Um sol resplandecente brilhava no céu sob a selva de pedra. O jovem de não mais de 19 anos respira fundo o ar que cheirava a gente suada, terra, sujeira de calçados e resquícios de fumaça de cigarros. Não é como se ele não se importasse com o os odores, mas já sabia o que esperar quando chegou ali.
Acostumado a viver num lugar de ar limpo e aberto, a cidade cheia de prédios rochosos e ruas barulhentas, quentes e vivas era um contraste meio incomodo.
“É melhor do que tinha imaginado.”, Ele pensou, suspirando. E assim seguiu seu caminho, atravessando uma ponte elevada que cruzava uma rua mais larga metros abaixo, ele pôde também apreciar a vista mais alta da cidade, realmente uma selva de pedra cheia de pessoas mais mesquinhas que o normal, como se não precisassem se dar ao luxo de prestar atenção para os outros em volta. Em pouco tempo chegou em frente a uma construção larga de cinco andares, com uma entrada de portas duplas movimentada por gente vestida de forma mais simples como ele, uma simples pousada. A noite está custando o preço necessário para alimentar uma família pobre por uma semana, no mais extremo dos casos, e isso ainda era considerado pouco por ali.
“Retiro o que disse”.
A atendente olhou com desinteresse para ele no começo, até que o jovem mostrou suas moedas em seguida, a fazendo apenas conferir surpresa como o estranho novo na cidade aparentemente sem ter onde cair morto conseguia ter dinheiro para pagar alguma pousada. Era realmente uma surpresa.
Depois de dar a chave do quarto no mural atrás do balcão onde lia entediada um pergaminho de conteúdo duvidoso, ela piscou para ele, descontraidamente. Ele apenas ignorou por respeito e subiu as escadas até o segundo andar. Agora dentro do pequeno e confortável quarto, ele se esparramou na cama, largando a sacola de couro que carregava o tempo inteiro consigo no chão. Não havia mais do que alguns alimentos secos embalados com folhas, um cantil de água, roupas extras e armas comuns simples, tudo o que podia carregar por aí sem ser suspeito.
Ainda faltavam algumas horas até o momento combinado, só lhe restava mesmo esperar. Era uma boa hora de dormir tudo o que não conseguiu há dois dias, e foi o que fez.
Lentamente fechou os olhos e apoiou a cabeça nos braços olhando para o teto de madeira.
Ele acordou com o barulho da porta se abrindo, um ranger leve de madeira, mas o suficiente para deixar seus instintos agirem, mas nada preocupante, era alguém que ele esperava quem fechava a porta atrás de si, calmamente, avaliando o ambiente ao redor lentamente e por fim, caindo os olhos sobre o homem na cama.
O homem de meia idade de pé na porta sorriu levemente.
-Há quanto tempo, Hory e aí?
- Você demorou, pra caramba. – Retruca o jovem, sentando na cama de palha, agora encarando o recém-chegado.
- Desculpe, meu trabalho as vezes é bem insuportável. Mas pelo menos já estou aqui, não é? – o homem de meia idade se aproximou de Hory, lentamente – como foi a viagem?
- Lenta, mas tranquila. Ninguém me encheu o saco quando cheguei também. Do jeito que você falava da cidade, parecia estar numa tribo selvagem.
-Bem, as coisas aqui acontecem de formas mais sutis, mas vai por mim, todo mundo aqui é maluco. – disse o recém-chegado, sentando ao lado de Hory na cama.
- Dane-se, estou aqui só por um motivo. Então, está pronto?
-Sim, estou, eu não cometeria um vacilo desses.
-Tenho minhas dúvidas.
-Vai a merda, garoto. E lembre-se, é o maior favor que eu posso fazer por você, ok?
-Ok.
-Tente não explodir mais nenhuma cabeça dessa vez, ok?
-Hahaha, ok.
Os dois levantaram e então, o quarto voltou a ficar vazio.
Eles passaram tranquilamente pela recepção, e desta vez, a mulher no balcão olhou com curiosidade para o jovem acompanhado do homem que acabou de chegar. Ambos saíram juntos e sem falar nada.
Do lado de fora, Hory pôs a mão na frente do rosto por causa da luz intensa que aquela manhã tinha.
- Caramba, você é um vampiro ou coisa assim? Devia olhar pro sol mais vezes. – Zombou o homem de meia idade. Os cabelos lisos se separando na testa e emoldurando seu rosto o faziam parecer mais jovial, mas a barba rala no queixo entregava sua experiência de vida.
- Pra que? Não é como se fosse necessário ou coisa do tipo. – Retrucou o garoto.
- Quem disse? O sol é uma coisa bem importante, é quem faz as plantas viverem e nossos olhos apreciarem a vista. Assim como a ordem de Rel deseja.
- Dane-se.
- Que heresia, hahaha.
- Então, vamos direto pra alfandega? Quero resolver logo as coisas. Pra quem vai pedir uma carta de recomendação?
- Abusado... não é assim que funciona.
- Hã?
- Você não precisa de uma carta de recomendação ou pré-aprovação para fazer o teste e entrar na associação. Só é necessário escrever uma carta pra eles e fazer uma inscrição formal, então eles te enviam o endereço e horário do dia para o teste.
- O que? Então por que diabos você me fez vir até essa cidade? – exclamou o garoto, e ambos já entravam na rua principal do centro da cidade.
- Porque você pode fazer tudo isso direto da alfandega daqui, e também, porque eu posso precisar da sua ajuda com uma outra coisa. É isso que eu estou te cobrando o favor.
- O que?
- Que arisco... bem, há alguns dias eu recebi uma carta de um amigo que pediu para me encontrar com ele por aqui. Por isso te chamei.
- É algo tão ruim que precisou me chamar também?
- Não, ainda não sei o que é, ele foi meio vago na carta.
- Então que merda eu estou fazendo aqui?
- Acontece que se ele está pedindo ajuda minha, é porque provavelmente, alguma coisa muito sinistra está havendo do lado dele.
- Como pode ter tanta certeza?
Então o homem de meia idade se virou e encarou o garoto com uma expressão séria.
- Porque ele é o chefe da guarda dessa cidade, e um mago espadachim de quarto círculo.
Em uma certa rua semi-vazia do outro lado do centro, num ambiente que já foi muito movimentado pela presença de algumas casas de jogos, um silêncio mórbido recaía sobre. Um silêncio que perdurava há cinco anos.
E nesta rua, um prédio em específico era destacado. Uma construção alta, com mais de cinco andares e base pentagonal, se afunilando até o topo plano numa pirâmide, e terminando num maravilhoso domo colorido. Cheio de janelas arqueadas e uma escadaria que levava a um maravilhoso portão de entrada emoldurado por colunas grandiosas, a construção imponente agora se encontrava vazia. A entrada e os arredores estavam cheios de jaquetas fazendo ronda e guardando as entradas do prédio. Mas aproximando mais dela e entrando nossa perspectiva para uma das janelas do terceiro andar, chegaremos em um salão grande e espaçoso.
O piso verde de mármore era contrastado com as paredes carmesins e as bordas douradas das janelas interiores e das portas que estavam nas quatro paredes do ambiente. Incensos caros e elegantes queimavam dando ao lugar uma atmosfera agradável, a mobília se resumia a alguns sofás carmesins e poltronas juntas a várias mesas de jogos, numa delas, uma mesa de bilhar, o taco se aproximou esquivo de uma das bolas e a acertou em cheio.
Tac
Então a bola percorreu o espaço até o triangulo de outras esferas de outras cores e as espalhou pela mesa, duas delas inclusive até entraram nos buracos nas vértices da mesa.
O jogador suspirou em comemoração a sua tacada e se aproximou da bola branca deslocada. Antes, retirou da boca o cigarro e soprou a fumaça em cima da mesa, um ritual de sorte repetitivo que encardiu o bilhar com o odor de fumo.
O cheiro lutou intensamente contra o cheiro do incenso até se dissipar mais rapidamente e perder contra ele, mas não sem antes alcançar os outros seis homens que estavam na sala. Dois deles estavam numa mesa de madeira com um jogo de xadrez em cima dela. O jogador a esquerda sorria com desdém observando atentamente o jogo do inimigo, ele ajeitou os óculos redondos por mania e fez seu movimento, colocando o oponente em total desvantagem, o jaqueta que estava do outro lado suou frio percebendo que mais uma vez perderia para seu superior, o que não era surpreza, sendo que já acumulava 347 derrotas contra 0 vitórias.
Tac
O homem de camisa preta e cabelos curtos no bilhar fez mais uma jogada, e outras duas bolas cairam nos buracos.
Sentado largamente num outro sofá, um quarto homem, usando um sobretudo castanho aberto sobre as roupas simples e um chapéu coco de copa longa ingeria uma grande quantidade de fumo pelo narguilé em cima da mesa em frente a mobília, e com a mesma tenacidade ele soltou a grande quantidade de fumaça aromatizada no ar ambiente. A luta do incenso contra o fedor dos fumos chegava a ser enjoativa, mas todos ali estavam mais que acostumados a isso. Seus olhos por debaixo dos óculos redondos e escuros estavam em extase. Diferente do quinto homem, quem estava esparramado da mesma forma no sofá em frente ao do homem alto de chapéu coco, mas este parecia emburrado, bem, ele sempre parecia emburrado, já que sua cara naturalmente era rígida e grande, como se fosse esculpida como uma carranca de irritação, mas ele não ligava, era uma vantagem somada ao seus 218 centímetros de altura que quase esmagavam o sofá embaixo dele, a jaqueta preta enorme e as calças jeans com as botas escuras insensificavam sua semelhança com o irmão, que conseguia ser ainda pior que ele em termos de mal humor.
O último homem estava de guarda na porta de entrada principal da sala, apenas uma formalidade, sua função servia mais como porteiro que qualquer outra coisa, pois todos dentro daquela sala com exceção do jaqueta que lutava contra o homem de camisa polo e jeans no xadrez, eram todos monstros absolutos em Culleir.
Silêncio e suavidade eram esbanjadas ali, todos os dias eram calmos assim, inclusive aquela manhã, até que toda a suavidade foi quebrada quando a porta de saída fora aberta bruscamente. Ninguém além dos jaquetas olharam naquela direção, onde um outro jaqueta baixo e calvo tinha acabado de entrar, arfante e nervoso.
- Chefes!
- Bata na porta na próxuima vez, arrombado, você tirou minha concentração. – disse calmamente o homem jogando bilhar, se preparando para mais uma tacada, seus olhos não saíam das bolas nem mesmo para prestar atenção na possível notícia urgente – da próxima vez vou arrancar sua cabeça.
- ME-ME DESCULPEM!
- Não grite, seu animal! – reclamou o homem absorto no jogo de xadrez, assustando até mesmo o jaqueta oponente – Fale logo o que veio dizer e se manda.
- É sobre Dokkan!
- Hmm? O que tem ele? – perguntou repentinamente o gigante no sofá, virando a cabeça na direção do invasor, e com certa razão.
- Ontem ele avisou que cuidaria de um vagabundo que espancou um dos homens dele que tava tentando ir pra alfandega, lembram? – contou trêmulo o jaqueta, sorrindo de nervosismo, mesmo que a história não tivesse nada a ver com ele, poderia acabar sobrando para si de qualquer forma se tratando dos irmãos mais esquentados da cidade, não falar era algo muito, muito pior – Bem, ele foi lá... mas... alguma coisa aconteceu e... ele acabou mortalmente ferido num bar, os outros que foram com ele com exceção de um foram massacrados...
- O QUE? – rugiu repentinamente o gigante, levantando do sofá e quase batendo a cabeça no teto.
- Hmm? Dokkan? Vencido por um vagabundo? – contestou o homem do bilhar.
tac
Mais uma bola dentro do buraco.
- Hehehe, aquele cabeça de amendoim é um inútil mesmo. – Zombou o homem no xadrez, fazendo mais um movimento. Seu oponente estava encrencado, e se mostrasse que havia se distraído com a história que estava acontecendo na hora, seria xeque e mate para ele.
- Não fale assim do meu irmão, Emdu! – gritou o gigante – Ei! Onde ele está? Onde deixaram o meu irmão?
- Levamos ele para o templo ontem à noite, bem... ele ainda está vivo, mas...
- Eu vou ver ele! – gritou imperiosamente o gigante, se afastando finalmente do sofá.
- Hikkan, espera! – exclamou impaciente por ter de deixar seu jogo o homem no bilhar, vendo sem humor seu companheiro andar até a porta da frente – Aquele idiota se meteu nessa porque quis, fique no lugar dele e faça a guarda na alfandega, eu vou ver o que aconteceu.
- Não! Meu irmão está ferido, Ganda! Vai você fazer a guarda! – ele exclamou uma última vez em fúria, antes de se agachar para sair todo apertado pela entrada, era uma cena cômica, se não fosse numa situação tão inusual.
- Porra! Sempre um cabeça dura! – reclamou o homem do bilhar, vendo seu companheiro sair pela última vez.
- Hahahahahaha! – riu o homem no narguilé, soltando outra onda longa de fumaça.
- Não é engraçado, tá rindo do que, Nishe? – reclamou Ganda.
- Nada, simplesmente nunca gostei do irmão dele. Careca cabeça de bosta. Sempre se aproveitou pra fazer a farra por causa do irmão idiota que protege ele. Espero que ele tenha perdido pelo menos um membro.
- Que engraçado, não é mesmo. Bem, você vai ficar protegendo a alfandega no lugar dos irmãos idiotas então, estou ocupado hoje, e Emdu, vá com Hikkan até o Templo pra ver o que aconteceu com Dokkan e os outros membros. – pediu indelicadamente Ganda, já largando o taco na mesa.
- Nem ferrando, os dois idiotas de que limpem sua própria sujeira, não sou a babá de Dokkan sempre que ele resolve limpar a bunda do irmão dele? – retrucou o do xadrez, fazendo seu último movimento, e cheque e mate. – Uhuuuuuul! Mais uma vitória pro pai aqui!
- Parabéns, chefe! – elogiou roboticamente o lacaio oponente.
- Eu também não tô a fim de limpar a sujeira dos dois não, sabe? – diz desdenhoso Nishi, aspirando seu narguilé.
- Que porra! Sempre sobra pra mim! – reclama Ganda.
- E por que eu teria de fazer isso?
- Ah, é? Bem, que pena. Ei, venha aqui! – o homem do bilhar ordenou para o lacaio na porta, que se aproximou timidamente.
Ele pôs uma mão no ombro do lacaio e tranquilamente seguiu com uma expressão serena.
- Por favor, meu querido, vá até os guardas lá embaixo e avise a eles que infelizmente não vou poder ir até a casa do senhor reitor por um imprevisto, mas que não se preocupem, pois Nishi agradavelmente se ofereceu pra ir verificar as coisas com ele.
- Ei! – exclamou Nishi, se sentando ereto no sofá – Eu não quero ir falar com aquele psicopata!
- Puxa, que pena. Bem, vou ter de ir atrás de Hikkan e fazer ele voltar a fazer a guarda na alfandega. E vou ficar um bom tempo descobrindo o que acontceu. Como é dificil ser o mais esperto e responsável, do grupo, ai ai...
- Ei! – Emdu exclama – o mais esperto sou eu! Você é no máximo o pau pra toda obra!
- Vão todos a merda, argh!
E com esse grunhido, ele saiu da sala atrás de seu companheiro gigante ao lado de seu lacaio. Aquele seria um longo dia.
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