Atravesso a multidão de corpos dançando no salão, o tempo todo murmurando possíveis frases para dizer a Ember.
— Que tal vir aqui limpar essa mancha de sorvete da minha cara agora, hein?
Não, não faz sentido, não tenho nenhuma mancha de sorvete. Mas será que ela entenderia a indireta? Tento outra:
— Já terminou de se esfregar nessa vagabunda ou vou ter que esperar mais um pouco?
Emily ficaria orgulhosa. Mas só a Emily.
— Me acompanha até o banheiro, tem umas coisinhas que eu gostaria de fazer com você. — Estou falando tão baixo que, espero, tudo soa como uma baboseira incompreensível.
Meus pés me levam até o mesmo local que abandonei há alguns minutos e, no geral, as mesmas pessoas parecem continuar ali na varanda, exceto por Ember e a mulher de cabelo preto. A outra mulher que eu não conhecia, a que estava dando em cima de Alba, também não está em nenhum lugar à vista.
Mas Alba continua na mesma poltrona. E não está sozinha.
Sentada em seu colo, com ambas as mãos em seu rosto, Emily a beija com um fervor que é reservado às pessoas que esperaram muito tempo para fazer algo. A visão é um pouco chocante porque, caramba, nunca vi Emily se sentar no colo de ninguém. E está beijando uma mulher assim, em público.
Começo a sorrir de forma idiota, a tensão que se acumulou dissipando um pouco.
Então um pensamento me ocorre.
Se Emily e Alba estão se beijando aqui, isso quer dizer que Ember arrastou aquela mulher para beijá-la em outro lugar?
Passo uma mão pelo cabelo nervosamente, olhando ao redor em busca de algum sinal das duas. Avisto Karin apoiada na mureta de vidro, conversando com um jogador do FC Porto, e ando rápido até ela.
— Rebeca! — Ela me avista antes que eu diga qualquer coisa e seus olhos azuis se enchem de pena. — Você está bem? Eu ouvi sobre...
— Estou bem — interrompo, sem querer dar a chance de ela mencionar o incidente com Stephen. Quanto menos eu ouvir o nome daquele otário na boca das minhas amigas, melhor. — Viu a Ember por aí?
— Connie? — Ela olha ao redor, erguendo os ombros. — Não, não vi... Meu Deus, aquelas ali são Alba e...
Ela não completa a frase, em vez disso volta a olhar para mim com mais pena ainda no olhar. Ai, era só o que me faltava.
— Alba e Emily, sim. — Suspiro, depois me viro para o jogador com quem Karin conversava. — Não abre a boca sobre isso pra ninguém, viu. E cuida do que os seus colegas vão dizer.
Ele arregala um pouco os olhos, depois assente.
— Não sei o que isso é — diz com um sotaque sueco carregado. Deve ser um compatriota de Karin. — Mas prometo não contar para ninguém.
— Você e Emily não são namoradas? — Karin pergunta, tocando de leve no meu braço. — Vocês terminaram? Ou é um relacionamento aberto?
— É aberto, sim, porque no caso a gente fica com qualquer um menos uma com a outra. — Percebo tarde demais que isso faz parecer que nós duas somos meio vadias, então emendo: — Eu já disse que Emily e eu somos só amigas.
— Disse, mas as evidências apontam para o contrário. — Ela olha para a cena atrás de mim de novo. — Bom, apontavam.
Começo a me afastar.
— Se você não viu a Ember, eu vou...
— Espera — o jogador sueco chama. Olho em sua direção de novo, já tinha me esquecido de que ele estava ali. — Você está procurando Connie Ember? Acho que ela entrou no salão. Eu a vi conversando com Andrews lá dentro há uns dois ou três minutos.
Ember conversando com Stephen? Tem que ser, certo? Andrews é um sobrenome comum, mas no contexto desta festa só pode dizer respeito a ele.
Fico parada, sem saber o que responder. Imaginar aqueles dois interagindo ativa uma série de alarmes dentro de mim, ainda mais considerando que a minha última interação com Stephen resultou nele estatelado no chão com cara de trouxa. Será que a Ember foi perguntar a ele o que aconteceu? Confrontá-lo? Ou, pior, será que Stephen é que foi atrás dela para falar mal de mim?
Enfim, consigo perguntar:
— Por que eles estariam conversando?
O jogador sueco me encara de forma confusa, algumas rugas se formando em sua testa pálida.
— Eles não são amigos?
Do jeito como ele pergunta, parece que a resposta seria obviamente sim, mas isso é novidade para mim. Claro, Ember e Stephen jogam pela mesma Seleção, representando a Inglaterra — em times diferentes, é óbvio, ele no masculino e ela no feminino —, mas as coisas que possuem em comum terminam aí. Não consigo me lembrar de ele alguma vez ter sequer mencionado o nome dela.
— Claro que eles não são amigos — ouço a voz de Karin e, ainda meio perdida, me viro um pouco em sua direção. Ela me encara preocupada, o que faz com que eu respire fundo, tentando controlar a minha cara de trouxa. — Nenhuma de nós é amiga daquele babaca.
Tenho a súbita vontade de abraçá-la, mas me contento com um sorriso de agradecimento.
— Certo, eu vou… procurá-la. — Começo a me virar, mas paro e olho de novo para o jogador. Tento me lembrar do seu nome, já que o rosto é conhecido, mas não consigo, então digo apenas: — Valeu, cara.
Não que ele tenha sido de grande ajuda. Ember pode estar em qualquer lugar daquele salão. Pelo menos o sueco não mencionou que a viu com outra mulher — com Stephen é muito pior, mas me esforço para pensar positivo.
Entro no salão e dou uma volta, procurando por ela e aproveitando para pegar mais uma garrafa de água. Meus passos não se tornam magicamente menos incertos só porque estou hidratada, mas espero que isso minimize a ressaca que com certeza vou ter amanhã.
Não há sinal algum de Ember, e todas as pessoas para quem pergunto dizem não fazer ideia de onde ela está. É hora de aceitar que ela foi embora da festa. Neste exato momento, já deve estar com o rosto enfiado entre as pernas daquela mulher — e lá se vai meu intuito de pensar positivo.
Caramba. Eu não deveria me sentir assim.
Algumas semanas atrás, era eu com o rosto enfiado entre as pernas de outra pessoa. E, se esta noite fosse como eu esperava, era assim estaria neste exato momento. Até beijei Lúcia hoje. Na frente de Ember, aliás.
Não tenho o direito de ficar remoendo os pensamentos de Ember com outra, ou mesmo de ficar irritada em pensar nela conversando com Stephen, como se o que ela faz ou deixa de fazer fosse da minha conta.
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