- Você entendeu bem?
- Está mesmo me perguntando isso? – questionou a raposa.
- Sei que não são idiotas que devem ser subestimados, mas filhotes são filhotes...
- Eu entendi, então, o que a missão que quer que eu faça tem relação a tudo isso?
- Vou ser direto então, raposa. – diz o dragão, mudando sua postura para algo imponente, elevando seu tronco e pescoço enquanto sentava como um leão de patas frontais cruzadas, olhando a pequena kitsune de cima com olhos brilhantes e antigos, muito antigos – Para evitar que a toliçe dos habitantes destas terras acabem intensificando ainda mais a tempestade que está por vir, eu preciso que você consiga uma informação, uma grande e importante informação, e ela está com um velho conhecido meu...
- Não esperava por essa, você tem amigos?
- Não nos falamos nem há duas horas e já está sendo petulante? – questionou calmamente surpreso o dragão.
- Me desculpe, meu sen...
- Quieto, antes que eu evapore você. Essa pessoa se trata de um antigo estudioso, um sábio que vive há centenas de anos estudando os ciclos que compõem a natureza e o mundo, ele provavelmente tem respostas importantes para eu ter uma visão mais clara do que está por vir, mas o problema é que eu o perdi de vista há algumas décadas, várias décadas, mas da última vez que eu o senti, estava no interior da floresta Mahatma, neste mesmo continente.
- Que saco, vou ter de procurar por ele?
- Não, se ele passou por aquela floresta, as coisas ficam muito mais fáceis. Naquela floresta, a árvore da gênese que os humanos adoram como se fosse uma divindade está enraízada, e ela é habitada por diversas criaturas espirituais, em especial, as Pixels e os Duendes, se eles ainda reinam nela, com certeza a rainha das fadas está por lá, e ela com certeza vai saber localizar o sábio.
- Certo, então eu tenho que ir até a floresta Mahatma, encontrar uma certa árvore super poderosa e falar com a rainha das fadas e encontrar um sábio super velho e pegar uma informação com ele?
- Achou simples?
- Achei absurdo! Eu não tenho nem ideia de como andar por aí sozinho, e como acha que a rainha fada vai ligar pra uma kitsune criança falndo aleatoriamente com ela?
- Eu também sei disso, fedelho, levante-se, aproxime-se.
A criança levantou do chão onde sentava com as pernas cruzadas e deu alguns passos hesitantes para o imenso dragão, que ergueu uma de suas patas, ele estendeu suas garras como se analizasse o palmo escamoso e pousou uma delas sobre a terra, aberta, e dela, olhando fixamente para as costas da pata, com a força de sua vontade, uma de suas escamas, tremeu entre as outras, deslizou, balançou cada vez mais acelerando até se soltar da pele do dragão. A escama exilada levitou seguindo o olhar taciturno de Celenio até um metro de distância da raposa, que observava a cena em pé, sem saber muito bem o que esperar.
A escama então parou no meio do ar há um metro do chão, e lentamente vibrou até emitir uma luz clara incandescente, e a luz expandiu, o corpo duro da escama se retorceu e se expandiu, engrossando, mudando para um formato mais triangular e ganhando mais área, até começar a se alongar, esticar pela ponta do triangulo almejando o chão enquanto a luz emitida chegava em seu ápice, tingindo o curto espaço da caverna com sua cor, uma energia fumacenta cercava a escama já muito maior que seu tamanho original desacelerando o alongamento e a energia fumacenta cedia, se tornando uma nuvem de partículas luminosas. Quando a escama parou seu crescimento, a luz sumiu num último flash de luz branca, e as particulas luminosas se espalharam no ar numa lufada até sumirem na escuridão outra vez.
Agora Fyrr encarava uma longa espada polida de mais de um metro e meio de altura.
- Uma espada?
Era uma espada inusual, com um cabo longo e uma jóia vermelha incrustada no final dele cercada por molduras que se bifurcavam em seu final, tinha uma base larga depois do cabo que iniciava a lâmina e se afinava conforme chegava na ponta, formando um longo triangulo isósceles. A lamina era azul-anil, extremamente polida, e as arestas pareciam mais afiadas que qualquer navalha de costura que a criança havia visto.
- Sim, uma espada, nunca viu uma antes? – questionou o dragão.
- Bem, as únicas que eu já vi eram as penduradas na parede do templo, mas elas eram diferentes, menores, e tinham uma banhia...
- Devem ser espadas vindas do seu continente, mas isso não importa.
- Como diabos você acha que eu vou carregar essa coisa? Ela tem quase a minha altura, e parece pesada, - dizia a criança, contornando a espada e admiriando seus detalhes – e eu nunca peguei em uma espada antes, não vai adiantar me dar e colocar isso nas minhas mãos... – ele por fim disse, encarando o dragão nos olhos.
- Não se preocupe, quando você precisar usa-la, vai conseguir facilmente, mas auto-defesa não é a principal funcão. Esta espada foi feita com a minha escama e com a minha magia, eu coloquei nela parte de minha autoridade sobre a sabedoria. Ela tem poderes especiais que vão ajudar você durante a jornada.
- Autoridade?
- Sim, a autoridade sobre algo intangível ou uma força natural é algo que apenas deuses deveriam ter, mas dragões como eu também possuem uma autoridade, isso faz os deuses deuses, e dragões antigos o que são.
- Então sempre que eu pegar nela eu vou ser tão inteligente quanto você? – ele o questionou com um brilho falso nos olhos.
- Claro que não. A espada será o que mais vai te beneficiar também, ela pode te levar para todos os lugares que você já visitou em alta velocidade, e ela também possue a capacidade de aprender e transferir conhecimento, isso significa que você não vai precisar treinar nem por um dia para ser tão habilidoso quanto um mestre de espadas de cem anos, mas também vai estar limitada a todo o conhecinmento que eu já instalei nela e ao que você vai acumular, então não seja descuidado ou fique exibido demais, pessoas que treinaram toda a sua vida em algo poderão te matar sem muito trabalho.
- Que droga. Mas entendi, então ela vai me levar direto pra floresta Mahatma, certo? – diz Fyrr, olhando impressionado para aquela incrível peça.
- Claro que não
- Hã? Você nunca foi até lá? Você não é o incrível dragão que já visitou todo o mundo?
- Sim, eu sou, mas existe uma série de condições para colocar minha autoridade em outra coisa e mante-la eficaz para todas as atividades necessárias pra ela.
- Então ela não é grande coisa no final das contas.
- Calado. Agora escute esta parte, é a mais importante delas, pegue a espada.
-Ok.
A criança se aproximou mais da espada, que mesmo refletindo a fraca luz das chamas da entrada iluminando um curto espaço, exibia um explendor magnífico, como ele nunca havia visto antes, ele se aproximou mais e lentamente estendeu seu braço e segurou a espada pela empunhadura negra. Na mesma hora, um calor confortável o preencheu, e chamas azuis brotaram de sua mão.
- Aaaaaahhhh!
As chamas azuis e luminosas não queimaram a mão que ele segurava desesperadamente, esperando por algum tipo de dor intensa, nada aconteceu, e as chamas logo sumiram.
- O que... o que você fez? – ele exclamou, e se virou atônito para Celenio – o que foi isso?
- Desculpe, é muito bom ver gente como você se assustando, ha ha ha. – riu o dragão.
“Vai se fuder, lagarticha de merda! Jacaré de esgoto!”, pensou o garoto, rangendo os dentes para não ser vaporizado.
- Agora que você empunhou a espada, você acabou de oficializar um contrato comigo, nossas almas estão ligadas por ele, você acaba de se tornar meu arauto, meus parabéns.
- Não estou me sentindo muito honrado...
- Que arisco, saiba que eu nunca tive um antes, você é o primeiro, mas isso não é mérito nenhum. Agora que você se tornou meu arauto, você terá direito de usar meu nome quando necessário em alguma situação que exija isso, mas cuidado, o mundo parece ter mudado drásticamente nos últimos trinta anos até eu dormir. Não sei se os humanos ainda sequer me respeitam como seu patrono, tavez uma boa parte deles, mas meu nome saindo de sua boca não deve ter mais tanto efeito quanto antes, eu te aconselho a não sair por aí dizendo ser meu arauto.
- Vou me lembrar disso...
- Apenas seres que já tiveram contato comigo ou outros dragões poderão dizer que essa espada foi feita por mim, então use ela para se fazer reconhecer pela rainha das fadas ou qualquer outro ser poderoso que fique em seu caminho, é bem possível que isso aconteça. Filhos de dragões antigos em especial são sempre problemáticos.
- Os seus também?
- Especialmente os meus. Salvos dois ou três. A espada irá protege-lo e o ajudará no caminho, mas o resto deve ser feito por você. Eu não simplesmente te jogo para lá ou te envio todo o conhecimento necessário para chegar em um dia com algum encanto especial porque isso seria contra a natureza da minha autoridade. Conhecimento e sabedoria exigem busca e prática, principalmente, experiência própria, então o máximo que eu posso fazer é te dar todas as ferramentas necessárias e te observar de longe.
- Que chato, mesmo tendo essa tal de autoridade sobre uma coisa tão absurda... você parece limitado.
- Existem regras muito maiores que mesmo os deuses devem respeitar.
- E quem deu a autoridade a eles?
- Você vai saber se procurar o conhecimento disso. Mas até lá, provavelmente suas outras caudas já vão ter crescido, e não vai querer saber a resposta.
- Que saco, bem, tanto faz, você ainda não me contou a informação mais importante ainda. O que eu vou ganhar com tudo isso?
- ... Esperado de você. – o dragão elevou outra vez sua postura, mais casual que antes – O conhecimento tem um profundo laço com sua raça, você não sabia? Kitsunes não crescem com o passar dos anos, boa alimentação e exercícios, eles crescem e aumentam seus poderes com o amadurecimento de sua alma, já que são um terço seres espirituais, logo, quanto mais conhecimento você acumular nesta espada, mais rápido seus poderes vão se desenvolver...
- Sério? Isso me pareceu promissor, então eu posso ficar com nove caudas bem rápido?
- Não seja ganancioso, no máximo, você pode ter umas cinco caudas em menos de um século, até mais rápido, mas depois de algum tempo o poder dela vai estagnar e você vai ter de crescer por sí só. Satisfeito?
- Nem tanto, mas eu não vou morrer agora e ainda vou ter mais quatro caudas antes que todas as outras crianças da tribo, então acho que foi um bom negócio.
- Tsk, por isso detesto raposas, em específico filhotes.
- Não deveria ser tão cruel comigo. – Diz ele, segurando com as duas mãos e admirando no escuro aquela gloriosa espada azul, quando a retirou da suspensão, achou que cairia tentando agarrar seu peso, mas ela era surpreendentemente leve, mais leve que uma pequena caixa de madeira, ele a segurou com uma das mãos e a balançou levemente no ar, deixando-a refletir a luz cálida do fogo. – Eu sou só uma criança ainda, no final das contas, eu ainda tenho um longo caminho a percorrer que não tive chance antes, não é assim que a natureza do conhecimento funciona, senhor Celenio?
- Sim, é sim. Mas detesto assim mesmo, porque não é por isso que eu não gosto de vocês. E só me chame pelo meu nome. Agora, isso é tudo, suma daqui, e não tente dar uma de espertinho e desaparecer com o nosso contrato, ou a espada irá arrrancar sua cabeça fora na mesama hora.
- O que? – a criança exclama, olhando espantado na direção do dragão que se recolhe para dentro da gruta escura outra vez. – você não tinha avisado isso antes!
- Então que fique claro por agora. Vamos, vá logo embora.
O dragão recolheu seu pescoço e se retraiu outra vez para dentro da escuridão, se deixando lentamente ser engolido por ela e sumindo, estava tentando voltar a adormecer.
- E você vai dormir enquanto eu faço tudo isso?
- Hmmmm como vocês dizem mesmo? Ah, sim, só mais cinco minutos. Quando sair, - ele continuou, mergulhando a cabeça nas sombras e sumindo uma última vez para dentro de seu ninho feito com montes intermináveis de moedas de ouro, esparramando vários montes delas pela área e enchendo o silêncio com sua voz reverberante e o tilintar delas caindo – aponte a espada para o alto e ela te levará para a cidade humana mais próxima que eu ainda me lembro de existir. Tenho muito o que explorar de novo nessa nova era...
- Posso pelo menos levar um pouco de ouro?
- Não...
E sua voz reverberante sumiu outra vez no silêncio. A pequena criança raposa estava sozinha na gruta com uma espada.
- Arf... Celenio... caramba, como as coisas ficaram assim?
Ele fitou a espada mais uma vez, apenas confirmando que tudo o que aconteceu não tinha sido um sonho louco, e para a escuridão infindável, e para as pilhas de moedas esparramadas deixando um rastro de onde o imenso corpo da criatura mais poderosa que ele já viu passou. Sem mais o que pensar ou falar, ele deu as costas para o ouro e saiu pelo corredor em que entrou. Agora livre das estacas de pedras evocadas pelo dragão.
Comments (0)
See all