Não havia se passado três horas, e mesmo assim, parecia que uma eternidade de tempo havia passado, estar trancado numa gruta com um dragão não era pouca coisa. Quando o garoto sentia as primeiras lufadas de ar corrente vindas da saída, se guiando pelo tato no corredor escuro, achou que encontraria uma tempestade furiosa do lado de fora, mas ao invéz disso, atravessando a luz intensa da saída no fim do corredor, ele pos a mão sobre os olhos para se adaptar a diferença de iluminação e viu um céu brilhante, vibrando de vida e sem nuvens, com um sol alegre subindo feroz até o topo dele e se preparando para a chegada da noite.
E sob a luz intensa dele, a floresta boreal que a tinha atravessado em sua forma de raposa estava verde e vibrante também, esbanjando sua força vital.
- Era só uma nuvem passageira então? Que bosta, tudo isso... foi pra nada... que azar eu tenho.
Ele admirou por longos segundos a vista de cima da montanha, a cordilheira cinzenta a sua volta, cercando a área como um imenso jardim dentro de uma cerca, a floresta que criava raízes em cima de colinas e estas terminavam numa imensa planície se estendendo até o horizonte, um mar de árvores... sim... um mar de árvores cheias de vida, completamente desconhecidas para o garoto que nunca havia saído de perto de sua tribo, e que agora estava para desvendar todos os mistérios daquelas terras de onde não pertencia, isso o deixou num extase, pois o que crianças humanas tinham de curiosas, desdenhosas e perspicazes, as kitsunes potencializavam isso ao máximo, acrescentando uma boa dose de confiança e inteligência, ele estava para descrobrir todos os limites que isto tinha a lhe oferecer de bom, mesmo preso a um contrato.
- Ok, ele disse pra apontar e deixar ela me guiar, não é?
Ele observou mais uma vez, agora sob luz natural, os maiores detalhes daquela espada. Não tinha nada de muito elaborado ou especial além do cabo com uma empunhadura estilizada, a lâmina era dupla, um longo triângulo, uma espada de empunhadura dupla grande e leve, com a resistência de um dragão e parte da autoridade da sabedoria imposta nela, apesar de todo o aviso de Celenio, ele não tinha como ter uma boa noção de como avaliar o real valor da espada, teria de fazer isso sozinho.
Então apontando ela para o alto heróicamente, ele sorriu com o coração pulsando de expectativa e excitação.
- Vamos lá! Me leva para a cidade e vamos fazer isso rolaaaaaaaaaaaarrrrreeeehhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!!
A espada levou a sério seu desejo e decolou, literalmente, para o céu, arrastando o garoto que se segurava com uma mão e se forçou a agarrar o cabo com as duas deixando a espada voar e guia-lo pelo caminho.
Ela voava numa velocidade alta e constante, sem tempo de aceleração, perigosamente instantânea. O vento passava por sua capa e seu quimono interno com um pouco de violência, quase arrancando suas peças, e pego desprevidido, ele continuou a gritar por longos segundos até ranger os dentes e se agarrar ao cabo como se sua vida dependesse disso, já que dependia.
Após o susto, ele pôde prestar melhor atencão no que acontecia em volta, enquanto o vento lhe esvoaçava os cabelos e roupas e a espada o arrastava pelo céu.
“Droga! Pensei que isso ia só me teleportar! Droga!”.
Então de mente mais calma ele começar a perceber a dimensão a sua volta com mais clareza. O mar de árvores passava rapidamente embaixo dele, há mais de vinte metros. Ele encarou espantado para isso, e forçando um pouco suas pálpebras, conseguiu admirar a vista do horizonte por cima da pressão do ar em alta velocidade, roubando sua temperatura.
- Hahahahaha!
Já algum tempo depois, estava começando a aproveitar de seu voo, da vista do alto do terreno que percorria, das montanhas imensas que se afstavam e de mais das terras cobertas de árvores que lentamente deram lugar a planície, uma imensa e contrastante planície, um mar de grama.
- Caramba! será que assim vai dar pra eu explorar o mundo inteiraaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!
A espada repentinamente arrastou Fyrr pelo ar numa descida suave, curvando para baixo, mas sem diminuir sua velocidade, ele estava indo em direção ao chão.
A espada então perdeu drásticamente sua velocidade e o deixou largado no final da queda. Se enconlhendo em si mesmo ele esperou pelo impacto rangendo os dentes. E ele rolou, rolou sem parar por uma colina em que derrapou perdendo mais e mais velocidade, até finalmente parar no pé da colina. Ficando de quatro, ele cospe toda a grama que entrou em sua boca e rola pelo chão de lado.
- Aiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiai!
Seus braços e rosto estavam ralados de rolar, mas pelo menos, observando bem o resto de seus corpo e suas articulações, percebera que não havia nada quebrado ou distendido, então levantou e olhou em volta em busca da espada, estava há quinze metros dele, fincada gloriosamente no chão.
- Sua fudida! Tá tentando me matar, é? – e olhando em volta, ele não via nada além de colinas e verde, verde que se esparramava até o horizonte. – e que lugar é esse? Cadê a cidade humana que o Celenio disse que eu encontraria? Huff.
Sem escolha, ele caminha até a espada e a retira do solo macio.
Ainda era cedo, mas ele tinha muito o que fazer, apesar de sua situação ter melhorado de uma mortal incerteza, ele apenas passou para uma mortal certeza.
- E agora, qual a direção? – ele murmurou, até que suas orelhas afiadas detectaram algo, um som incomum para se ouvir naquele tipo de ambiente, pelo menos foi o que sua intuição disse, e a intuição de uma kitsune jamais deve ser subestimada.
Assim ele pos o capuz de sua capa azulada e caminhou até o topo da colina com a espada em mãos.
- Você pode ficar magicamente menor ou coisa assim? seria conveniente. – ele reclamou para a arma no meio do caminho. E ouvindo sua reclamação, ela ganhou um brilho de incandescencia e encolheu para o tamanho de um punhal mantendo a mesma forma – Muito obrigado, dragão da sabedoria, você realmente sabe ser prático.
Desdenhoso, usou o pico da colina para se ocultar de vistas possíveis daquela direção enquanto obervava melhor o ambiente em volta, e sua intuição certeira junto a condução da espada o fez chegar ao ponto inicial de sua jornada.
Há algumas dezenas de metros de distância, havia uma carroça parada no meio de uma estrada quase sumida na grama de terra dura, era cinzenta com quatro rodas e base pentagonal e uma carroçeria traseira sem teto, a frente do assento de condução de pele e madeira, havia um pequeno elefante cinza-gelo com uma pequena tapeçaria cobrindo suas costas, ele roçava a pequena tromba no gramado, entediado, esperando que seu dono, provavelmente o humano adulto de joelhos ao lado da carroça, terminasse de consertar o centro de uma das rodas dianteiras da carroça, havia com ele uma criança vestida comumente, com uma camisa escura de mangas longas abotoadas na frente, um véu amarrado na cintura caindo por cima de calças amarelas escurescidas pelo tempo e pela sujeira acumulada. Seu pai se vestia de forma parecida, mas com um véu vermelho enrolado no pescoço lhe caindo sobre os ombros.
Sem perder tempo, Fyrr pôs a adaga na cintura e escondeu sua cauda dentro da capa, e então saltou para o pico da colina, começandoa diminuir seu passo o tornando incerto e cansado propositalmente, suspirando a cada passo e mudando sua expressão para a mais aliviada possível. Não demorou para a acriança que balançava os pés na traseira da carroça admirando o cenário a sua volta prestasse atenção na silhueta escura caminhando descuidadamente na direção deles.
- Pai! Olha!
O homem então, magro e mais alto do que aprecia, com os cabelos ralos penteados para o lado e um vigoroso e cuidado bigode, olhou na direção da silhueta tão pequena quanto a do seu filho que se aproximava e levantou, terminando de lubrificar a roda, ele se aproximou do filho e deixou o vaso de óleo com ele, para se interpor entre a criança que já estava há alguns metros deles.
- Senhor! Senhor! – exclama com falso cansaço a raposa, e no caminho, forçou um tropeço, caindo de cara no chão.
- Oh! Minha nossa!
Perdendo o resto de cautela que ainda tinha, o homem se aproximou da criança e a colocou em seu colo, observando bem para o rosto jovial, de pele mais clara que o normal e encapuzado, Fyrr piscou e olhou fracamente na direção do seu salvador, respirando com profundidade.
- Senhor... obrigado... obrigado... – ele murmura, com os olhos lacrimenjantes.
- Minha nossa, criança, o que houve com você? Onde estão seus cuidadores?
- Senhor... meus pais... o comboio onde eu estava foi atacado por bandidos no caminho... muitas carroças pegaram fogo... estávamos indo pra cidade, mas eu acabei fugindo do comboio com as outras crianças, mas eu me perdi... estou andando desde ontem, estou como fome e sede...
Enganar pessoas era um talento nato para ele, mas por sorte, o homem com quem esbarrou era especialmente ingênuo, já que com apenas aquela fala, estava contraindo o rosto numa careta de dor e lacrimejando.
“Caramba, que fácil, não tem nem graça...”, pensou ele, por trás de seu rosto de exaustão.
Mas por sorte poderia aumentar sua farsa com alguma confiança, já que não era totalmente mentira, ele realmente andava mais de um dia sozinho nos ermos, não comia nada nem bebia há várias horas, suas solas das sandália estavam gastas e sua capa estava suja com manchas de lama e grama, seu cabelo estava esparramado pela cabeça devido ao impacto do vento durante o voo e a queda. Bastava uma olhada só para concluir que a criança estava em maus lençóis.
- Esses malditos saqueadores! Ahhhh! Já estou farto de ver pessoas perdendo tudo por que não temos segurança nas estradas! O que a guarda nacional anda fazendo? Aaaahhh! Pelos deuses! Isso é muito triste! Ahhhhh!
“Porque você está chorando do nada?”.
- Criança, você lembra do brasão do comboio? Quem são seus pais? Eles estavam indo para a cidade dessa área?
- Eu... eu acho que sim, senhor... eu não sei muito sobre isso...
- Oh! Que triste! Deixe-me te ajudar, criança, vou te levar para Culleir, se eles obreviveram a isso, com certeza vão para lá! Ohhhhhhhhh! Porque este mundo tem de ser tão cruel com as crianças!
Depois de choramingar mais um pouco e apertar desconfortávelmente o garoto nos braços, ele o colocou na traseira da carroça e o deu um pouco de água com pão e mel para a cobertura. O filho do carroçeiro observava atentamente o garoto e seguia os pedidos de seu pai. Colocou um pequeno travesseiro vermelho de decoração atrás da cabeça de Fyrr, deitado sobre alguns caixotes que se encontravam em bastante quantidade alí, e ajudou a encher a boca “cansada” dele.
- Se sente melhor, garoto? Qual o seu nome? – o carroceiro voltava de sua última inspeção na condução para verificar mais uma vez a criança.
- Fyrr, senhor, me chamo Fyrr, muito obrigado pelo sua ajuda... vou pedir pros meus pais te recompensarem bem na cidade...
- Não precisa, meu filho, te reunir com seus pais será meu objetivo agora, ver você voltando a sorrir outra vez será a melhor das recompensas. Timmi, fique de olho no garoto e ajude-o no que precisar.
- Ok! – exclamou o filho dele, sem muito ânimo.
- Fyrr, aguente mais um pouco, estamos apenas há algumas horas de Culleir, logo logo você verá sua familia outra vez.
- Obrigado senhor, obrigado.
Então ele voltou para a condução e atiçou as rédeas, fazendo finalmente o elefante anão andar e mover a carroça pela estrada de terra desbotante.
A carroça balançava lentamente num ritmo agradável, e o som das peças de metal penduradas nas paredes de madeira dela somando ao som dos estalos que a madeira fazia criava uma atmosfera única que uma carroça tinha, claro, uma carroça de qualidade mediana tinha, e era bom para viagens tão longas, já que abafavam a sensação de solidão no meio daquelas estepes.
E apenas isso estava a vista, colinas e estepes, além de eventualmente passarem por alguns pequenos arvoredos, o garoto ficou deitado por duas horas apenas descansando a fadiga acumulada enquanto tentava ser o menos inconveniente possível para os donos, até que lentamente começou a fingir uma recuperação, se sentando eventualmente e depois levantando, dando alguns passos até o caixote onde estava a comida e se alimentando. O sabor do pão com mel não era grande coisa comparado a comida que tinha na tribo, mas colocar qualquer coisa na boca depois de tanto tempo era confortável, quase o fez chorar de verdade de alívio.
Conforme o tempo passava ele se sentou na beira da carroçeria e aproveitou o clima para observar o ambiente, o filho do mercador ficou um bom tempo apenas o observando a distância próximo a janela que dava para o acento do condutor, com as costas de seu pai a vista, mas logo ele se voltou para o garoto estranho que apareceu para eles na estrada e levantou, se aproximou e trocou olhares com aquelas misteriosas pupilas arroxeadas de Fyrr, levantando a mão depois.
- Olá, sou o Timmi.
A raposa sorriu e apertou a mão do garoto.
- Sou o Fyrr.
- Seus pais eram mercadores também?
- Sim, eles faziam negócios o tempo inteiro, indo de cidade em cidade, era divertido, - começou a contar a raposa – era divertido, eu sempre via lugares novos, e quase sempre eles me presenteavam com brinquedos e doces das outras cidades, uma vez eles até me deram de presente um cachorro.
- Sério? – exclamou Timmi, levemente surpreso, um cão de estimação não era pouca coisa, sentou de joelhos em frente ao garoto no outro extremo da carroça e o observou – Acho que eu nunca poderia pagar por um cachorro.
- O nome dele é Wilson, ele tem pelos dourados e sabe fazer um monte de truques que eu ensinei. – sorriu Fyrr.
- Wow!
- Eu ensinei ele a andar em corda bamba e a contar dinheiro, assim eu nunca precisei conferir minha mesada.
- Incrível! Cachorros podem fazer isso? Isso seria bem útil pro meu pai.
- Claro que sim! E se você ensinar ele bem, ele pode até aprender a falar também.
- Caramba!
E assim eles começaram uma longa conversa durante todo o caminho, sob os suspiros de alívio do carroçeiro que se sentia melhor ao ver a criança que ajudou novamente em paz, se focando melhor em conduzir o elefante até Culleir e mais uma vez enfrentar a crueladade deste mundo.
E em duas horas, eles chegaram ao seu destino.
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