Era triste, mas o rapaz sentia ter finalmente compreendido o motivo de Robert Winston não ter confiado naquele plano. Ele era escasso de fundamento. James estava se baseando em pergaminhos velhos e lendas antigas. Seria prudente arriscar a vida em prol de algo que tinha tudo para dar errado?
— Não estou sendo supersticioso. Pense bem, garoto — disse o homem como se lesse a sua mente. Ele já guardava tudo. — Se as informações contidas nesses pergaminhos não fossem importantes, por que a teriam escondido?
— Ora, eu… eu não sei! — respondeu o jovem, perdido sobre que posição deveria assumir.
Diante da resposta, James fechou os livros que pegara e os empilhou no canto da mesa.
Apesar de soar como uma estratégia desesperada, aquele homem parecia mesmo determinado a seguir aquilo. Perante toda sua inquestionável dedicação e experiência, talvez Artur devesse dar um voto de confiança para ele. Talvez fosse, além de tudo, o que ele mais precisava no momento.
— No entanto — disse o professor, voltando a se sentar em sua cadeira —, há um grande problema que me impede de progredir com isso, garoto. Esses pergaminhos estão incompletos.
— Como é?
— Estou na busca do restante, quem o escondeu junto ao corpo também deve ter escondido em outros lugares da ilha para manter a informação em sigilo. Segundo os registros, a mulher encontrada era a esposa de um morador que vivia do lado de fora do vilarejo e que também desapareceu há anos. Pouco se sabe sobre os dois.
E então, antes que o garoto pudesse pronunciar algo em relação àquilo, os sinos do templo de Rostwood começaram a soar distantemente, anunciando o fim de mais um dia na academia.
— Precisa ir agora, garoto. E lembre-se de que tudo o que foi falado aqui tem que ser mantido em absoluto sigilo — repetiu o homem, enquanto tornava a ocultar o quadro em sua parede.
— Ah, e… quanto ao meu treinamento, hein?
— Isso fica para um outro momento. Treiná-lo também faz parte dos meus planos, já que precisarei dos seus serviços fora deste vilarejo.
— Você está falando… além das muralhas? — perguntou o menino perplexo e animado com a ideia.
— Sim, e você terá que estar preparado para isso quanto antes — respondeu o professor, cobrindo novamente o caldeirão. — Lá fora você estará exposto a muitas ameaças e eu não estou falando somente de Azaroth.
— Sim, eu sei dos seres que habitam o resto da ilha. Tribos de trolls, lobos, vários… insetos venenosos, goblins, orcs…
— Isso mesmo, isso mesmo! Ainda quer fazer parte disso?
— Eu… — hesitou o rapaz. — Com certeza!
∴
Artur não conseguia dormir naquela noite, estava preocupado.
Ele se sentou em sua cama e pôs seus pés descalços sobre o chão. O sono, de fato, estava longe de chegar. Chegara a refletir se estava agindo racionalmente se unindo ao Sr. Jordan ou se estava mais uma vez sendo guiado pelo impulso.
Seus segredos com ele eram empolgantes ao mesmo tempo que inquietantes. As pontas soltas deixadas na última conversa não poderiam ser ignoradas.
Seu plano soava escasso, boa parte pautado em deduções supersticiosas, embora o homem negasse isto. E se após meses de preparo e dedicação o suposto veneno não funcionasse? Será que valia mesmo todo o risco se aliar àquela causa?
Ao menos James estava tentando efetuar algo em prol do vilarejo. E se, do contrário, sua descoberta chegasse mesmo em algum lugar? E se ela ocasionasse a destruição da maior ameaça ao povo de Rostwood? Quem sabe, ao final de tudo aquilo, a ilha regressasse aos seus tempos de glória?
Era, de todas as hipóteses, a melhor. Daquele jeito, talvez seu irmãozinho pudesse enxergar o mundo através de seus olhos. Um mundo sem Azaroth, um mundo menos sombrio longe de casa. Aquele era o seu maior desejo.
Harry estava adormecido feito uma pluma ao lado, o que era até invejável. Respirava suavemente, aquecido por baixo daquela coberta. Nem uma detonação estrondosa pelas redondezas do castelo parecia ser capaz de despertá-lo.
A madrugada estava tão serena e silenciosa que o menino conseguia escutar da janela as distantes ondas do mar quebrando pela costa rochosa, além do sopro suave do vento gélido e o crocitar das corujas alertas sobre os telhados.
Entrelaçado pela rede de pensamentos incessantes e conflituosos que pairavam sob sua mente, Artur levantou-se de sua colcha. Estava cansado de se ver inseguro quanto aos seus próximos atos, precisava de um tempo sozinho na arena de lutas para reorganizar seus pensamentos.
O menino, então, se vestiu, calçou as sandálias silenciosamente e partiu na calada da noite rumo a um trajeto proibido, mas costumeiro.
A arena o acolheu, estava radiante como sempre. Acima abria-se um majestoso céu estrelado, as luzes reconfortantes vindas das piras de fogo sagrado iluminavam o vasto espaço aberto. Diante daquele cenário silencioso e encantador, o rapaz começou a treinar.
O desafio agora era golpear o ar com um peso amarrado em cada membro do corpo com sua habitual espada de treino. Ele se apegou realmente a arma, já estava bem evidente que seu futuro era como um espadachim.
Artur estava evoluindo rápido com aquele persistente costume noturno. Conseguia derrubar até mesmo os veteranos do novo estágio.
Agora o menino não podia mais parar, ainda mais sabendo que logo se tornaria uma peça importante na luta contra Azaroth, que logo teria suas capacidades testadas por James Jordan, um guerreiro confiável, um mestre de verdade, aquele quem não queria desapontar jamais.
Executando incríveis movimentos de defesa e investida com a espada, o menino voltou a pensar no plano do professor e a sentir na pele as preocupações que vinham junto. De onde viria aqueles pergaminhos? Quem transcreveria informações tão úteis como essas e a esconderia junto a um cadáver?
De repente, uma longínqua lembrança fez Artur paralisar os movimentos e soltar a espada de treino no ar, deixando-a despencar no chão com brutalidade. Ele ficou estático e sem cor, preso na informação que raptara de sua memória.
— Não… pode ser! — sussurrou para si.
O menino conhecia um homem que, em uma história trágica, revelara ter descoberto um meio de derrotar Azaroth e registrado tais descobertas em algumas páginas de pergaminhos.
Teria ele o visitado naquele mesmo dia.
Seria possível que Rog Lance Wegg, o tio de um dos seus melhores amigos, tivesse sido o autor dos manuscritos encontrados por James?
O corpo encontrado junto datava o tempo de morte da sua esposa: dez anos. Rog desaparecera aos olhos de todos, mas surgira no vilarejo com uma nova identidade para fugir das garras do demônio, vivendo, em seguida, dez anos de tormento mental em um moinho que ele mesmo restaurou até perder parte de sua sanidade.
Tudo se encaixava, tudo fazia sentido, tinha que ser ele.
Se tais informações vieram mesmo deste homem, isso traria muito mais confiança àquela missão. Artur não podia se esquecer que Rog fora um ex-serviçal de Azaroth que, em tempos remotos, se rebelara devido à morte de sua amada.
Havia acidentalmente ali, a longínqua possibilidade de James estar trilhando o caminho certo para salvar o vilarejo. E se fosse o caso, aqueles pergaminhos eram, de fato, a chave para isso.
Talvez reencontrando seus manuscritos, o velho Rog poderia se recordar de onde escondera os demais. Isso poderia ajudá-los.
— Corra! — sussurrou inesperadamente uma voz distante.
Artur freou seus pensamentos imediatamente ao escutar aquilo. Seus olhos varreram toda a arena, mas não havia mais ninguém ali a não ser ele.
Poderia ter sido apenas uma impressão. Convencido disso, o menino caminhou até sua espada de treino e a pegou do chão, precisava voltar a treinar.
— Corra! — repetiu a voz, em um tom desesperador. — Corra agora!
Assustado, Artur brandiu sua espada de treino e encarou os arredores, apreensivo. De quem seria aquilo? De onde ela saía? Por que dizia isto?
Poderia ser loucura da sua cabeça, talvez efeito do cansaço, mas aquela voz lhe parecia ser bem familiar, mas estava tão distante que era difícil distinguir.
O menino sentiu um vento gélido tomar o ambiente de um modo muito suspeito. Era uma sensação incômoda que já testemunhara antes e que lhe trazia recordações ruins.
Ao olhar para cima, o garoto avistou um enxame colossal de corvos, pombos, gaivotas e aves em geral tomarem o céu noturno, encobrindo a lua e as estrelas como se fossem nuvens negras e espessas. Era um comportamento atípico das aves. Seus pios altos e múltiplos rasgavam o silêncio noturno como um aviso de que algo ruim estava se aproximando.
O sino de Rostwood, então, ressoou de um modo que o menino nunca ouvira antes. Ele sabia bem o que aquilo significava, eram cinco badaladas, foram instruídos nos primeiros dias de aula em relação àquilo. Tratava-se de um alarme sonoro, um alerta de ataque, de invasão, de perigo.
E então, para seu assombro, as graciosas chamas sagradas acesas nas oito piras que o rodeava, enfraqueceram gradativamente como se perdessem combustão, deixando o ambiente assustadoramente mais escuro. A energia que as alimentavam se exauriu até que se transformassem em pequenas fagulhas azuis e cintilantes, como o fogo de uma simples vela.
Artur soltou imediatamente os pesos dos seus braços e pernas, e os mesmos caíram com extrema força no chão de terra. Com o coração acelerado, o menino subiu a arquibancada até o topo, de onde conseguiria observar melhor os terraços do castelo e todo o vilarejo.
Ao chegar, ele pausou seus passos e pregueou a testa. O mesmo fenômeno estranho que ocorrera com as piras da arena acontecera com as que rodeavam todo o vilarejo, o qual, agora, parecia estar ainda mais sombrio que o normal.
Do mesmo local, ele observou uma grande movimentação de guardas correndo desesperados do alto da muralha e dos terraços do castelo, descendo as escadarias e abandonando seus postos de observação.
Pelas ruas e travessias gélidas, mais guardas corriam, batendo de casa em casa, de comércio em comércio e acordando abruptamente os moradores.
Os rostwoodianos saiam de suas casas às pressas e corriam rumo ao templo e ao castelo, formando um grande e tumultuado aglomerado na rua principal. Ambas as fortificações pareciam os receber com os portões escancarados.
Era uma visão de dar pânico. O que exatamente estava acontecendo?
De longe então, o rapaz observou algo muito estranho sobrepujar os adarves da muralha norte. Parecia ser uma nuvem densa e enigmática que engolia os merlões e as piras, como se uma monstruosa e colossal massa violeta estivesse prestes a inundar o vilarejo. O que seria aquilo?
— Pelos deuses! — exclamou o rapaz horrorizado. — Harry!
Artur se jogou de cima das arquibancadas e partiu em disparada de lá, deixando todo o material de treino espalhado pelo chão e suas pegadas desesperadas em direção ao portão.
∴
FIM DO PRÓLOGO
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