Cherry lips, crystal skies
I could show you incredible things
Stolen kisses, pretty lies
Lábios de cereja, céu azul
Eu posso te mostrar coisas incríveis
Beijos roubados, belas mentiras
— Blank Space
Quando volto para a varanda, sem vinho e sem paz no coração, Lúcia ainda me espera. O problema é que ela está sentada em uma poltrona perto de Ember, Alba e das duas mulheres com elas. Todas conversam como se, durante os minutos em que fiquei longe, uma amizade linda tenha se iniciado.
Resisto ao impulso de dar meia-volta.
O que me aguarda dentro daquele salão é pior ainda.
Hora de abraçar a desgraça. Acho que já foram três tipos de bebida diferentes derramados em mim. Minha roupa está fedendo a vodka, tem uma mancha de vinho na minha blusa e os shots de tequila que tomei estão realmente fazendo efeito agora. Esse último fato é uma bênção.
Ember está rindo de algo que a mulher ao lado dela disse. Rugas se formam nos cantos dos seus olhos, mas uma parte mesquinha de mim nota a ausência de covinhas em suas bochechas. Ela me avista alguns segundos antes das outras. Assim que seu olhar cruza com o meu, todo humor desaparece do seu rosto.
Ela se levanta, registrando o resto da minha aparência deslumbrante.
— Que porra aconteceu?
É a primeira vez que a ouço xingar e é sexy pra caralho. Eu deveria estar miserável demais para gostar, mas a verdade é que estou bêbada o suficiente para responder com um sorriso.
— Eu esbarrei em alguém — explico enquanto me aproximo delas. — Depois Stephen esbarrou em alguém e o resto, tenho certeza, vocês vão ler amanhã em vários sites de fofoca.
— Stephen? — Ember se senta de novo, um pouco devagar. O olhar de confusão em seu rosto é adorável. — Ele falou alguma coisa?
Eu suspiro e balanço a cabeça em negativa. Vou até onde Lúcia está e lhe lanço meu melhor olhar de desculpas. Ela não diz nada, me encarando de uma forma que não consigo decifrar. Não parece nem feliz em me ver, nem brava, apenas... pensativa?
Depois de uma troca meio longa de olhares, ela desliza um pouco para o canto na poltrona larga, me dando uma brecha. Eu me sento ao seu lado, nossas coxas comprimidas uma na outra.
— Onde está a sua amiga? — ela pergunta, num tom neutro demais para não ser forçado.
Olho de relance para Alba. É uma boa pergunta: onde está Emily? Pelo que me lembro, deleguei a ela a tarefa de dar uns beijos na capitã do nosso time. Mas Alba está aqui e ela não.
— Ela vai aparecer logo — digo, olhando de novo para Lúcia. — Está se divertindo?
Ela dá de ombros.
— Pior que sim. Suas colegas de time são ótimas.
Eu sigo o olhar de relance que ela lança para Ember, que voltou a atenção para a mulher alta de cabelos pretos ao seu lado. A mulher é muito bonita, aliás. Quase bonita demais, na minha opinião. A gente precisa ver um defeitinho na pessoa para apelar à nossa humanidade, sei lá.
E, quanto à Ember... puta merda, o que custava ela ter se arrumado menos hoje? Olhar para ela quase me causa uma dor física.
Não é justo que ela esteja usando esse terninho preto. Não é justo que seu cabelo esteja preso de maneira elegante, que esteja usando os óculos de grau que eu amo ver nela, e que esteja sorrindo para outra mulher, tocando a coxa dela e deixando a mão ali, casualmente, como se não fizesse mal algum. Mas faz. Faz um mal enorme.
— Quem não parece estar se divertindo é você — Lúcia diz, num tom baixo, e o fato de que está falando em português mantém a conversa privada apesar de estarmos próximas das outras mulheres.
Viro o rosto de volta para ela, comprimindo os lábios, e a minha vontade é de acabar logo com isso. Encerrar a noite por aqui.
— Desculpa — murmuro, e é sincero. Eu deveria estar me divertindo. E deveria só ter olhos para ela.
Ela se inclina para sussurrar no meu ouvido:
— Ainda posso deixar a noite divertida. A minha oferta está de pé, vamos fazer ciúmes no seu ex. Ou na sua ex.
Isso é ruim. Muito ruim.
Estou pronta para assegurá-la de que Emily, ao contrário do que ela imagina, não é nada além de minha amiga. Minha melhor amiga. E, de novo, não me interessa fazer ciúmes em Stephen.
Mas estou bêbeda, tive uma noite de merda até agora e Ember está dando em cima de uma mulher bem na minha frente. Tenho o ímpeto de dar o troco.
A memória do que Emily me disse uma vez, meses atrás, vem à tona:
Pelo que ouvi falar, ela gosta de joguinhos.
Será que é verdade? Ember gosta mesmo desse tipo de palhaçada? E se ela, ao contrário de mim, não sentir ciúmes? Vai com certeza ser uma porrada no meu ego, mas uma bem merecida.
Então seguro o rosto de Lúcia e deposito um beijo demorado em seu maxilar, perto da boca.
— Sem enrolação? — pergunto, meus lábios roçando em sua pele.
— Direto ao ponto — ela responde e, segurando meu queixo, me beija pra valer.
Ela tem gosto de vinho.
Imediatamente, lembro do vinho se derramando na minha blusa. Depois na camisa de Stephen. O sabor é ácido, como o dos goles que tomei no que restou nas taças.
Não é um beijo ruim, necessariamente. Mas minhas mãos começam a suar, meu coração se acelerando de um jeito que parece errado. Seguro a cintura de Lúcia, enfiando os dedos pela abertura do meu próprio blazer nela, sentindo a textura macia do seu vestido.
Mando uma dezena de avisos para a minha mente simplesmente gostar disso, gostar dela. É inútil.
Eventualmente, eu me afasto.
— Quer um copo d'água? — pergunto, minha voz soando quebradiça. — Posso buscar.
Lúcia começa a torcer a boca, não deve ser o que gostaria de ouvir logo depois de um beijo, mas então seu olhar foca em mim. Não sei como está a minha expressão, só sei que toda a minha capacidade de fingir tranquilidade se evaporou. Minha garganta está seca, minha nuca parece molhada de suor e eu quero sumir.
Lúcia assente, comprimindo os lábios cheios. Olho para sua boca, sabendo que deveria querer beijá-la de novo. Ela é linda, divertida e aguentou minha confusão até agora. É o suficiente, não?
— Tudo bem — ela diz —, parece que você precisa mesmo se hidratar.
— Desculpa — eu digo de novo, não sei o porquê. Só sei que sinto muito.
Ela suspira e dá um sorriso triste, nada como os que estava dirigindo a mim no início desta noite.
— Vamos arrumar um copo d'água para você. Depois você me acompanha até lá embaixo enquanto a gente espera o meu Uber. Acho que está na hora de eu ir para casa.
Ainda posso tentar salvar essa situação, me convidar para acompanhá-la até em casa, não só até o térreo. O problema é que eu não quero. Talvez, depois que ela for para casa, seja a minha vez de ir embora também.
Assinto de forma rígida, e nós nos levantamos.
— Já estão indo? — Alba pergunta.
— Bom, não é culpa minha se esta festa está uma merda — digo, dando de ombros.
Meu olhar recai sobre Ember mais uma vez. Ela não reage ao que eu disse porque está ocupada com o rosto enfiado na curva entre o ombro e o pescoço da mulher ao seu lado. A mulher, por sua vez, está com os olhos fechados, sorrindo. Imagino a sensação dos lábios de Ember na minha própria pele, depositado beijos, sugando…
Abro e fecho as mãos, depois seco as palmas suadas na calça e olho para Lúcia. Ela me encara de uma forma direta, como se entendesse algo sobre mim. Provavelmente, que eu sou uma bagunça.
Seguro a mão dela e juntas nos afastamos. No salão, sinto os olhares sobre mim, mas, por sorte, não me deparo com Stephen de novo, apenas vejo seus amigos de longe.
Encontramos um garçom milagrosamente servindo garrafinhas d'água e eu pego uma. Lúcia não diz nada, nem eu, apenas bebo em goles sôfregos.
Assim que entramos no elevador, eu solto o ar, segurando a garrafinha vazia em uma mão.
— Sabe, eu achava que minha competição hoje poderia ser Emily — Lúcia diz, tirando o celular da bolsa.
Eu resmungo algo incoerente, depois começo a dar a justificativa de sempre:
— Emily e eu somos só...
— Amigas, eu sei. Ou acho que sei. É difícil dizer com você.
Bela maneira de me chamar de puta.
— O que isso quer dizer? — retruco, meu tom um pouco mais frio, as palavras arrastadas.
Ela meneia a cabeça. O gesto parece um pouco borrado.
— Olha, enquanto você estava longe com a sua amiga e antes de Connie e Alba me chamarem para sentar com elas, precisei ficar mexendo no meu celular para não ficar olhando para o nada como uma idiota. — Ela estende o celular para mim, aberto no TikTok, um gesto tão sem nexo que faz parecer que estou sonhando. — Meu algoritmo está treinado em me mandar coisas com você. É bem educativo. Hoje, por exemplo, me fez perceber como fui idiota.
Minha visão se ajusta um pouco e me dou conta do conteúdo do vídeo para o qual estou olhando. É curto.
Somos Ember e eu, dois dias atrás. Diante do Rio Douro no fim de tarde, ela se inclina para limpar uma mancha de sorvete de chocolate no meu queixo. Nossos olhares se encontram. O vídeo recomeça.
Assisto-o num looping até as portas do elevador se abrirem.
No vídeo, os olhos de Ember estão fixos em mim e ela parece em transe, não muito diferente de mim. É estranho observar isso num vídeo, não olhando diretamente para ela como realmente aconteceu. Coloca as coisas em perspectiva, sem a chance de eu culpar a minha mente por romantizar cada coisinha.
Entrego o celular de volta para a Lúcia, que está com o indicador sobre o botão que impede as portas do elevador de se fecharem. Quando pega o aparelho, a expressão dela é de resignação.
— Você e Connie ficam fofas juntas.
O pior é que ficamos mesmo.
— Nunca quis fazer você se sentir como uma idiota — digo, enrolando as palavras na língua.
Ela se inclina e me beija. É rápido, uma breve despedida.
— Valeu a pena. E não vou devolver o seu casaco.
Depois, ela se vira e sai do elevador, as portas se fechando atrás dela. Por um segundo, considero sair também. Não para segui-la, só para ir embora.
Mas aperto o botão para voltar para o andar da cobertura.
Sinceramente? O vídeo foi mesmo educativo.
E Ember pode ir à merda se acha que vai escapar de limpar sorvete no meu rosto com aquela droga de olhar.
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