.
- E são. Essa extorsão acontece a parte. É o que eles chamam de pagamento pela segurança, que na verdade é apenas um roubo. Eles também estão envolvidos com agiotagem, e sem falar que são eles os saqueadores que cercam o território da região. Claro, os agentes externos não usam o nome da trupe, mas é ela daqui que decide quem deve ter seu comboio saqueado ou não. Empresas de fora são arruinadas e tem seus produtos roubados enquanto os comerciantes da cidade e que negociam apenas aqui tem sua segurança garantida. É tudo um plano bem elaborado e organizado. Tudo falso.
- E por que não chama a guarda nacional? Você deve ter poder para pedir por uma investigação interna, não é? - diz Kaian.
- Porque a alfandega está totalmente sob o poder da trupe, e o reitor ativamente controla os movimentos da guarda, mesmo sendo o comandante, não posso passar por cima das ordens do reitor...
- Que merda, Amta, essa sua personalidade dura sempre foi uma ratoeira. Então você quer que eu te ajude a arrancar a cabeça do reitor, é isso?
- Não. Não me importo se seguir estritamente uma lei com falhas me force a fazer coisas que não quero. – disse o comandante, fitando intensamente seu amigo com um olhar inabalável, que tanto o irritava – Mas o que me permite seguir é que eu sempre vou procurar por um caminho de implementá-la e fazer o certo. Independentemente do que aconteça. Essa é minha determinação, Kaian.
- ... certo, sei que não posso subestimar você e essa sua determinação, Amta... ok. O que você quer de mim?
- Obrigado... Kaian. Tudo o que peço é que seja meu agente externo por um momento e faça a guarda nacional se apresentar aqui. Eu tenho um plano para forçar a trupe a aparecer, seu qual a força de seus integrantes e os pontos fracos da sua formação. Se você me ajudar, tenho certeza de que posso fazê-los cair, e fazer os crimes do reitor virem a público.
- Huh, - sorriu Kaian, aceitando aquela sina – Você realmente não muda nada, não é?
- Se eu pudesse mudar, já teria arrancado a cabeça do reitor há muito tempo. – Ele sorri de volta.
- Ok, comandante. Então, quão fortes são esses malucos da trupe do leopardo?
- Eles têm quatro membros principais, cada um com um vice-líder e mais trinta homens disponíveis para fazerem o trabalho em diferentes áreas e regiões da cidade. Eles se chamam por codinomes, sempre começando por leopardo.
- Que original.
- Eles são: um mago de primeiro círculo, três do segundo círculo e o cabeça deles é um mago de terceiro círculo. Mas suas magias ainda não foram confirmadas pelos meus agentes. Infelizmente.
- Tanto faz, não deve ser problema pra gente, né não, Hory? – diz sorridente com confiança Kaian.
- É mesmo, de qual círculo seu aprendiz é? – questiona o comandante.
Kaian sorri com arrogância.
- Quarto.
- Hã? – suspira surpreso o comandante – tão jovem... você encontrou um talento e tanto, então...
- Sim, ele com certeza é, né não, Hory?
- Não enche, tiozão. – Retruca o garoto.
- E pelo visto se dão bem. Hahaha... obrigado por isso, Kaian.
- Não se preocupe, você vai ficar me devendo essa, senhor comandante.
- Você gosta mesmo de cobrar as pessoas, não é?
- Claro que sim... – e colocando mais um pedaço de carne na boca, aponta o garfo sujo de molho na direção do seu amigo de longa data – Porque essa é a minha determinação.
- Senhor, com licença!
- Huh?
Com a cara mais adorável que poderia fazer, o garoto de olhos violetas brilhando com inocência, encarava fixamente para o lojista que assava kebabs numa parte mais tranquila da rua principal. O vendedor olhou atordoado para a criança iluminada em frente a sua barraca de comida rápida, sem saber muito bem o que fazer, não era lá muito fã de crianças.
- S-sim, meu bem... quer um kebab?
- Não, senhor! Acontece que eu preciso me encontrar com um homem que queria vender um elefante ao meu pai, mas eu o perdi de vista, acho que ele estava indo na direção da alfandega, sabe onde fica?
- Hããããnnnnnn... hmmmm... bem, você só precisa ir nesta direção até o fim da rua e virar depois de uma fábrica de cerâmica, depois é só ir direto até entrar na area de despache, está cheio de prédios e ruas abertas lá, vai ser fácil encontrar a alfandega..., mas olha...
- Muito obrigado, senhor! – cortou o garoto, disparando pela rua principal.
E assim ele deixou o agitado centro para ir até o ambiente mais duvidoso que já ouviu falar desde que entrou em Culleir. As coisas andaram bem calmas até o momento. Ele pôde apreciar calmamente o conforto de uma cama e o passeio por uma cidade humana tão viva. Sua aventura começou com uma maravilhosa exposição de novas experiências, e isso atiçava muito mais seu desejo de exploração, que só era estragado quando lembrava que havia em sua roupa uma adaga que arrancaria sua cabeça no momento em que sentisse querer desistir de seu objetivo principal. Crianças kitsunes tinham a mesma inclinação para ceder a curiosidade que as crianças humanas, a única diferença era que eles potencializavam isso para um outro nível. Completamente despreocupado ele seguiu pela rua subestimando o mundo a sua volta que ainda desconhecia quase completamente sem perceber.
Ele finalmente alcançou a tal fábrica de cerâmica no final da rua e virou entrando numa rua mais apertada e escurecida pelas sombras entre os prédios e a coluna de fumaça das fábricas que deixavam o ar mais seco e desagradável. Aquilo era algo detestável em cidades para alguém acostumado ao ar puro de uma floresta, o fedor também era um problema, o olfato supersensível da raposa se incomodava com ele, assim como suas orelhas que já estavam ficando dormentes depois de tanto tempo debaixo do véu. Bem, ossos do ofício, e com isso em mente seguiu pela rua estreita, e quanto mais se aprofundou nela, menor o número de transeuntes ficou, até sumir completamente. E quando ele entrou numa outra rua ainda mais estreita e suja, levando muito a sério o fator de descolorização que a cidade tinha em sua atmosfera, mas tudo bem quanto a isso, a única coisa que deixava o garoto com uma pulga atrás da orelha era o mendigo no final do beco.
Mendigos não eram muito comuns nas ruas, literalmente não havia muito espaço para eles, e a maioria dos moradores de rua trabalhavam a maior parte do dia, e também, aquele mendigo tinha algo desagradável que incomodava o insistindo do kitsune. Uma leve brisa acompanhou o andar de Fyrr enquanto se dirigia lentamente até o final do beco, balançando levemente o lenço solto do véu que amarrou na cintura, para esconder sua cauda, neste ponto, preparada para se agitar. Quanto mais próximo chegava do mendigo mais desagradável ficava seu cheiro.
“Urgh, porque esse cara não visita um banho público?”, questionou ele com desgosto, quase atravessando o beco.
Mas logo seus sentidos captaram uma mudança brusca na atmosfera, o suficiente para fazê-lo diminuir o passo. Um odor diferente tinha sido detectado vindo de uma das brisas entrando no beco, a luz que iluminava o beco vinda dos finais dele, contrastando com sua sombra tremeluziram.
Alguma coisa estava se aproximando rapidamente, e seus ouvidos sentiram os sons rápidos e dinâmicos de passos se aproximando.
Antes que pudesse fazer qualquer coisa, parou no meio do caminho bem próximo ao mendigo sentado no beco, o beco é invadido pelos dois lados por homens de jaquetas pretas armados com espadas curtas e bastões.
Três na frente e quatro atrás. Todos abertamente ofensivos, mas nenhum deles parecia interessado diretamente na raposa.
“Que merda tá acontecendo aqui?”, ele pensou, suando frio, paralisado no lugar.
- Achamos! É ele! – apontou um dos jaquetas.
Mas pegando o garoto de surpresa, não pontavam para ele, e sim para o mendigo dormindo contra a parede.
“Hã?”.
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