A luz ambiente das janelas apenas diminuía o tom descolorido, permitindo a todos enxergarem bem para o que estavam bebendo. O bar estava quase vazio, no salão da frente, onde as mesas de madeira circulares estavam dispostas para a freguesia, em volta dos quatro pilares de sustentação, estava ocupada apenas por dois homens que voltavam do carregamento de um estoque de caixas de legumes típicos da região, e reclamavam silenciosamente das taxas que as importações vinham tendo, impotentes demais para poder reclamar em público. Depois do salão, o piso se elevava um metro, e um pequeno estande ficava sob um balcão de madeira polida, a coisa mais limpa daquele lugar sem graça, com bancos altos de madeira e metal se espaçando na frente dele a cada um metro, e logo trás dele, um acervo de bebidas em padrão xadrez esculpido na parede de mármore negro.
Um homem alto de turbante azul e camisa amarela limpava um dos copos que retirou do divã embaixo do acervo de bebidas com uma flanela usada e se virou mostrando um vigoroso bigode acompanhado de uma carranca de tédio. E então despejou na mesa o copo de cerâmica, observando taciturno o único cliente que esperava para receber sua bebida naquele horário. Estava claramente cedo demais para beber, mesmo assim, ele sempre estava lá, cedo de manhã e tarde da noite. O que fazia ali ainda era um mistério, mas sem se intrometer, o barman grunhiu para o jovem esparramado no balcão, parecendo sem vida, caindo de bêbado. Mesmo assim, ele gesticula com a mão para o barman encher o copo com a garrafa de cerveja mais escura que tinha.
Suspirando de pesar, ele se virou e encheu o copo com o líquido escuro da garrafa mais larga do acervo.
O jovem levantou seu torso apenas para pegar o copo, revelando um rosto jovem emoldurado por cabelos escuros tendendo para o castanho, e depois de um gole limpo no copo, suspirou e sentou curvado no banco outra vez.
- Essa é da boa, einh? Qual o nome? – perguntou lentamente o beberrão.
- Huff, senhor, não acha que está cedo demais pra encher a cara assim? – francamente de mãos no balcão, o barman tentou olhar nos olhos esverdeados do jovem, mas neles, só via um profundo desgaste. Do tipo que só via em homens velhos e amargurados.
- Hehehehe, e desde quando tem hora pra encher a cara, senhor? Não existe nada melhor que se drogar e esquecer de todos os problemas da vida. Não é por isso que bares existem? - e num outro gole, queimou sua garganta com aquele líquido ao ponto de lacrimejar.
- Senhor, falando assim, faz minha loja parecer uma boca de fumo. Não consigo nem imaginar o que pode ter causado essa sua desesperança com a vida, mas ainda é jovem demais pra reclamar tanto dela. Não acha?
- Quanta franqueza com um desconhecido... Hic! Mas eu... Hic! Não sou do tipo que fica amargurado pelo passado nem nada... eu só... Hic! Ando tendo dias ruins... sabe aquela sensação de quando sua mulher foge com outro cara pra longe do nada e te deixa na merda... Hic! Com uma filha pra sustentar e um monte de dívidas?
- O senhor é casado?
- Hã? Não, não, eu só... Hic, Porra de soluço! Me deixa falar... Hic! Caralho!
- Senhor, ele vai continuar enquanto continuar a beber. Quer um copo de água?
- Água não vai ajudar... não vai... – ele murmurou, zonzo, e voltou a beber uma última dose do álcool, terminando o copo. – Caramba! Essa é mesmo da boa, desse rasgan... Hic! Hahahahahaha!
- Senhor... sabe, ultimamente, eu venho pensando em vender o bar e me mudar pra outra cidade, talvez para uma vila pacata... – divagou o barman.
- E eu com isso, merda? – cortou o jovem, afastando a capa caindo sob seu ombro esquerdo.
- Huff, nada. Pelo menos você me paga, diferente dos outros mendigos.
- Não sou mendigo! Que falta de educação! Só não deixo de vir aqui porque gosto do seu bar... cara, manda mais uma.
O barman suspirou mais uma vez, observando a ação infantil do jovem de mexer o copo para pedir por mais uma dose da bebida. Realmente, as coisas não andavam bem ultimamente, pra todos que habitavam Culleir, pelo menos, nos últimos cinco anos, e o motivo, ele já estava careca de saber.
Culleir um dia já foi colorida, mais barulhenta e viva, como toda boa cidade próspera próxima das margens do rio, mas desde que ela passou a estar sob o poder do novo reitor as coisas mudaram, o povo se aquietou cedendo ao medo, as bebidas não eram mais tão ardentes, o mel não era mais tão doce e o sol nem brilhava mais como antes, tudo se tornou extremamente silencioso em comparação com antes, claro, dando uma grande passada de pano para o fedor de mijo e bosta de elefante anão que sempre estava presente, ou a fumaça que as panificações e madeireiras sempre faziam, mas no geral tudo era bem mais divertido, por isso o barman se frustrava em não conseguir mais manter uma conversa animada com seu jovem freguês que sabia não pertencer àquele lugar.
Mas não tinha muito o que fazer da parte do jovem se embebedando no balcão, já que ele estava chegando nos limites do cansaço. Sua vida tinha sido espinhosa, sua estrada era como andar numa tempestade de areia, sempre sendo cortado pelos ventos fortes e afiados, todos os dias sem parar, com seus fortes alicerces sendo pouco a pouco derrubados. Sua motivação continuava a mesma, inabalável, mas as coisas não estavam mais tão fáceis quanto antes, ele subestimou sua inexperiência, e agora se afogava em álcool tentando anestesiar mesmo que um pouco aquela vida desgastante que seguia.
WHAM!
As portas dobradiças subitamente se abriram com violência, inundando repentinamente o bar com a luz ambiente. Os homens que conversavam numa das mesas dispostas no salão se calaram na hora e arrepiaram todos os cabelos das barbas longas que tinham quando viram as silhuetas de quem estava entrando. Cinco, eram cinco, cinco homens de botas de couro, jaquetas escuras de linho com o símbolo de sua maldita trupe, reconhecida com o rosto feroz de um leopardo das montanhas rugindo, de olhos vermelhos como sangue. Eles sorriam abertamente com os olhos famintos por violência, o barman foi o próximo a suar frio quando os viu de surpresa entrando, sem educação nenhuma melaram o piso de argila com a poeira da rua se aproximando do balcão, mas os quatro homens de facas e bastões nas mãos não era a parte mais assustadora, não, suas barbas curtas e cabelos degradê não davam tanto medo quanto o gigante que os liderava. Um homem imenso, com dois metros de altura, uma cabeça deformada como um amendoim e careca, seu rosto duro esboçava um sorriso sádico e ao mesmo tempo extasiado, e ainda por cima, segurava um imenso porrete de madeira. Ele caminhou pesadamente até parar em frente ao balcão sobre o estande encarando fixamente o único cliente nela, o barman temia por seu acervo centenário, mas não demorou a perceber que não era ele o alvo dos olhares da trupe.
Não.
Eles olhavam na direção da única pessoa sentada no balcão que bebia tranquilamente cerveja escura num copo quase vazio.
- É esse o arrombado? – exclamou com uma voz sonora e grossa o gigante, perguntando a um dos lacaios.
- Esse mesmo, vê do lado dele? – responde o lacaio de barba rala, apontando para um pequeno bastão negro encostado no balcão embaixo do banco.
E ignorando a presença ofensiva dos cinco, o jovem continuou a beber até um último gole que lhe queimou toda a garganta até o estômago.
E depois lhe arrancou um arroto barulhento.
- Ele ainda tá bebendo? – se questionou impressionado outro lacaio, com um bastão sobre o ombro.
- Ei! Arrombado! – grosseiramente chamou o careca – você mesmo! Levante daí e se vire pra cá!
- E se eu não quiser?
Trocando os olhares do seu cliente para a trupe, o barman ficou paralizado no balcão, sem poder fazer nada, e assim ficaria mais seguro, temer pelo bêbado já era tarde demais, agora só lhe restava esperar sair inteiro do bar com seu acervo, mas ainda não se arriscando a se mover, limpou compulsivamente uma xícara com sua flanela sem propósito nenhum.
- Então vai ser assim? – calmamente responde o careca.
Sem pressa, peso ou aviso, ele avança a passos lentos até o jovem sentado ali, ainda com a caneca nas mãos, e com um sorriso malicioso, agarra a cabeça inteira do bêbado com sua mão grossa imensa.
Suspirando de surpresa, o jovem não vê tempo de reagir quando o careca o arremessa pela cabeça com um movimento brusco diagonal. Seu corpo é jogado para o alto como uma boneca de pano e simplesmente curva no ar, mas agilmente ele se reposiciona no ar e consegue estabilizar seu pouso, caindo ainda em pé e se arrastando alguns metros no piso até parar sem equilíbrio e quase tropeçar.
- Ou ou!
Por pouco recupera seu equilíbrio, mas zonzo de cerveja, mantém uma postura conturbada enquanto olha de esguelha para o seu agressor.
- Caramba, você caiu em pé, por acaso é um gato? – brincou o careca, e observando mais atentamente, desfez seu sorriso ao perceber que em algum momento, o bêbado havia pego seu bastão que agora estava em suas mãos. – Que espertinho.
- Cara, isso foi desnecessário... o que você quer? – questiona com desdém.
- Você é o bêbado que surrou um dos meus subordinados ontem a noite, lembra?
- Hmmmm um dos seus? – divagando e lutando para controlar a tontura, ele murmura com o olhar trêmulo até suspirar e lembrar da cena – ah! O cara de jaqueta preta! Ele era um dos seus? Claro, até as roupas combinam... hic!
- Então foi você mesmo? – exclamou o careca.
- Sim, sim, ele tava enchendo o meu saco quando eu só queria mandar uma carta pela alfândega, eu só dei uma coça pra ele ficar esperto, nada demais, né não, chefia? – comenta apontando o olhar para o barman. Em resposta, o dono do bar compulsivamente lixa a xícara com sua flanela, jorrando suor frio pelo turbante.
- Você quebrou as pernas dele, seu cretino! – grita outro dos lacaios.
- Dokkan, é perda de tempo, o cara tá fudido de álcool. - comenta o lacaio de barba rala.
- Tem razão, você teve muito azar, vagabundo, já que é novo aqui na cidade, vou te ensinar como é que as coisas funcionam por aqui, agora estenda bem as pernas e os braços, quebrar eles ainda vai ser pouco. – ameaçou sadicamente o careca, lambendo os beiços.
- Hahahaha, é mesmo? Eu bem que notei que essa cidade estava cheia demais de idiotas como vocês, seu careca.
Ao ouvir a zombaria, Dokkan contraiu sua face em desgosto, com veias saltando da pele, ele avançou até o bêbado mais ousado por quem já passaram em sua estadia naquele bar. O dono do bar observou atônito a cena em que seu estabelecimento seria destroçado e sujo de sangue, mas o que viu a seguir foi mais bizarro ainda.
Como um raio Dokkan chegou perto do bêbado e com a sua clava preparou um ataque horizontal direto para quebrar o adversário no meio, mas o bêbado desviou com um salto ágil por cima da clava, girando no ar para a direção contrária do golpe, porém, quase perdendo o equilíbrio novamente, ele se inclina no pouso, se afastando descuidadamente.
- Oioioioioi!
- Filho da mãe!
Se reposicionando, Dokkan envia outro golpe na direção do jovem na diagonal vindo do alto, que o bêbado desvia se agachando.
E naquele milésimo de segundo em que a clava passava acelerada por cima do corpo inclinado do jovem, apenas um pensamento rápido vingou.
“Como esse vagabundo desvia tão bem bêbado?”.
Em resposta, o jovem segura a borda do cabo do seu bastão enquanto agarrava o meio dele com a outra mão, e surpreendendo a trupe, ele a separa, sacando uma fina lâmina oculta de dentro do objeto, encarando fixamente para o careca, não mais com olhos de um bêbado confuso, mas de um caçador.
O careca por instinto se afasta um passo e muda a direção da clava enviando outro golpe direto na direção do bêbado, barrando um golpe limpo de espada que ele enviou em sua direção. A lâmina fincou levemente na clava, dando a chance para Dokkan arriscar um chute direto no jovem, que desvia na hora e desliza pelo piso até parar numa posição de ataque.
- Cerquem ele!
Os outros lacaios começam a correr circulando a área prontos para cercar o jovem, mas antes que tivessem chance, ele salta para uma das mesas dispostas no salão e a usa de base para saltar de costas, desviando de mais um golpe direto do careca que estraçalha a mesa, enviando destroços de madeira e todas as direções, e uma delas era a dos seus aliados, que por um segundo foram cegados pelos destroços.
Se aproveitando disso, o jovem avançou até um deles passando pela área cega de Dokkan e chegando no lacaio antes que o mesmo pudesse sequer atacar com seu tacape. Apenas um golpe limpo e rápido vindo de baixo e o bêbado cortou o lacaio na barriga, o suficiente para partir seu intestino. Sem perder tempo, passou pelo bandido atingido e se esquivou de mais um golpe do careca, vindo do ponto cego entre ele e a mesa destruída, desviando com outro salto ágil, o bêbado pousa na direita do gigante, onde outro lacaio o esperava, mas este pronto para o ataque, lançando uma estocada com sua espada curta.
Bem, existia uma clara desvantagem contra o segundo lacaio, já que em questão de tempo de reação e habilidades, ele perdia por muito, desviando a trajetória da lâmina usando a bainha da espada, o bêbado consegue desequilibrar seu oponente e então esfaquear o lacaio no pescoço.
Mas sem tempo para respirar, o gigante avança outra vez com um golpe derradeiro vindo de cima. Com uma corrida curvada simples ele consegue se afastar o suficiente para a direita, vendo a clava do seu oponente esmagar o corpo desorientado do segundo lacaio e o pressionando contra o chão, o corpo dele espalhou várias gotículas de sangue em volta, principalmente em cima do careca.
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